19 setembro 2024

Palavra de poeta: Oswald Barroso

ESTRADA DE FERRO 

Oswald Barroso

A Jô Abreu 

Quando um banco de trem 
nos juntou na mesma estrada de ferro, não era esse caminho 
que tu havias escolhido. 
 
Pelo menos, não o ferro desse caminho, 
Embora a locomotiva nos levasse 
ao coração da Terra e do povo. 
 
Não, não foi esse cano de ferro 
que naquele momento tu escolheste. 
 
Foi o sonho de todas as namoradas, 
a felicidade de nossos corpos entrelaçados, 
a festa que nos aguardava 
no final dos trilhos.
 
Foi a paisagem livre do campo, 
a alegre aventura dos nossos pés descalços pisando o chão quente do Nordeste, 
lado a lado com a gente simples do Interior.
 
Foi a flor sem espinhos que escolheste, 
não a rosa, mas o trevo 
do bem me quer mal me quer.
 
Quando sentaste naquele banco de trem, 
tu não sabias, mas teus passos te levariam
a um caminho maior do que aquela estrada. 
Também de ferro feito esse caminho.
 

[Ilustração: Misés Kisling]


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18 setembro 2024

Minha opinião: escolha

Entre lembrar e fazer 
Luciano Siqueira 

Matéria extensa (não a li até o fim por falta de tempo) no site da BBC sugere métodos de treinamento para que o nosso cérebro possa lembrar números datas e outras informações. 

Distingue pessoas dotadas de memória competitiva, ou seja, capazes de lembrar quantidade imensa de informações, acima do comum.

A essa altura da vida, sinceramente, entre adotar artifícios para me lembrar de mais coisas, particularmente de números, e ainda desenvolver a capacidade de realizar no tempo presente, prefiro a segunda alternativa. 

Não que me sinta exaurido em meu ânimo cotidiano. Mas aqui e acolá dá para perceber que na sétima década de vida as energias não são as mesmas, pelo menos físicas. 

Então, mesmo sem um pingo de ansiedade, vejo-me na contingência de provar para mim mesmo que continuo capaz de realizar muito. 

E me satisfaz bastante manter a agenda intensa, inspirado no poeta Vinícius, que certa vez proclamou: "ando onde há espaço/- meu tempo é quando".

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Enio Lins opina

Quando uma cadeirada quer dizer muita coisa
Enio Lins 

Reinaldo Azevedo, hoje nosso principal colunista nacional, destacou a impropriedade, e riscos, dos debates eleitorais realizados com normas que não só permitem, mas estimulam as práticas de provocação e agressão entre as candidaturas. Verdade também é o interesse da assistência pelo confronto pessoal, apesar das declarações em contrário. E quem organiza o pugilato anuncia “regras rigorosas” para evitar excessos. Mas o traçado avança privilegiando o engalfinhamento, numa sequência clássica de “pergunta, resposta, réplica, tréplica, e seja o que Deus quiser”. Nesse ritmo de “luta na lama”, a cadeirada na contenda da TV Cultura, finalmente, produziu um êxtase que tem ocupado febrilmente todo noticiário por dias a fio. Isso quer dizer algo.

DEBATE NÃO É BATE-BOCA

Em guerra permanente por audiência, as emissoras não arredarão pé das chances de transmitir ao vivo, e de obter incontáveis retransmissões, um insulto mais pesado, um tapa, ou uma nova cadeirada. Dificilmente mudarão essas regras, pois a estupidez vende. Daí a importância de se cobrar, em crescente veemência, a definição de mudanças capazes de proporcionar um debate político de nível cidadão, centrado em propostas e análises. A jornalista Cristina Serra cutucou a ferida: “No fundo, estão todos satisfeitos. Políticos, comentaristas que precisam de assunto pra falar 24 horas seguidas, as TVs e sites que saem do anonimato de suas existências medíocres nessa época, e, claro, o esgoto digital que precisa sempre e cada vez mais de matéria podre pra alimentar as feras. O que vemos nessa campanha em São Paulo é a vitimização do  grotesco’ elevada à enésima potência, conceito há muito estudado, mas agora radicalizado pela extrema direita, oferecido pela mídia como espetáculo e avidamente consumido mesmo por aqueles que o criticam”.

