30 junho 2024

Minha opinião/poemas e poetas

Versos no story 
Luciano Siqueira 

A minha dúvida foi desfeita pelo poeta Adalberto Monteiro: 

— Amigo, no Brasil ainda se lê muito pouco poesia, livros muito menos! Você está ajudando a criar o hábito de ler poemas. Vá em frente.

Eu me refiro às estrofes e às vezes não mais do que dois versos de um poema que todas as manhãs publico no story do Instagram, digitados sobre uma obra de arte ou foto. 

O hábito é antigo. Entre cinco e seis da manhã, invariavelmente todos os dias, um dos meus primeiros gestos é foliar um livro de poesia.

E pinço de um poema uma passagem que desperta a minha atenção pela beleza plástica e pela força das palavras. 

De poetas como João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar e Cida Pedrosa tenho um enorme prazer de perceber que o poema foi precedido de um trabalho de parto nada simples. O poeta e as palavras arengam e ao final fazem as pazes...

Às vezes divulgo poetas muito pouco conhecidos. De um livro que me presentearam ou mesmo de registros que me chegam através do WhatsApp ou por e-mail.  

— Veja esse poema, você pode aproveitá-lo no Instagram.

Também divulgo poemas aqui no blog www.lucianosiqueira.blogspot.com sob a retranca "palavra de poeta".

A lista é imensa — dos já citados Cida Pedrosa, Ferreira Gullar e João Cabral de Melo Neto a poetas outros que, de modos distintos, me inspiram para mais um dia de labuta: Neruda, Maiakovski, Adélia Prado, Florbela Espanca, Fernando Pessoa, Mia Couto, Saramago, Jorge Luis Borges, Víctor Jara, Mario Benedetti, Drummond, Thiago de Melo, Adalberto Monteiro, Orley Mesquita, Vinícius, Manuel Bandeira, Rilke, Paulo Mendes Campos, Manoel de Barros, Geir Campos, Cora Coralina, Cecília Meireles, Clarice...

Incluo também os pernambucanos Carlos Pena Filho, Alberto da Cunha Melo, Maria do Carmo Barreto Campelo, Miró da Muribeca e muitos outros e meus ex-companheiros presos políticos em Itamaracá Marcelo Mário de Melo e Chico de Assis. 

Às vezes cito extraordinários letristas de nossa MPB, como Chico Buarque, Cazuza, Gonzaguinha, Aldir Blanc e o próprio Vinícius. 

Impossível lembrar aqui, de pronto, inúmeros outros autores que desde a adolescência me ajudam a viver intensamente e a perceber a verdade contida num detalhe ou num fato aparentemente fortuito — inspiração dos grandes poetas.

Como diz o argentino Borges: "Devo louvar e agradecer cada instante do tempo./Meu alimento é todas as coisas."

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/10/joao-cabral-em-analise.html

EUA: decadência explícita

Debate Biden x Trump é o retrato de uma plutocracia apodrecida
O constrangedor debate presidencial entre o atual presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump, é revelador do tamanho da crise política e moral que envolve os EUA.
Wevergton Brito/Vermelho www.vermelho.org.br

Nos EUA existe um time de basquete chamado Harlem Globetrotters. O time joga com adversários contratados para servirem de “escada” para a performance, ou seja, a partida é “arranjada” e os HGs sempre vencem. O público, não só o estadunidense, gosta muito… Mas já gostou mais, muito mais. Afinal, a repetição ano a ano de, basicamente, um só roteiro final, mesmo que com variantes, acaba cansando.

Assim como as “eletrizantes” vitórias dos Harlem Globetrotters, as eleições nos EUA são espetáculos midiáticos que guardam pouca relação com uma democracia digna deste nome. No fim, ao distinto público resta escolher, como ocorre há mais de 150 anos, entre um candidato Republicano e outro candidato Democrata, sendo que um deles obedece a um grupo de milionários e o outro é fiel a outro grupo de milionários, grupos estes separados por filigranas políticas, que muitas vezes assumem contornos agressivos, mas no fundo unidos em torno do ideal de preservar o sistema em sua essência.

Tudo é feito, é claro, com elevada técnica de propaganda em torno da “democracia” americana. Segundo levantamento da organização estadunidense “Center for Responsive Politics” as campanhas de Biden e Trump em 2020 gastaram nada menos do que 14 bilhões de dólares, boa parte em anúncios de TV.

Mas o público parece exausto. Pesquisa feita em janeiro pela Reuters/Ipsos e noticiada pela CNN aponta que cerca de 67% dos eleitores dos EUA, estão “cansados de ver os mesmos candidatos nas eleições presidenciais”.

O constrangedor debate presidencial desta quinta-feira (27) entre o atual presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump, é revelador do tamanho da crise política e moral que envolve os EUA, sintoma de uma decadência que assume ares de fenômeno irreversível.

De um lado um mentiroso patológico e neofascista, chamado Donald Trump, que durante o debate acusou Biden de defender o infanticídio, disse que os imigrantes são criminosos, justificou os vândalos que atacaram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021, entre outros absurdos.

Do outro lado, um inepto Joe Biden, que tenta disfarçar – por meio de um verniz civilizado e do desfraldar de algumas poucas bandeiras corretas – toda a violência de um imperialismo que mata na Palestina, promove golpes ao redor do mundo e financia neonazistas na Ucrânia.

O resultado do debate foi um completo desastre para Joe Biden. Confuso, hesitante e gaguejante, Biden foi massacrado por Donald Trump. Segundo a agência britânica Reuters, “um doador de Biden, que pediu anonimato para falar livremente sobre o presidente, chamou seu desempenho de ‘desqualificante’ e previu que alguns democratas reiterariam os apelos para que Biden desistisse em favor de outro candidato antes da convenção nacional do partido em agosto. Democratas em pânico trocaram mensagens perguntando se Biden consideraria desistir. Um estrategista sênior democrata disse que seria inédito um candidato desistir tão tarde no ciclo eleitoral, mas que haveria apelos para que Biden fizesse exatamente isso”.

