Luis Fernando Verissimo
falava muito pouco, mas fazia o Brasil inteiro rir
Cronista criou estilo único inspirado nos mestres
americanos e conquistou com a sua observação elegante do absurdo cotidiano
Ruy
Castro/Folha de S. Paulo
Luis Fernando Verissimo surgiu no Caderno B do Jornal do Brasil ao mesmo tempo em que, nos Estados Unidos, Woody Allen, já famoso no cinema, se revelava como humorista pela New Yorker. O ano era 1974 e, para alguns, a identidade de estilos era óbvia.
Assim como
Woody, Verissimo se punha na posição do observador que via o ridículo ou o
absurdo com grande naturalidade. Também como Woody, ele não buscava a
gargalhada, mas o riso silencioso. E seus personagens, assim como os de Woody,
eram homens e mulheres nascidos não para, mas um contra o outro.
O texto era
elegante e conciso, bem diferente do coloquialismo barroco de Nelson Rodrigues e
da ferina objetividade de Millôr Fernandes, os dois cronistas mais ativos da
época.
Mas Verissimo
não devia nada a Woody Allen. A semelhança entre eles se dava por terem em
comum as mesmas matrizes —os também americanos Robert Benchley, morto há 80 anos,
e S. J. Perelman, que morreu em 1979.
Apesar de
vigente nos Estados Unidos desde princípios do século 20, ninguém fazia esse
humor no Brasil. Verissimo foi pioneiro —ele próprio se definia como um
brasileiro que escrevia "em americano traduzido". Hoje, esse tipo de
humor está presente, sem a mesma qualidade, na maioria dos que praticam a comédia
stand-up por aqui.
Sem querer, e justamente por admirar o autor, atrasei em um
ano a consagração de Verissimo. Em fins de 1975, o Jornal do Brasil criou a
Domingo, a primeira revista semanal colorida dentro de um jornal, e seu
editor-executivo —eu— quis Verissimo em suas páginas.
Com isso, ele
deixou de publicar no jornal, de alcance nacional, e passou a sair só na
revista, que, no começo, circulava apenas nos exemplares que se destinavam ao
Rio de Janeiro. E assim, durante algum tempo, Verissimo foi um privilégio dos cariocas.
Quando foi reincorporado ao jornal, o Brasil o descobriu —e se apaixonou.
Ele conseguiu
a proeza de fazer o país rir com um personagem de forte sabor regional, o
analista de Bagé. Outra de suas criações, a velhinha de Taubaté —a última
pessoa no Brasil a continuar acreditando no regime militar—
nos lavava semanalmente a alma. Minha favorita, no entanto, era uma que ele
explorava pouco, a ravissante Dorinha Doravante, a socialite socialista, que
escrevia ao cronista cartas deliciosamente cínicas.
Verissimo
também desenhava (na minha opinião, muito bem) e construiu pequenas grandes
sagas em quadrinhos.
A melhor
delas, a da família Brasil, com aquele pai perplexo e sem chão, às voltas com a
filha moderninha e com o genro hippie e parasita —um porta-voz de muitos de sua
geração, que já não se reconheciam muito bem no mundo. Com seus toques de Jules
Feiffer no desenho e Neil Simon nos diálogos, a família Brasil teria feito
bonito em qualquer jornal do mundo.
Fomos colegas
e contemporâneos no Jornal do Brasil, em O Estado de S. Paulo e na revista
Playboy e, no decorrer de 40 anos, nos encontramos dezenas de vezes. Mas tudo
que dissemos um para o outro, sobre jazz, futebol ou literatura,
caberia numa única página.
Verissimo
falava pouco. Eu o entendia —com a quantidade de material que tinha de escrever
diariamente para jornais e revistas, falar devia parecer a ele uma queima de
energia. E ele não abria mão da qualidade, como se pode ver em seus livros —em
quase 100% saídos do que produzia para a imprensa
Adepto de
primeira hora do Partido dos Trabalhadores, Verissimo vinha sofrendo
ultimamente com seu partido —assunto de que evitava tratar nas colunas. Sofria
também cobranças, às vezes agressivas, dos que não pensavam como ele.
Esses agressores não entendiam que, com seu jeito único e intransferível de enxergar a fragilidade humana, Verissimo, na verdade, nunca pensou como ninguém.[S
O gigolô das palavras https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/verissimo-humorismo-literario.html
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