PROVOCAÇÃO-VITIMIZAÇÃO

Vitimizar-se é um dos objetivos dessa política de provocação continuada. E, na primeira chance, o machismo brutalizado cede lugar ao coitadismo delicado em fração de segundos. Nessa toada, antes, aquele “militar treinado para matar”, mostrou-se incapaz de se defender de uma faca de cozinha, mesmo protegido por dezenas de áulicos (todos armados e treinados para mamar), e cenografa caras e bocas até hoje, depois de seis anos que a “facada milagrosa” o catapultou para a presidência da República. Antes da cadeirada recebida, ao vivo, no debate da TV Cultura, o elemento cadeirado se esmerou em todos os debates anteriores em agressões verbais diretas, desrespeitosas, sem economizar baixarias, mentiras, calúnias e difamações contra seus adversários. Quando, enfim, conseguiu tirar um deles do sério, e levou (de raspão) uma lapada, passou ao mimimi radical, posando a inalar oxigênio e deixando-se fotografar numa cama de hospital, “feridíssimo”, apesar da pulseira verdinha indicar atendimento sem urgência. E, diziam seus assessores, teria fraturado uma (ou mais de uma) costela; e, segundo as imagens disponíveis, mesmo “ferido” continuou a trocar insultos, sem demonstrar quaisquer incômodos físicos. E, enquanto isso, nos Estados Unidos, Trump trombeteava que poderia ter sido vítima de um segundo atentado, coitado... É o marketing da vitimização dos brutos especializados em baixarias e arroubos. Deu resultado, no Brasil, em 2018, na mídia e no voto, mas – pelo menos em São Paulo – o pífio resultado da cadeirada 2024, rendendo nada para a campanha do agente provocador vitimizado, diz que esta fórmula de sucesso midiático está em declínio eleitoral. Aguardemos os próximos capítulos.

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A direita nas redes e nas rinhas

Cadeiradas, algoritmos e um jornalismo que precisa aprender a lidar com extremistas
De Bolsonaro para cá, a normalização do absurdo tem ganhado tons dramáticos pela aceitação dos seus discursos, especialmente nas redes.
Álisson Coelho/Jornal GGN 

É daquelas ironias próprias do roteirista nonsense que conduz a narrativa Brasil.

O candidato-apresentador, que sempre faturou com a violência, sepultou a sua lamentável participação em uma eleição tornando-se ele próprio protagonista de um episódio violento. Uma cadeira que entra para a história de São Paulo. O roteirista, por certo, é adepto da coesão textual, trazendo de volta esse objeto em uma eleição à prefeitura da maior cidade do país. 

A última vez em que uma cadeira foi protagonista durante a disputa pelo posto de prefeito da capital paulista foi quando Fernando Henrique Cardoso sentou-se na cadeira do prefeito da cidade para posar para a imprensa às vésperas da eleição de 1985 – e que depois foi desinfetada por Jânio Quadros, ganhador do pleito. Agora, outra cadeira foi usada por José Luiz Datena para fins menos ortodoxos. Uma cadeirada. Datena deu uma cadeirada no candidato-coach, Pablo Marçal.

Nem precisa pedir para colocar na tela. Eu vi, você viu, não importa de onde esteja me lendo.

Circulou em todas as telas, dos televisores aos smartphones. Na hipótese remota de que alguém ainda não soubesse quem é o trambiqueiro que aparece entre os líderes na corrida para a prefeitura de uma das maiores cidades do mundo, São Paulo, esse desconhecimento acabou. Pablo Marçal, um especialista em vender cursos para gente que procura dinheiro fácil na internet, é um nome nacionalmente ainda mais conhecido desde a noite do último domingo (15).

O gesto violento do apresentador, que sempre colocou a violência dentro da casa dos brasileiros, é apenas um capítulo tosco desse drama pastelão de orçamento superfaturado que se tornou a política brasileira.

Extremismos normalizados 

Ainda nas eleições presidenciais de 2018, diversos pesquisadores apontaram o absurdo do fato de a imprensa brasileira não chamar Jair Bolsonaro de candidato de extrema-direita. Isso já era comum em veículos internacionais. Por aqui, a Secretaria de Redação da Folha chegou a distribuir um comunicado interno naquela eleição orientando seus repórteres a não identificar um extremista como, veja bem, um candidato extremista. 

A normalização do absurdo nunca foi exatamente uma novidade. A votação do impeachment de Dilma Rousseff já havia sido um desses momentos completamente catárticos para os lunáticos que elegemos para o congresso. A história mostra outros. 

De Bolsonaro para cá, a normalização do absurdo tem ganhado tons dramáticos pela grande aceitação dos seus discursos, especialmente nas redes. O que eram câmaras de ecos em redes de cidadãos indignados com as poucas conquistas de minorias nas últimas décadas, se transformou na ideologia dominante para um percentual ainda não totalmente calculado da população. As estimativas circulam entre 12% e 25%.

A tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 foi apenas um ensaio para o que ainda podemos ter de enfrentar. Desde então, o jornalismo passou a se preocupar mais com dar nomes aos bois, no caso, aos extremistas. Ainda assim é pouco. Já não basta nomeá-los, é preciso entender como tratá-los em entrevistas, debates, e outros espaços de grande visibilidade.

Diferentes sociólogos têm apontado como tarefa histórica da esquerda desse tempo fazer aquilo que ela sempre refutou: defender as instituições da democracia burguesa. Como a esquerda bem sabe, manter tudo o que está aí, com as suas enormes contradições, não gera lá muito engajamento. Não gerava em tempos analógicos, gera ainda menos em uma sociedade em franco processo de plataformização de suas práticas. 