Faltando mais de quatro meses para a eleição (uma eternidade em termos políticos) é muito difícil qualquer previsão, mas que Trump é, atualmente, o favorito, disso não se pode duvidar.

Esse favoritismo levanta o seguinte dilema para os povos do mundo: a vitória de Trump pode mergulhar os EUA em uma crise ainda maior de legitimidade e liderança, acelerando seu declínio, o que afinal seria, em termos de perspectiva histórica, uma boa notícia. Por outro lado, uma vitória trumpista quase certamente levaria a um fortalecimento extremamente perigoso da extrema-direita neofascista no mundo, na América Latina e especificamente no Brasil.

Sobre este dilema, seria importante acompanhar a reação dos trabalhadores e da esquerda americana. Como mostram os recentes protestos em defesa da Palestina nas Universidades, a fatia mais combativa e lúcida dos progressistas está crescendo em influência, embora ainda pareça estar longe de representar uma opção visível na luta política. A Reuters constata que “nenhum dos candidatos é popular, e as pesquisas mostram que muitos americanos estão insatisfeitos com suas opções. O país está profundamente polarizado, e a maioria dos eleitores expressou preocupação de que a violência política possa estourar depois da eleição”.

Ao mesmo tempo em que não se pode subestimar o neofascismo representado por Donald Trump, esquecer que a extrema-direita é um instrumento a serviço do imperialismo tradicional representado por Biden poderia levar a leituras equivocadas.

Existe uma política bipartidária nos EUA, por enquanto ainda amplamente majoritária no chamado “Estado Profundo”, que encara a manutenção da hegemonia estadunidense principalmente em termos bélicos. Não à toa, em 2023 o mundo assistiu o investimento em arsenais miliares crescer  em mais de 11 bilhões de dólares em comparação com 2022, sendo os EUA responsável por 80% deste crescimento, de acordo com dados da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (Ican). Ano a ano, os EUA batem recordes de investimento na indústria armamentista. Foi assim no mandato de Trump e continuou com Biden. O Instituto Internacional para Estudos da Paz de Estocolmo (SIPRI) revelou que em 2023 os EUA gastaram mais em amas para a guerra do que China, Rússia, Índia, Arábia Saudita, Reino Unido, Alemanha, Ucrânia, França e Jap&atil de;o, SOMADOS.

Ou seja, independentemente de quem vença as eleições nos EUA em novembro nos cabe a denúncia do imperialismo, a defesa da paz mundial, da soberania nacional e a solidariedade aos povos em luta, incluindo, talvez com relevância inédita, a solidariedade ao povo estadunidense na busca por romper com sua plutocracia carcomida.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/luis-carlos-paes-opina.html

Emprego em expansão

Trabalhadores empregados ultrapassam 101 milhões, novo recorde desde 2012
Além disso, taxa de desemprego, de 7,1% no trimestre encerrado em maio, foi a menor desde 2014 e rendimento médio dos trabalhadores cresceu 5,6% na comparação anual
Vermelho www.vermelho.org.br

O número de trabalhadores ocupados no Brasil bateu novo recorde da série histórica iniciada em 2012, chegando a 101,3 milhões. Ao mesmo tempo, o país atingiu, no trimestre encerrado em maio, a menor taxa de desemprego para o período desde 2014, com 7,1%. 

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgada nesta sexta-feira (28) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No caso da população ocupada, o total alcançado teve alta de 1,1% (mais de um milhão de pessoas) no trimestre encerrado em maio e de 3% (mais de 2,9 milhões de pessoas) no ano.

Os contingentes de trabalhadores com carteira (38,3 milhões) e sem carteira assinada (13,7 milhões) também foram recordes da série histórica, além do total de empregados no setor privado (52 milhões). 

“O crescimento contínuo da população ocupada tem sido impulsionado pela expansão dos empregados, tanto no segmento formal como informal. Isso mostra que diversas atividades econômicas vêm registrando tendência de aumento de seus contingentes. Além disso, há um fator sazonal no crescimento do grupamento de atividades Administração pública, defesa, seguridade social, educação, saúde humana e serviços sociais”, explica Adriana Beringuy, coordenadora de pesquisas domiciliares do IBGE.

Segundo a pesquisa, a população desempregada  – formada por aqueles que não tinham trabalho e buscaram por uma ocupação no período de referência da pesquisa – também diminuiu nas duas comparações: -8,8% (menos 751 mil pessoas) no trimestre e -13,0% (menos 1,2 milhão de pessoas) no ano. 

Assim, esse contingente chegou a 7,8 milhões, o menor número de pessoas em busca de trabalho desde o trimestre encerrado em fevereiro de 2015.

Quanto à taxa de desocupação, foram detectados recuos tanto em relação ao trimestre encerrado em maio do ano passado — de 1,2 ponto percentual, quando a taxa foi de 8,3% — como diante do trimestre de dezembro a fevereiro de 2024, de 0,7 pp, quando o índice foi de 7,8%. 

Outro dado positivo trazido pela pesquisa diz respeito ao rendimento dos trabalhadores que, na média real das pessoas ocupadas no trimestre encerrado em abril foi de R$ 3.181, “sem variação significativa no trimestre e crescendo 5,6% na comparação anual”, assinala a pesquisa. 

Ainda segundo o IBGE, “com as altas do rendimento e da ocupação, a massa de rendimentos, que é a soma das remunerações de todos os trabalhadores do país, chegou a R$ 317,9 bilhões, novo recorde da série histórica, subindo 2,2% (mais R$ 6,8 bilhões) na comparação trimestral e 9,0% (mais R$ 26,1 bilhões) no ano”. 