Entre cortes e reacts

Na sociedade dos cortes, a radicalização gera os melhores reacts. A última atualização do sistema de recomendação do Instagram mostra bem essa realidade. Se antes a plataforma premiava com maior atenção o usuário que conseguia bons números de curtidas e, principalmente, comentários, agora a lógica é completamente voltada ao compartilhamento. Ou seja, para qualquer criador de conteúdo, o trabalho agora é produzir vídeos com alta capacidade de compartilhamento.

Para grupos extremistas esse é um funcionamento ainda mais interessante. Seus cortes irônicos, frases de efeito e provocações circulam com facilidade até mesmo entre aqueles que os abominam. Uma bola que não é de neve, é de lodo mesmo. Marçal usa esse sistema com maestria. Em um tempo em que todos sonham em ser rentistas, ele cresceu ensinando “técnicas” para que uma população imersa em uma realidade de trabalho precarizado visse nele uma resposta para mudar de vida.

Ao ódio às minorias, messianismo e ressentimento contra políticas que reduzem a desigualdade, característicos do bolsonarismo, Pablo acrescenta o culto ao empreendedor e o empreendedorismo de palco, que também já faziam sucesso por aqui. Uma combinação que já preocupa, até mesmo, vejam só, o clã Bolsonaro e os políticos que lutam pelo seu espólio.

Nas entrevistas que deu, raras foram as vezes em que Marçal de fato se viu em apuros. Isso se deve ao fato de que ele não opera em um nível racional. O coach não se importa em ser pego em contradição. Também não está preocupado em parecer razoável. Pelo contrário. A aposta é no absurdo. Depois de uma década entrevistando a família Bolsonaro, o jornalismo ainda não estava pronto para isso. 

Os debates em TV aberta têm sido um picadeiro ainda mais divertido para Marçal. Ele já insinuou que um candidato era usuário de cocaína, que outro seria um estuprador e em entrevista disse que uma candidata teria responsabilidade em um suicídio ocorrido na família. Ofensas graves, premiadas com mais audiência nas redes e convites para entrevistas e debates. 

Marçal transformou as eleições de São Paulo em um teatro de absurdos e já é benchmarking para candidatos por todo o país. A lógica é simples: provocar ao extremo os adversários e gravar as reações para uso em rede. Não existem propostas, negociações políticas ou tentativa racional de ganhar o eleitor. Apenas visibilidade. 

Como tolerar os intolerantes já era um enorme desafio nos tempos atuais. Quando se trata de um intolerante que ignora completamente qualquer civilidade, racionalidade ou códigos básicos da política, isso se torna ainda mais complexo. Entender como operar nesses casos é o desafio histórico do jornalismo hoje. A depender dos rumos da democracia, pode ser o último.

Álisson Coelho, pesquisador associado do objETHOS

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/09/minha-opiniao-tatica-do-odio.html 

EUA contra os povos

Guerra econômica mundial: EUA têm sanções contra um terço de todos os países, 60% de nações pobres
Esta guerra econômica matou milhões no Sul Global. Agora está fragmentando o sistema financeiro
Ben Norton/site da AEPET 

Washington está conduzindo uma guerra econômica mundial.

O governo dos EUA impôs sanções a um terço de todos os países da Terra, incluindo mais de 60% das nações pobres, segundo um relatório abrangente do Washington Post.

Os Estados Unidos tinham 15.373 sanções ativas em abril de 2024.

Nenhum outro país chega nem remotamente perto do número de sanções aplicadas pelos EUA. Em segundo lugar está a Suíça, com 5.062 sanções; seguida pela União Europeia com 4.808; o Reino Unido com 4.360; o Canadá com 4.292; e a Austrália com 3.023.

As Nações Unidas tinham apenas 875 sanções ativas em abril de 2024.

Para que as sanções sejam legais segundo o direito internacional, elas devem ser aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU. Isso significa que a vasta maioria das sanções impostas pelos Estados Unidos e seus aliados ocidentais é ilegal.

Sanções sem aprovação da ONU são conhecidas como "medidas coercitivas unilaterais", e resoluções da Assembleia Geral da ONU as têm rotineiramente denunciado como criminais.

Em seu relatório, o Washington Post reconheceu que as sanções ilegais dos EUA devastaram as economias de países relativamente pequenos como Venezuela, Cuba, Síria e Iraque.

Segundo o jornal, as sanções dos EUA contra a Venezuela "contribuíram para uma contração econômica aproximadamente três vezes maior do que a causada pela Grande Depressão nos Estados Unidos", e tiveram o efeito de "exacerbar um dos piores colapsos econômicos em tempos de paz na história moderna".

Um memorando desclassificado do Departamento de Estado de 1960 expõe as intenções sádicas da política de sanções dos EUA.

O documento abordou a popularidade do novo governo esquerdista de Fidel Castro em Cuba, após uma revolução contra um ditador de direita apoiado pelos EUA em 1959. Concluiu, a contragosto, que a "maioria dos cubanos apoia Castro".