De acordo com a pesquisadora, “a massa de rendimentos tem se mantido em patamares elevados devido aos recordes da população ocupada”.

Palavra de poeta: Adalberto Monteiro

Renascer

Adalberto Monteiro

 

O encanto fugiu, avoou e se acabou.

Não há o que fazer, nem mesmo ouvir um tango. 

No amor o desencanto
Equivale à morte. Ele expele,
Afasta, finda, sepulta, crema.
Com a mesma força que o encanto
Atrai, aproxima, entrelaça. 

Por ora não há nada a fazer
Senão ocupar-me da terrível tarefa
De retirar milhares de camadas de ti
Que se fixaram em mim.
De tanto dormires sobre o meu peito,
A máscara do teu rosto ficou moldada
Por sobre o meu coração. 

Quando, novamente, o infortúnio atravessar
Uma faca enferrujada na minha carne
Não terei as tuas mãos para saca-la
De minhas entranhas.
Quando for lua cheia
Não te terei ao lado,
Para aos berros anuncia-la a ti
Como se estivesse a anunciar a descoberta
De um astro novo. 

Inúteis as lágrimas. Dispensável pôr –me de joelhos.
Se alegre, se saltitante,
À tua frente, como um potro adolescente,
Deixei de te encantar,
Não seria com a espinha dobrada
E os olhos nevados de sal
Que eu faria o teu coração
Novamente bombear
Carinho por mim. 

Nada a fazer.
Exceto aprender, com a aurora
A renascer.

[Ilustração: Maurício Arraes]

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2021/05/arte-poesia-no-instagram.html

29 junho 2024

Minha opinião/seleção brasileira hoje

Torcedor à moda antiga 

Luciano Siqueira 

Leio agora a coluna de Tostão na Folha de São Paulo (aqui transcrita https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/brasil-na-copa-america.html) que a seleção jogou bem contra o Paraguai e agora se apresenta como um time bem definido e com chances reais de vencer a Copa América. 

Ótimo! 

Mas tem um senão: não vi nada disso. 

Não que discorde da avaliação do ex-craque da seleção de 1970.

Simplesmente não vi o jogo, embora tivesse me acomodado para tanto diante da TV. 

Bateu o sono. 

E olha que eu não estava assim tão cansado. É que, definitivamente, sou um torcedor à moda antiga. Do tempo em que a gente conhecia cada craque integrante do nosso selecionado e percebia em todos uma certa proximidade, pois jogavam em clubes brasileiros.

Antes da convocação da seleção havia até uma espécie de torcida por este ou aquele jogador, do nosso time de preferência ou não. 

Hoje, quando é anunciada a convocação uma parte dos escolhidos muitos de nós, antigos como eu e não necessariamente atentos aos jogos da Europa e de outros lugares por onde se espalham nossos craques, sequer sabe identificar todos os selecionados. 

A resultante é um certo distanciamento entre o torcedor e o escrete canarinho. 

Os jogos dá presente Copa América não são assim tão importantes a ponto de disputarem a plena atenção de um torcedor de antigamente, como eu.

Lamento. 

Gostaria hoje de repetir o que se dizia no século passado: vibro muito mais com a seleção do que com o meu clube do coração.

Hoje, no meu caso, nenhuma coisa nem outra. Embora continue adepto do antigamente chamado esporte betrão.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/02/futebol-brasileiro-impasses.html

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

Taxa de desemprego cai a 7,1% no trimestre até em maio, recorde em 10 anos, segundo o IBGE. Os críticos da mídia neoliberal dirão o quê do governo Lula sobre essa conquista?

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/08/mundo-do-trabalho-em-metamorfose.html


Luis Carlos Paes opina

Democratas e Republicanos: duas faces de uma mesma moeda
Luís Carlos Paes de Castro*


Acerca do debate de ontem, 27 de junho, entre Biden e Trump, candidatos de dois partidos muito parecidos. 
 
Divergem sobre aspectos de política econômica interna, políticas compensatórias mais ou menos ousadas e sobre a pauta comportamental e de costumes.
 
No fundamental, Democratas e Republicanos apoiam o modelo neoliberal, privilegiando o rentismo, reforçando a concentração de renda e a desigualdade social interna e no resto do planeta.
 
Ambos defendem o neocolonialismo e são contra a transição em curso para um mundo multipolar, fenômeno objetivo que contraria seus desejos de eternização do império americano dominando o mundo.
 
Defendem, com muita ênfase, a manutenção do dólar como moeda universal e se utilizam de seu poderio bélico para manter o status quo. Os EUA têm o maior orçamento militar entre todas as nações, muito à frente da segunda colocada, financiando suas 800 bases terrestres espalhadas por todos os continentes, suas seis frotas navais em todos os oceanos e seu poderoso arsenal nuclear.
 
É assim que defendem a civilização ocidental cristã, a paz e a democracia.
 
Ainda têm a cara de pau de propagar, através de seu monopólio midiatico, que perigosos são os povos que lutam pela sua soberania, pelo seu desenvolvimento autônomo, por mais justiça social e por relações mais equilibradas entre as diversas nações, respeitando suas características próprias, suas culturas nacionais, seus modelos de organização política, suas religiões ou ausência delas e assim por diante.
 
O que deve nos preocupar e nos mobilizar é que, em função do controle ideológico, na grande mídia e nas redes sociais, ainda tem gente, inclusive no campo democrático e progressista, que se deixa influenciar por este conto de fadas e se ilude com a falsa democracia de dois partidos gêmeos e suas políticas imperiais, responsáveis maiores pela crise econômica, social, cultural e ambiental neste século e, como subproduto, extremamente preocupante e perigoso, o ressurgimento do extremismo nazifascista.
 
*Analista aposentado do Banco Central do Brasil e presidente estadual do PCdoB-CE

Minha opinião/capitalismo x Natureza

Vilão quase oculto 

Luciano Siqueira 


O texto de Liszt Vieira que transcrevi aqui no blog https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/planeta-ameacado.html?m=1 é rico em dados de fontes seguras a propósito das consequências das mudanças climáticas sobre a vida no planeta, especialmente o aumento da temperatura global. 


É grave a informação de que  93% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum desastre climático, especialmente por tempestades, inundações, enxurradas ou alagamentos, nos últimos 10 anos. 


E que as perdas causadas pelas chuvas no país causaram prejuízos de R$ 55,5 bilhões entre 1º de outubro de 2017 e 17 de janeiro de 2022, segundo estudo da Confederação Nacional dos Municipios.

E, no conjunto do texto, são válidas as considerações feitas pelo autor. 

Mas, como quase sempre ocorre, as implicações do sistema de produção de bens e serviços não é abordada com toda a clareza como fonte principal da degradação da natureza. 


O sistema capitalista permanece como uma espécie de vilão oculto. 

E a "culpa" recai na má relação do homem com a natureza, uma forma evasiva de abordagem causas reais do problema. 

Mas é preciso ir a fundo na questão, tanto quanto inserir definitivamente e como uma espécie de cláusula pétrea a questão climática na agenda dos movimentos revolucionários e progressistas de todo o mundo.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/07/mudancas-climaticas-calor.html

Brasil na Copa América

Já temos um time
Vinicius Júnior fez a melhor partida pela seleção e agora temos boas chances de ganhar
Tostão/Folha de S. Paulo 

Já temos um time, uma nova maneira de jogar, um caminho, embora haja sempre necessidade de criar variações de acordo com o momento e o adversário.

No dia seguinte ao empate decepcionante por 0 a 0 contra a Costa Rica, Vinicius Junior, que foi substituído durante a partida, disse que teve dificuldades porque joga no Real Madrid de uma maneira diferente da seleção. Muitos não deram bola e/ou não entenderam e/ou não concordaram e/ou acharam que foi uma desculpa para a má atuação. 

Dorival Júnior, que sabe ver e escutar, mudou a maneira de jogar da equipe contra o Paraguai. Quando o time perdia a bola e não dava para pressionar, formava uma linha de quatro no meio campo com Savinho pela direita, Bruno Guimarães e João Gomes pelo centro e Paquetá pela esquerda. Os quatro marcavam, construíam as jogadas e avançavam.

A defesa ficou mais protegida e melhorou o ataque. Paquetá, que teve uma ótima atuação, em vez de atuar como um meia atacante próximo à área, como nos jogos anteriores, chegava de trás na área, como faz Bellingham no Real Madrid.

Vinicius Junior fez a melhor partida pela seleção, no nível das excepcionais quando atua no Real Madrid. A seleção, como faz o Real, atraia os paraguaios e quando recuperava a bola, aproveitava os enormes espaços na defesa adversária, como queria Vinicius Júnior.

Já temos um caminho, boas chances de ganhar das melhores seleções da Europa e da América do Sul. Serão jogos equilibrados, como o de terça-feira contra o bom time da Colômbia.

GESTÃO É FUNDAMENTAL

Depois da rodada do meio de semana do Brasileirão, Bahia e Cruzeiro são duas surpresas positivas. Quero ver ainda o Bahia jogar mais vezes para conhecer os detalhes da equipe.

O Cruzeiro, na vitória por 2 a 0 sobre o Athletico-PR adotou mais uma vez uma estratégia parecida com uma que, às vezes, o Real Madrid utiliza do meio para frente. O Cruzeiro jogou com um trio de meio-campistas, sem centroavante, dois pontas rápidos e com o brilhante Mateus Pereira adiantado pelo centro. Ele voltava para receber a bola e deixava espaços para os pontas entrarem em diagonal, como no primeiro gol marcado por Verón, após um belíssimo passe de primeira de Mateus Pereira.

No Real Madrid, algumas vezes, quem joga adiantado pelo centro é o meia Bellingham, que abre espaços para a entrada em diagonal de Vinicius Junior e Rodrygo. A outra maneira de jogar do Real, mais frequente, é com Bellingham mais recuado e com Vini e Rodrygo formando a dupla de atacantes, como fez a seleção contra o Paraguai. Nas duas formações, não há um centroavante fixo.

O Liverpool teve seu melhor momento sob o comando de Klopp quando o meia Firmino passou a jogar adiantado pelo centro. Ele recuava para receber a bola e os dois pontas, Salah e Mané entravam em diagonal para finalizar, como no gol do Cruzeiro marcado por Verón.

É um absurdo ocorrer ao mesmo tempo o Brasileirão, a Copa América e a Eurocopa. É jogo demais, não dá para acompanhar tudo e os principais times ficam desfalcados no Brasileirão de seus melhores jogadores. Esta insensatez acontece por causa da incompetência e da promiscuidade na troca de favores entre os dirigentes de clubes, das federações e da CBF.

As gestões no futebol e em todas as outras áreas precisam ser comandadas por profissionais sérios e competentes.

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

Seja qual for o motivo pelo qual dedicamos nossas atenções e energias num determinado instante, a paixão é indispensável. Concentra, inspira e entusiasma.

Leia https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/minha-opiniaocriticos-suspeitos.html


Minha opinião/o mar que nos ameaça

Aumento do nível do mar, a sério 
Luciano Siqueira 

Sob a influência do noticiário acerca das mudanças climáticas, muito se diz em conversas informais em torno de um cafezinho — verdades e meras suposições. 

No Recife, há até quem exagere e diga que a cidade se encontra abaixo do nível do mar! 