"O único meio previsível de alienar o apoio interno é através do desencanto e desafeição baseados na insatisfação e dificuldades econômicas", afirmou o memorando.

Altos funcionários do Departamento de Estado dos EUA escreveram que (ênfase adicionada):

"todos os meios possíveis devem ser tomados imediatamente para enfraquecer a vida econômica de Cuba. Se tal política for adotada, deve ser o resultado de uma decisão positiva que chamaria a uma linha de ação que, embora o mais astuta e discreta possível, faça os maiores avanços em negar dinheiro e suprimentos a Cuba, diminuir os salários monetários e reais, provocar fome, desespero e derrubada do governo."

Um ex-oficial dos EUA que conduziu operações de mudança de regime para tentar derrubar o governo de Cuba admitiu ao Washington Post em seu relatório de 2024 que o "abuso desse sistema é ridículo", descrevendo o esquema de guerra econômica dos EUA como um "sistema implacável, interminável, você-deve-sancionar-todos-e-seus-parentes, às vezes literalmente".

Alguns oficiais do governo dos EUA sadiamente zombam dos países que estão tentando esmagar com sanções.

O Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA é o órgão que supervisiona as sanções. O ex-diretor da OFAC, Adam Szubin, reescreveu a letra da música de sucesso “Every Little Thing She Does Is Magic” da banda The Police e em vez disso cantou “Every Little Thing We Do Is Sanctions” em uma festa de fim de ano em 2011, segundo o Washington Post.

Durante a tentativa de golpe da administração Donald Trump na Venezuela em 2019, um alto funcionário dos EUA comparou orgulhosamente as sanções sufocantes de Washington ao aperto mortal do vilão Darth Vader, de Star Wars.

Os economistas Mark Weisbrot e Jeffrey Sachs publicaram um artigo de pesquisa que estimava que as sanções ilegais dos EUA causaram a morte de mais de 40.000 venezuelanos de 2017 a 2018. Esse foi um número conservador.

O especialista em direitos humanos Alfred de Zayas, que anteriormente ocupava o cargo de especialista independente da ONU sobre a promoção de uma ordem internacional democrática e equitativa, estimou em 2020 que mais de 100.000 venezuelanos morreram devido às sanções dos EUA.

Sanções lideradas pelos EUA contra o Iraque na década de 1990 causaram centenas de milhares de mortes. Um ex-secretário-geral adjunto da ONU, Denis Halliday, que havia servido como coordenador humanitário das Nações Unidas no Iraque, renunciou ao seu cargo em protesto em 1998, chamando as sanções ocidentais de "genocidas".

Halliday estimou em 1999 que as sanções haviam causado a morte de entre 1 milhão e 1,5 milhão de iraquianos. Ele alertou que os governos ocidentais estavam "mantendo um programa de sanções econômicas deliberadamente, sabendo que estavam matando milhares de iraquianos a cada mês. E essa definição se encaixa em genocídio".

Halliday fez comentários semelhantes em uma entrevista de 2021, afirmando, "Matamos pessoas com sanções. Sanções não são um substituto para a guerra—são uma forma de guerra".

Nada disso foi uma surpresa em Washington. Os oficiais do governo dos EUA sabiam na década de 1990 que suas sanções estavam matando enormes números de civis iraquianos.

Em uma entrevista no programa 60 Minutes da CBS em 1996, a jornalista Leslie Stahl disse à Secretária de Estado Madeleine Albright sobre relatos de que "meia milhão de crianças morreram" no Iraque.

Stahl perguntou: "o preço vale a pena?". Albright prontamente justificou o assassinato em massa, insistindo: "achamos que o preço vale a pena".

Em 2022, o principal especialista da ONU em sanções afirmou que as medidas coercitivas unilaterais que o Ocidente impôs a países como a Síria são “indignas”, alertando que elas estão “sufocando” milhões de civis e “podem constituir crimes contra a humanidade”.

Um grupo de especialistas da ONU enviou uma carta ao governo dos EUA em 2022 solicitando que removesse suas sanções ilegais contra o Irã. Os especialistas em direitos humanos disseram que essas medidas coercitivas unilaterais têm um “impacto negativo” sobre “o gozo do direito a um ambiente limpo, saudável e sustentável na República Islâmica do Irã e sobre o direito à saúde e o direito à vida”.

O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, visitou a Venezuela em 2023 e criticou as sanções que os EUA e a Europa impuseram ilegalmente à nação sul-americana. O líder dos direitos humanos da ONU disse que essas medidas coercitivas unilaterais devem ser levantadas, alertando que elas “exacerbaram a crise econômica e prejudicaram os direitos humanos”.