Entretanto, entre a divagação e a verdade há uma notícia publicada hoje no jornal O Globo que merece a nossa atenção. 

Trata-se de estudo do Climate Central, pesquisa que investiga sistematicamente os impactos das mudanças climáticas, que esima em 2 milhões a população brasileira que pode sofrer as consequências imediatas do aumento do nível do mar. 

Principalmente no Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador, Recife, São Luís, Aracaju, João Pessoa, Natal e Maceió. 

Além destas, em grau um pouco menos severo, Florianópolis, Porto Alegre e Vitória. 

Mais: Santos no litoral paulista, toda a extensão do litoral nordestino e municípios da divisa entre Amapá e Pará. 

Isto incluído numa abrangência maior, que envolve 100 cidades de 39 países. 

Cá com os meus modestos botões, parece haver um contraste perigoso entre a gravidade desses levantamentos cientificamente embasados e a dimensão das medidas preventivas que deveriam estar sendo adotadas.

Item obrigatório na agenda dos prefeitos, em entrosamento indispensável com governos estaduais e federal.

Antes que o pior aconteça.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2022/05/drama-urbano-estrutural.html

Planeta ameaçado

A crise climática e o colapso da civilização
A sobrevivência da humanidade vai exigir um novo modo de vida e de produção que garanta a sustentabilidade da vida humana em nosso planeta 
Liszt Vieira/Le Monde Diplomatique

tragédia climática, prevista pelos cientistas, já chegou, não é mais coisa do futuro, A Organização Meteorológica Mundial (OMM) ligada à ONU, alertou para a continuidade do aumento da temperatura global. “No final de maio, mais de 1,5 bilhão de pessoas – quase um quinto da população do planeta – suportaram pelo menos um dia em que o índice de calor superou 103 graus Fahrenheit, ou 39,4 graus Celsius, o limite que o Serviço Nacional de Meteorologia considera fatal”, informou oWashington Post. 

Muitos pesquisadores preveem que o mundo atingirá um aumento na temperatura de 3ºC até o final do século. Não há nenhum sinal de que realmente vamos ficar abaixo de 1,5ºC, a meta estabelecida pela Conferência de Paris de 2015, a COP 21. Centenas de especialistas do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), entrevistados pelo jornal britânicoThe Guardian, afirmaram que a temperatura chegará em + 2,5ºC ou + 3ºC e apenas 6% acreditam que a meta de 1,5ºC do Acordo de Paris será cumprida. 75% dos especialistas citam falta de vontade política e 60% culparam interesses econômicos como os da indústria de combustíveis fósseis.  

Alguns esforços importantes estão sendo feitos em alguns países, mas claramente insuficientes. Na França, por exemplo, o Conselho Superior para o Clima, órgão consultivo do governo francês, estima que o país poderá atingir as suas metas de redução das emissões de gases de efeito de estufa em 50% até 2030, desde que mantenha o ritmo atual. Mas serão necessários esforços ainda maiores, pois o Conselho considera que as políticas atuais, apesar dos “progressos significativos”, são “insuficientes” para alcançar a neutralidade de carbono em 2050 (Le Monde)

O climatologista brasileiro Carlos Nobre advertiu que, de acordo com o relatório da OMM, em 2023 a temperatura média global próxima da superfície ficou 1,45 °C acima da linha de base pré-industrial de 1850-1900. Dados do Copernicus (Serviço Europeu sobre Alterações Climáticas) apontam que maio de 2024 foi 1,58 °C mais quente do que a linha de base pré-industrial. Entre 1998 e 2017, as inundações afetaram mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo. Elas podem causar devastação generalizada, resultando na perda de vidas e em danos a bens pessoais e infraestruturas críticas de saúde pública, e, segundo a OMM, as inundações causam mais de US$ 40 bilhões em danos todos os anos em todo o mundo. 

No Brasil, segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM), 93% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum desastre climático, especialmente por tempestades, inundações, enxurradas ou alagamentos, nos últimos 10 anos. As perdas causadas pelas chuvas no Brasil já geraram prejuízos de R$ 55,5 bilhões entre 1º de outubro de 2017 e 17 de janeiro de 2022, segundo estudo da CNM.  

No período de 2013 a 2022, mais de 2,2 milhões de moradias foram danificadas em todo o país por causa desses eventos, afetando diretamente mais de 4,2 milhões de pessoas, que tiveram de deixar suas casas em 2.640 cidades do país. Segundo levantamento realizado pela Agência Pública (2023), das 27 capitais brasileiras, 17 não possuem plano de enfrentamento às mudanças climáticas.  

No primeiro semestre de 2024, o Pantanal e o Cerrado bateram recordes e registraram a maior quantidade de focos de incêndio desde 1988, quando o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) começou a monitorar queimadas no país. Na Amazônia, foram detectados 12.696 focos de queimadas entre 1º de janeiro e 23 de junho. A alta foi de 76% em comparação ao mesmo período no ano passado, depois de dois anos seguidos de baixas, em 2022 e 2023 (UOL, 24/6/2024)

Um relatório recente do Serviço Geológico do Brasil mostra que secas e cheias mais que dobraram de 2014 a 2023 em relação aos dez anos anteriores. O ano de 2023 foi o mais quente da história no Brasil e no mundo e parece que 2024 vai na mesma direção. Em maio de 2024, chuvas intensas afetaram a maior parte do Rio Grande do Sul e deflagraram o maior desastre climático na história do Brasil, com 172 mortos e bilhões de reais em perdas econômicas.  

Em 24/6/2024, foi lançada a Carta da Comunidade Científica Brasileira sobre a Necessidade de Ação Permanente do Poder Público diante da Crise Climática. De 1991 a 2023, houve mais de 5 mil mortes, 9 milhões de desabrigados e desalojados, e 1 milhão entre feridos e enfermos. De 1990 a 2022, as emissões por mudanças de uso da terra e queima de resíduos florestais somadas ao setor agropecuário totalizam mais de 74% das emissões brutas de gases de efeito estufa do Brasil, ou seja, 1.737 milhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono.  Mesmo assim, os setores econômicos continuam apostando no avanço e na abertura de novas fronteiras agrícolas. No Congresso, tramitam vários Projetos que enfraquecem ou anulam a legislação de proteção ambiental. 

A Carta mostra ainda que as mais vulnerabilizadas pelos eventos climáticos extremos são as populações negras, periféricas, pessoas em situação de rua, mulheres chefes de família, crianças, adolescentes, povos indígenas e comunidades tradicionais, por falta de acesso a direitos constitucionais básicos, como infraestrutura, saneamento, moradia, renda, saúde e educação. No mês de junho de 2024, o Brasil aparece repartido entre o Centro -Oeste queimando na seca e um Sul sob o impacto de tempestades violentas. Até meados do mês, o Pantanal acumulou 2.019 focos de incêndio, segundo a plataforma BDQueimadas, do INPE. Em igual período de 2023, foram 133 focos. 

Em 2023, ondas de calor afetaram Canadá, Índia, Europa e Japão com temperaturas recordes. O planeta aquecerá em 1,5 °C em todos os cenários de projeções: mesmo atingindo a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris de reduzir em quase 50% as emissões de GEE até 2030, alcançaremos 1,5 °C permanentemente por volta deste ano. O mundo está ficando para trás em metas de meio ambiente, saúde e fome, e está longe de atingir a maioria das metas de desenvolvimento sustentável fixadas em 2015, como o combate à pobreza e à fome, disse um relatório da ONU que cita, entre as causas, a falta de financiamento, as tensões geopolíticas e a pandemia da Covid-19.  

O Relatório da ONU analisa o desempenho de seus 193 Estados-membros na implementação de 17 objetivos de desenvolvimento sustentável abrangentes, que também incluem a melhoria do acesso à educação e à saúde, o fornecimento de energia limpa e a proteção da biodiversidade. O relatório constatou que nenhum dos 17 objetivos está em vias de ser cumprido até 2030, com a maioria das metas mostrando progresso limitado ou uma reversão do progresso. O relatório identificou o combate à fome, a criação de cidades sustentáveis e a proteção da biodiversidade na terra e na água como áreas específicas de fraqueza. Segundo o IPCC, moradores de periferias morrem 15 vezes mais por eventos climáticos extremos e o número de pessoas expostas a secas e enchentes em cidades deve dobrar até 2030.  

O Governo Brasileiro já anunciou a intenção de se tornar um país com liderança mundial no que diz respeito à crise climática. Mas, ao que tudo indica, vai chegar com dificuldades na Conferência Internacional do Clima COP 30 que vai sediar em Belém em 2025. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) não tem poder para enfrentar o Ministério da Agricultura, que apoia o desmatamento para expandir o agronegócio, e o Ministério de Minas e Energia, que apoia a exploração de petróleo na Margem Equatorial do Amazonas. 

Nos últimos 10 anos, a receita da União dobrou, enquanto a verba para a área ambiental foi reduzida pela metade. Um orçamento tão baixo, menos que 0,1%, do orçamento total, mostra o desprezo dos diversos governos pela proteção do meio ambiente e de nossas riquezas naturais. Com a verba estrangulada, o MMA não pode atender às justas reivindicações dos servidores do Ibama e do ICMBio, em greve que já dura mais de 5 meses.  

O Brasil já sofre a violência de eventos climáticos extremos. Seca na Amazônia e Centro Oeste, incêndios no Pantanal, inundações catastróficas no Sul, ondas de calor, desmoronamentos e enchentes nas periferias das metrópoles, mortos e desalojados engrossando a onda de refugiados do clima que vem aumentando a cada ano. Apesar disso, os interesses econômicos e políticos ligados ao agronegócio predador – agricultura, pecuária, mineração, garimpo etc. – e à exploração de combustíveis fósseis continua prevalecendo sobre a política de proteção ambiental. 

O mundo vai enfrentar desastres cada vez maiores com a temperatura ultrapassando 1,5º C. A política de transição energética, mais cedo ou mais tarde, vai predominar nas próximas décadas, sob pena de a vida, humana e animal, ficar ameaçada no planeta. Será preciso um esforço gigantesco para promover uma transição civilizatória, para longe dos combustíveis fósseis. Para isso, será necessário que a população se torne consciente sobre riscos climáticos e disposta a pressionar pela tomada de ações eficazes, o que vai exigir coragem por parte dos tomadores de decisão, no setor público e privado.  

A maior pesquisa de opinião pública independente sobre a mudança climática, People Climate Vote (Voto Popular pelo Clima) 2024, revela que 80% das pessoas (ou quatro de cinco pessoas) em todo o mundo querem que seus governos tomem medidas mais enérgicas para fazer frente à crise climática. Mais ainda, 86% querem que seus países deixem de lado as diferenças geopolíticas e trabalhem juntos face à mudança climática. 

Mais de 73 mil pessoas de 77 países e que falam 87 línguas diferentes foram entrevistadas com 15 perguntas sobre mudanças climáticas para o estudo de opinião promovido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e realizado pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, e pela GeoPoll. Os 77 países pesquisados ​​representam 87% da população mundial. Além do amplo apelo a uma ação climática mais ousada, a pesquisa mostra o apoio de uma maioria de 72% em todo o mundo a favor de uma rápida transição para o abandono dos combustíveis fósseis. 