Em novembro de 2023, a vasta maioria dos países na Terra votou na Assembleia Geral da ONU para condenar as medidas coercitivas unilaterais por violar os direitos humanos. Com 128 a favor e 54 contra, a votação foi claramente dividida: as nações anteriormente colonizadas do Sul Global se opuseram às sanções, enquanto os colonizadores do Ocidente as defenderam.

Os votos foram muito semelhantes no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Em abril de 2024, os países do Sul Global votaram para denunciar o “impacto negativo das medidas coercitivas unilaterais sobre o gozo dos direitos humanos”, enquanto o Ocidente mais uma vez defendeu o uso de sanções ilegais.

Embora as sanções ocidentais tenham causado danos econômicos graves e sofrimento humano extremo em países relativamente pequenos, elas podem ter atingido seu limite.

Países grandes como China e Rússia provaram ser "grandes demais para serem sancionados". As sanções ocidentais não conseguiram esmagar suas economias e, em vez disso, atuaram como formas inversas de protecionismo, incentivando a industrialização por substituição de importações e ajudando a China e a Rússia a desenvolver suas próprias tecnologias domésticas para se tornarem mais autossuficientes.

Até alguns acadêmicos ocidentais belicistas reconheceram que a guerra econômica dos EUA na Eurásia deu "errado". Eles estão preocupados com o declínio da hegemonia ocidental, à medida que Pequim e Moscovo, em aliança com o Sul Global, estão desafiando a dominância do dólar e desenvolvendo alternativas ao sistema financeiro global controlado pelos EUA.

Originalmente publicado pelo Geopolitical Economic Report

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Ucrânia: e agora?

Ucrânia: o Ocidente a um passo da derrota
Sustentar Zelensky é cada vez mais difícil e custoso, mas seu provável fracasso abalará ainda mais o prestígio internacional dos EUA. Por isso, é possível que a OTAN cogite expandir e recrudescer o conflito – o que abriria as portas do inferno
Rafael Poch, em CTXT | Tradução: Antonio Martins/Outras Palavras 

A derrota militar da Ucrânia são favas contadas, mas o mais perigoso é que será também, e acima de tudo, uma derrota “por procuração” da OTAN contra a Rússia, carregada de consequências para a liderança global ocidental, dentro e fora da Europa. Tratando-se disso, a pergunta do momento é: como a OTAN responderá à sua derrota na Ucrânia?

“É o momento de restabelecer a diplomacia e voltar às negociações, embora leve algum tempo para inverter a propaganda da última década e preparar o público para uma nova narrativa. Como vimos no Afeganistão, as elites político-midiáticas nos assegurarão que estamos ganhando, até que fujamos de forma desorganizada, com pessoas caindo dos aviões”, diz o analista norueguês Glenn Diesen

Muito dependerá das eleições presidenciais de novembro nos Estados Unidos. A Rússia terá que moderar as exigências de sua “vitória”, seja qual for o significado e o conteúdo real dessa palavra, pois a guerra também está cobrando um alto preço em Moscou. Certamente haverá mais de 200 mil mortos e inválidos. Além disso, a ocupação de território ucraniano pode ser uma fonte de problemas, como apontamos há mais de um ano. Mas o que acontecerá se a OTAN não aceitar sua derrota – ou seja, se os Estados Unidos persistirem na sua vontade de sangrar a Rússia, agora às custas de uma guerra maior? A histeria dos bálticos e dos poloneses sobre uma “ameaça (ofensiva invasora) russa” con tra a Europa – que além de inexistente, mostrou-se impossível, dadas as limitações militares na Ucrânia – será desencadeada? Nesse caso, os termos da equação já são conhecidos. Se for alvo do ataque de uma força militar superior, como a OTAN, a liderança russa declarará uma “ameaça existencial” para seu país, o que, segundo sua doutrina, que está sendo revisada para que se torne mais flexível, significa a possibilidade do uso de armas nucleares.

Em Moscou, há motivos de sobra para preocupação. O secretário de Estado dos EUA, Anthony Blinken, esteve esta semana em Kiev para dar o que parece ser um sinal verde para o uso de mísseis ocidentais de longo alcance contra o território russo. É algo que requer informações de inteligência e satélites militares americanos, além da participação direta de militares da OTAN. Putin advertiu na quinta-feira (12/9) que tal decisão “mudaria a própria natureza do conflito”. “Significará que os países da OTAN, os EUA e os países europeus, estarão combatendo contra a Rússia”, e, por isso, Moscou tomará “as decisões (militares) correspondentes”, disse ele. O presidente da Duma [Parlamento], Viacheslav Volodin, afirmou que a Rússia terá que usar “armas mais potentes e destrutivas na defesa de seus cidadãos”. Entre os especialistas há especulações sobre cenários como ataques a infraestruturas ocidentais ou a destruição das pontes sobre o rio Dnieper, que até agora a Rússia respeitou, e que cortariam a comunicação terrestre e ferroviária da Ucrânia ao meio.