Por mais importante que seja, a transição energética, por si só, não será suficiente para enfrentar a crise climática e suas desastrosas consequências. A sobrevivência da humanidade vai exigir um novo modo de vida e de produção que garanta a sustentabilidade da vida humana em nosso planeta. A alternativa é a possível destruição da vida no planeta, que já conheceu diversas extinções de espécies. Estamos caminhando para mais uma. Os indícios do colapso da nossa civilização já são visíveis no horizonte. E se houver, como pensam alguns, uma nova guerra mundial, desta vez com armas nucleares, esse processo vai ser acelerado. 

Liszt Vieira é integrante da Coordenação Política e Conselho Editorial do Fórum 21 e do Conselho Consultivo da Associação Alternativa Terrazul. Foi Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. 

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

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Bolívia: por que o golpe fracassou

Bolívia: anatomia de um golpe fracassado
Quartelada do general Zúñiga foi debelada pela firmeza do presidente, mobilização popular e isolamento internacional. Memória do governo Áñez debilita oposição. Mas fraturas entre Arce e Evo Morales, em meio a crise cambial, podem ser trágicas
Pablo Stefanoni, em Nueva Sociedad | Tradução: Antonio Martins/Outras Palavras

Os tanques da Plaza Murillo acabaram sendo uma espécie de farsa que poderia ter levado à tragédia, num clima político cada vez mais deteriorado pelas disputas dentro do Movimento ao Socialismo (MAS) boliviano, hoje fraturado em duas alas: evistas e arcistas. Na tarde de quarta-feira, 26 de junho, o comandante geral do Exército, Juan José Zúñiga – que havia sido demitido na noite de terça-feira mas se recusou a reconhecer a decisão presidencial – ocupou aquela emblemática praça com tanques. Chegou a usar um deles para abrir à força a porta do Palácio Quemado, antiga sede do governo hoje compartilhada com a vizinha Casa Grande del Pueblo. A confusão sobre as intenções e estratégias em jogo reinou durante quase todo o motim, enquanto vários ministros arrastavam móveis para impedir a entrada dos soldados.

A tensão aumentou há dias, depois que o general Zúñiga se referiu à impossibilidade do ex-presidente Evo Morales de concorrer novamente nas eleições presidenciais e respondeu a várias de suas acusações chamando-o de “mitomaníaco”. Em entrevista ao programa local No Mentirás, em 24 de junho, o chefe militar disse que “legalmente Evo Morales está desqualificado. A CPE [Constituição Política do Estado] diz que não pode haver mais de duas gestões, e o homem foi reeleito. O Exército e as Forças Armadas têm a missão de zelar pelo respeito e cumprimento do CPE. Esse homem não pode ser presidente deste país novamente.” 

Zúñiga referia-se a uma decisão controversa do Tribunal Constitucional Plurinacional (TCP) que, ao resolver outra questão, incluiu na sentença uma interpretação forçada da Constituição de 2009, que deixaria o três vezes presidente fora da corrida presidencial. A Constituição afirma que só são possíveis dois mandatos consecutivos, mas o tribunal “interpretou” que são dois no total – consecutivos ou não -, o que foi apresentado por Morales como uma tentativa de proscrição política por parte da “direita endógena”, no quadro do que chamou de “plano negro” para retirá-lo do jogo político, orquestrado, segundo ele, pelos ministros da Justiça, Iván Lima, e do Governo, Eduardo del Castillo.  

As declarações ameaçadoras de Zúñiga, nomeado comandante do Exército no final de 2022 pelo presidente Luis Arce Catacora, irritaram o ex-presidente e o evismo, que começou a falar em um “autogolpe” em construção. “O tipo de ameaças feitas pelo Comandante Geral do Exército, Juan José Zúñiga, nunca ocorreu em democracia. Se não forem desmentidos pelo comandante-em-chefe das Forças Armadas [Luis Arce], ficará provado que o que realmente estão organizando é um autogolpe”, denunciou Morales em sua conta X , onde critica diariamente o governo Arce, que trata como um traidor do chamado “processo de mudança”. 

Mas alvo de Zúñiga não era apenas o ex-presidente. As ameaças do general violaram os regulamentos militares e a Constituição, o que explica a decisão de Arce de demiti-lo. Isso foi considerado pelo chefe militar como uma expressão de “desprezo”, apesar da sua lealdade ao presidente. Na quarta-feira, 26 de junho, segundo o jornal El Deber, Zúñiga foi intimado para ser formalmente substituído, mas chegou à Plaza Murillo com veículos blindados e soldados encapuzados. E o país assistiu a um general admoestado cara a cara por Arce após entrar à força no Palácio Quemado, enquanto os colaboradores do presidente gritavam “conspiradores”, “golpistas” e exigiam que retirasse os homens uniformizados.

O isolamento de Zúñiga, sem apoio político ou social, possivelmente explica a sua tentativa de dar conteúdo político à sua rebelião: ele disse que iria libertar “presos políticos” como a ex-presidente Jeanine Áñez e o ex-governador de Santa Cruz, Fernando Camacho, e “restaurar a democracia”. “Uma elite tomou conta do país, vândalos que destruíram o país”, discursou às portas do seu veículo blindado, em frente ao Palácio Quemado e ao Parlamento. Seu argumento de que “as Forças Armadas pretendem reestruturar a democracia, [para que] seja uma verdadeira democracia, e não de proprietários que já estão no poder há 30 e 40 anos” caiu em ouvidos surdos. A reação interna e externa foi esmagadora. Até mesmo opositores atualmente presos, como  Áñez e Camacho, condenaram a ação militar. Fizeram-no também os ex-presidentes Carlos D. Mesa e Jorge “Tuto” Quiroga . Fora do país, líderes de diversas vertentes ideológicas – exceto o argentino Javier Milei, que deixou o assunto nas mãos do seu chanceler – apelaram à defesa das instituições e condenaram os rebeldes.