Os programas de TV russos transmitem certo cansaço pelo estancamento da prometida “vitória inevitável”. Os militares parecem cientes de que, sem uma mobilização nacional completa – algo que o presidente Putin não quer arriscar – não há capacidade militar para expandir ainda mais a conquista de território ucraniano em direção a Nikolayev e Odessa, privando completamente a Ucrânia de saída para o mar, o que completaria uma vitória militar estratégica. Certamente, não interessa que a frente ucraniana entre em colapso antes das eleições nos Estados Unidos, mas, ganhe quem ganhar em Washington em novembro, sabe-se em Moscou que, se os Estados Unidos/OTAN não aceitarem sua derrota, a perspectiva de uma guerra maior  ;estará à vista.

O presidente Zelenski carrega a derrota estampada no rosto. Já não é mais aquele personagem dinâmico e determinado que protagonizava capas dos principais semanários europeus e norte-americanos. Agora parece cansado, preocupado e agitado. Zelenski perdeu grande parte do apoio de seus padrinhos – chegando até a ser falsamente acusado de estar por trás do atentado americano contra o gasoduto Nord Stream. Não entendem sua última remodelação no governo, nem a ofensiva militar contra a região russa de Kursk, um gesto desesperado de imagem pelo qual pagará um alto preço militar, segundo a imprensa ocidental mais interpretativa. Os ocidentais o incitaram a romper as negociações iniciadas em Minsk e Istambul no início da guerra, e agora não estão sendo coerentes com a intensidade da ajuda que lhe prometeram. É a hora dos recriminações e ressentimentos. Zelenski tem motivos para estar preocupado.

“Superado em número e em armamento, o exército ucraniano enfrenta baixa moral e deserção”, diz a CNN em um relatório exaustivo, impensável em nossos lamentáveis meios de comunicação. Cinco são os pontos do colapso militar: as posições estratégicas dos soldados são mais fracas, faltam recursos, as cadeias de suprimentos não estão suficientemente defendidas, as comunicações costumam falhar e a moral desmorona, explica Diesen. Uma vez iniciado, o colapso tende a ter um efeito de avalanche, ele afirma.

Companhias militares inteiras estão se retirando de suas posições sem permissão, o que desmantela qualquer plano defensivo. O fato de um dos novos F-16 fornecidos pela OTAN, pilotado por um dos melhores oficiais da aviação ucraniana, ter sido derrubado em sua estreia, há duas semanas, por “fogo amigo” de uma bateria Patriot é um sintoma de graves problemas de coordenação. Em relação à retaguarda, cerca de 800 mil homens ucranianos em idade militar “foram para a clandestinidade”, mudando de endereço e trabalhando informalmente para não deixar registros trabalhistas e evitar a mobilização, relatava o Financial Times em 4 de agosto, citando o chefe da comissão de desenvolvimento econômico do parlamento ucraniano, Dmitri Nataluji.

Os efeitos da carnificina que a Ucrânia está sofrendo são incalculáveis. 78% dos cidadãos declaram ter parentes próximos e amigos que foram mortos ou feridos na guerra, de acordo com uma pesquisa telefônica realizada em maio/junho do ano passado. Veremos que preço todo esse bárbaro e injusto sofrimento humano cobrará no futuro. O ressentimento contra a Rússia de toda uma geração de ucranianos vai perdurar por muito tempo. Os vídeos sobre as razias do exército nas ruas, para prender aqueles que evitam o serviço militar, cresceram exponencialmente nas redes sociais. Aparentemente, também melhorou a informação militar russa sobre alvos, como exemplifica a destruição de um centro militar em Poltava, aparentemente com grande concentração de técnicos militares da OTAN, em 3 de setembro. E as perspectivas são ainda ma is sombrias para Kiev, pois a Rússia, especialmente após a incursão militar ucraniana em Kursk, está castigando ainda mais as infraestruturas energéticas do país. Tendo já perdido um quinto de seu território nacional e um terço de sua população, a perspectiva de um inverno com severos cortes de luz e aquecimento anuncia um novo êxodo de centenas de milhares de ucranianos para a União Europeia, neste outono/inverno. Não estamos muito longe de um colapso militar ucraniano, que talvez seja questão de alguns meses.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2022/01/interesses-estrategicos.html 

 

Postei no Threads

Consequências do genocídio: em Gaza 625 mil crianças em idade escolar estão pelo segundo ano seguido sem direito à educação; mais de 45 mil crianças de 6 anos não poderão iniciar os estudos agora. Cerca de 90% dos 307 prédios escolares públicos e de todas as 12 universidades foram danificados ou destruídos em ataques, noticia o The Guardian.

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/implicados-no-horror-em-gaza.html

Minha opinião: Trump x Kamala

Devagar com o andor de Kamala Harris

Luciano Siqueira  

João Amazonas, histórico líder comunista que presidiu o PCdoB, dizia com muita propriedade que em política não se deve colocar sinal de igualdade entre duas entidades distintas. 

Assim, nas atuais eleições presidenciais nos Estados Unidos, há diferenças importantes entre Donald Trump e Kamala Harris.

Trump é talvez o principal líder da internacional de extrema direita e encarna o neofascismo. 

Kamala Harris não pertence a essa corrente, mas igualmente representa o stablishment norte-americano. E não dá nenhum sinal de que pretenda alterar substancialmente a postura agressiva e intervencionista da superpotência decadente em múltiplas áreas de conflito mundo afora. 

O desenlace da disputa deve ser acompanhado atentamente, tem maiores ilusões, ainda que a derrota de Donald Trump seja desejável.

Energia: fontes renováveis

Evolução energética: um caminho realista para a transição energética
Além da superfície www.alemdasuperfície.org 

A transição energética, um dos temas centrais no combate às mudanças climáticas, já é uma realidade e avança globalmente. Nesse contexto, o Brasil desponta com inúmeras vantagens: tem 49% da sua oferta de energia proveniente de fontes renováveis, ou seja, tem no presente um cenário interno que é meta de muitos países para o futuro. É o 2º maior produtor mundial de biocombustíveis, com potencial para expansão, além de ter uma produção de petróleo com intensidade de carbono equivalente à metade da média mundial.

Embora o compromisso com a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE) seja cada vez mais forte, alavancado pelo Acordo de Paris – cujo principal objetivo é limitar o aumento da temperatura global neste século abaixo de 2°C em relação aos níveis pré-industriais, com esforços extras para limitá-lo a 1,5°C – e pela agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), as principais projeções apontam que um futuro descarbonizado não vai acontecer sem fontes fósseis. O conceito de “evolução energética” é uma resposta à complexidade da transição justa e segura para uma economia de baixo carbono.

Pensando nisso, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) lançou a campanha Energia da Evolução, que leva ao conhecimento do público como a indústria de petróleo e gás (O&G) será uma importante aliada para uma transição energética justa e segura para todos os brasileiros. Isso reflete uma abordagem mais realista e gradual, em que fontes fósseis ainda serão essenciais, tanto para a segurança energética quanto para o financiamento de tecnologias que impulsionarão a transição para fontes renováveis.

“A transição não é um processo de substituição abrupta, mas uma evolução que incorpora múltiplas fontes e tecnologias ao longo do tempo. O setor de petróleo e gás está integralmente comprometido com essa evolução, deixando um legado de conhecimento que será incorporado em outros segmentos, e tem ainda um papel essencial a cumprir para fins energéticos e não energéticos”, afirma Roberto ArdenghyPresidente do IBP.

Importância na segurança energética

Nos últimos 25 anos, a expansão da indústria brasileira de O&G permitiu reduzir a vulnerabilidade externa e garantir uma fonte de energia firme, eficiente e acessível para os planos de desenvolvimento nacional. Em 2023, ela respondeu por 45% da oferta de energia primária no Brasil, consolidando sua importância para assegurar a segurança energética e a soberania nacional, enquanto o sistema energético avança na incorporação de outras fontes de energia de baixo carbono com a escala, a eficiência e a acessibilidade necessárias ao fornecimento adequado aos consumidores brasileiros.

Nesse sentido, o gás natural assume um papel muito importante no setor elétrico, servindo como fonte de apoio e dando lastro à geração de energia eólica e solar, que vêm demonstrando crescente participação no mix energético brasileiro. O insumo também é uma alternativa importante para contribuir para a descarbonização na indústria, operando como uma fonte de energia firme em setores hard-to-abate – como são chamados aqueles segmentos da economia que apresentam desafios significativos para a transição para uma economia de baixo carbono – como, a mineração, siderurgia, cimento, entre outras.

Demanda pelo petróleo

Apesar do entendimento sobre a necessidade de reduzir o consumo de combustíveis fósseis, não existe um consenso sobre o momento em que o mundo atingirá o pico da demanda de petróleo. Todas as projeções indicam, no entanto, que o consumo continuará, ainda que em volumes menores, principalmente para fins não energéticos.

O petróleo, por exemplo, é um insumo vital na indústria petroquímica, que transforma a matéria-prima em plásticos, fertilizantes, solventes e inúmeros outros produtos químicos que são fundamentais para diversos setores, incluindo agricultura, saúde e manufatura. Já o gás natural é uma fonte importante de matérias-primas para a produção de hidrogênio e amônia, utilizados na fabricação de fertilizantes e na indústria química.

Dados da Agência Internacional de Energia (AIE) mostram que, mesmo em cenários de baixa emissão, o consumo de petróleo e gás para fins não energéticos permanecerá significativo, o que reforça a necessidade de manter a produção e o desenvolvimento tecnológico nesse setor.