Enquanto isso, organizações populares como a Central Única dos Trabalhadores Camponeses da Bolívia (CSUTCB) ou a Central Obrera Boliviana (COB), bem como Evo Morales, que continua a ser o líder dos sindicatos de cocaleiros do Chapare, em Cochabamba, convocaram uma greve geral, bloqueios de estradas e uma grande marcha em direção a La Paz. 

Arce, por sua vez, fez um breve discurso, pedindo também a mobilização, em meio aos confrontos na Plaza Murillo, de onde os manifestantes eram expulsos com gás lacrimogêneo. E preparou-se para nomear um novo comando militar nas três forças.

Sem rebelião nos quartéis militares ou policiais, o fôlego de Zúñiga para manter o levante e conseguir sustentar sua posição pela força estava se esgotando. Envolvido em pelo menos um caso de desvio de recursos – o pagamento do bônus Juancito Pinto, em mãos de militares – durante o governo de Evo Morales, e sem grande atuação na carreira, esse militar já foi considerado muito próximo de Arce e parece ter reagido impulsivamente. A retirada final da Plaza Murillo pareceu uma debandada, com manifestantes perseguindo soldados dispersos.

Depois de ser preso, junto com o vice-almirante Juan Arnez, ex-comandante da Marinha, Zúñiga disse ter agido por ordem do presidente : “O presidente [Arce] me disse ‘a situação está muito complicada, é preciso se preparar algo para aumentar minha popularidade.'”. Isso deixou uma granada ativa pelos próximos dias. A ideia de um autogolpe stricto sensu parece desmentida pelo próprio fio dos acontecimentos, que parecem descarrilados no quadro de uma forte erosão da institucionalidade e do partido no poder, produtos em grande parte do confronto interno ao MAS. 

Após o regresso do partido ao poder em dezembro de 2020 pelas mãos de Luis Arce – o candidato escolhido por Morales no seu exílio na Argentina – as relações entre o ex-presidente e o atual (que foi seu ministro da Economia durante mais de uma década) deterioraram-se rapidamente e terminaram numa disputa aberta pelo poder. Arce, que aparentemente havia prometido não concorrer à reeleição em 2025, decidiu mais tarde que buscaria um segundo mandato; e Evo Morales, que tentou uma reeleição após outra sem prestar atenção à letra e ao espírito da nova Carta Magna, considera que foi destituído por um golpe de Estado em 2019 e que tem o direito de concorrer novamente. Esta disputa paralisou o Legislativo, num contexto econômico que hoje pouco tem a ver com os anos do boom econômico pré-2019.

A escassez de dólares e de combustível revela um esgotamento do modelo aplicado desde 2006, quando Evo Morales foi eleito o primeiro presidente indígena da Bolívia e, em meio a uma espetacular épica política, deu início à “Revolução Democrática e Cultural” que no plano econômico, desencadeou um “populismo prudente” que procurou não ampliar o déficit fiscal e acumulou reservas cambiais recordes no Banco Central. 

O próprio Arce reconheceu recentemente que a situação do diesel era “patética” e ordenou a militarização do sistema de abastecimento de combustível, com o objetivo de impedir o contrabando do diesel, subsidiado pelo Estado boliviano, para os países vizinhos. A crise econômica afeta especialmente Arce, que, sem grande carisma, construiu a sua legitimidade como ministro do “milagre econômico”. No nível político, uma pinça entre os Poderes Executivo e Judiciário enfraqueceu o Legislativo, cuja maioria também se divide em arcistas e evistas, e cada lado acusa o outro de “fazer o jogo da direita”. Tamb ém foram alargados os mandatos das autoridades judiciais, o que é diariamente denunciado pelas evistas.

O presidente do Senado, Andrónico Rodríguez, sindicalista cocaleiro formado por Evo Morales como uma espécie de sucessor, tuitou após a retirada dos militares : «De magistrados autoprorrogados a um suposto golpe ou autogolpe, o povo boliviano está afundando em incerteza. Esta desordem institucional, onde as autoridades estendem ilegalmente os seus mandatos e os princípios democráticos são minados, está levando o país a uma situação de caos e desconfiança, agravando a crise e ameaçando a estabilidade e o bem-estar”. As cotoveladas tendem a continuar. Parece distante uma trégua no espaço do MAS.

Parte da disputa gira em torno da sigla Movimento ao Socialismo (MAS), partido dos movimentos sociais que mostrou, em 2020, sua capacidade de mobilização eleitoral mesmo em contextos difíceis como o que viveu no governo Jeanine Áñez. Os congressos das duas alas do partido foram judicializados. O centro da disputa são as eleições de 2025, ano do bicentenário da independência boliviana. 

A fragilidade da oposição, que esteve associada ao governo autoritário, ineficiente e corrupto de Jeanine e que tem grande dificuldade em encontrar novas lideranças, alimenta a “ch’ampa guerra” entre evistas e arcistas, que pensam no poder como um disputa interna. Mas no meio da volatilidade eleitoral regional e global, esta visão acarreta um risco, mesmo se considerarmos que a base eleitoral em torno do MAS continua forte e que a experiência de Áñez funciona como uma “dose de memória” para os movimentos sociais e indígenas. 

Ainda é muito cedo para saber como o golpe fracassado irá impactar as relações de poder dentro do espaço do MAS (que hoje já não existe como um partido unificado). Depois de vencer o desafio do grupo militar rebelde, Arce enfrenta agora o fogo cruzado político de evistas e opositores, que já começaram a falar em um “show político” para tentar desvalorizar o capital político que o presidente obteve através do apoio nacional e internacional às instituições e à democracia, e à sua presença de espírito, de repreender cara a cara o general golpista.

Foto: O presidente Luís Arce confraterniza com uma multidão reunida diante do palácio de governo, após rechaçar tentativa de golpe (Imagem: Presidência da Bolívia)

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