De acordo com o cenário Net Zero Emissions (NZE), a agência ainda estima que, apesar de a produção de petróleo e gás ser amplamente reduzida, ela não desaparece. Mesmo em um cenário onde a comunidade internacional consegue manter a elevação da temperatura global abaixo de 1,5 °C, estima-se que cerca de 24 milhões de barris de petróleo por dia continuarão a ser produzidos em 2050, dos quais, três quartos seriam utilizados em setores onde o petróleo não é queimado. Na mesma projeção, a agência estima uma demanda de gás natural de cerca de 920 bilhões de m³, dos quais, aproximadamente metade seria usada para a produção de hidrogênio (AIE, 2023).

Inovação para a transição energética

A indústria de óleo e gás (O&G) desempenha ainda um papel crucial na inovação tecnológica voltada para a transição energética de baixo carbono. Segundo a AIE, 35% da redução de emissões de GEE associadas ao setor energia que são necessárias até 2050, advém de tecnologias que ainda se encontram em estágios iniciais de desenvolvimento e não atingiram escala comercial. Para que essas soluções sejam viáveis e disponíveis na escala necessária, segundo a entidade, é essencial que haja investimentos contínuos em pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I). Desde 1998, a indústria brasileira de O&G tem investido significativamente nessa área, alocando R$ 30,2 bilhões em recursos por meio da cláusula de PD&I nos contratos de exploração e produ&cce dil;ão de óleo e gás.

Nos últimos anos, esses investimentos têm se concentrado cada vez mais em projetos de eficiência energética e fontes de energia de baixo carbono. O número de projetos relacionados a essas áreas quadruplicou em cinco anos. Passou de 25 em 2018 para 91 em 2023, enquanto os investimentos tiveram um crescimento substancial, passando de R$ 46 milhões para R$ 782 milhões no mesmo período. Em 2023, os recursos foram majoritariamente direcionados para biocombustíveis (35%), seguidos por energia eólica (28%), hidrogênio (13%), captura e armazenamento de carbono (CCUS) (9%), sistemas híbridos (9%), energia solar (6%) e energia dos oceanos (1%).

A importância de uma transição energética justa

O conceito de “transição justa” pode ter diferentes conotações, mas no setor de energia vem sendo frequentemente associado à adoção de critérios e medidas para mitigar o impacto econômico e social negativo atrelado ao processo de transição energética em países, regiões, indústrias, localidades, trabalhadores e consumidores. A sua discussão é especialmente importante em países produtores de O&G, já que eles são economicamente dependentes da atividade petrolífera, e uma transição não planejada pode acarretar efeitos econômicos, sociais e políticos.

No Brasil, particularmente, as atividades do setor de O&G representaram 17% do PIB industrial em 2021 e sustentam 1,6 milhões de empregos, tanto diretos quanto indiretos. No aspecto social, o setor é uma fonte significativa de receitas para a União, estados e municípios, permitindo o financiamento de políticas públicas essenciais em áreas como educação, saúde e bem-estar social. Esses recursos são cruciais para enfrentar a pobreza e reduzir a desigualdade no país. Nos últimos quinze anos, a indústria gerou mais de R$ 2,6 trilhões por meio do pagamento de royalties, participações especiais, bônus de assinatura e tributos.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/04/china-transicao-energetica.html 

Uma crônica de Geórgia Alves

De quem a Natureza deseja de extrair grandes coisas
Geórgia Alves* 

De quem a Natureza deseja extrair as grandes coisas? Das menores mulheres do mundo. As menores mulheres de todo o mundo estão em São Paulo. São mulheres encenadas pelo desejo do homem de extrair as grandes coisas da Natureza do mundo. As maiores riquezas do mundo. Da casa, da família, do vasto saber das coisas grandes, de todo o vasto universo. O mundo encerrado naquilo que chamam do lar. As menores mulheres do mundo estão todas se espremendo nas vigas do masp e por mais que o tempo passe estarão sempre entre a sombra e as sobras de uma luminosidade. As menores mulheres do mundo estão entre uma marquise e outra do metrô Paulista com suas ancas largas e seus ombros estreitos, por mais que o mundo insista em reduzi-las continuaram firmes sendo apenas as menores mulheres do mundo, que os homens medem para fazer caber no bolso da camisa. As menores mulheres do mundo são firmes, mas falam com jeito Manso. Se lhes faltar a doçura de quem foge à educação dos gestos, já viu. Enquanto homens esbravejam e arremessar contra os ares seus pugilismos silábicos. As menores mulheres do mundo estão na mira da Natureza que espera extrair delas grandes feitos. As menores mulheres do mundo carregam no rosto os olhos fundos, os cílios turvos e estão todas neste exato momento em São Paulo onde todas são novas. As novas de ontem são hoje as mulheres menores do mundo que habitam São Paulo. Espremendo pelas esquinas da grande cidade devoradora de sumos. Dando aos que vagam um fio mais de agasalho. As menores mulheres do mundo são vista pelo gigantismo dos homens como seres de olhos baixos, de pensamentos prescrutradores fundos... as menores mulheres do mundo nasceram todas para os bons modos, enquanto a massa de homens Machados forçudos apontam seus feitos virulentos pelos arranha-céus. As mulheres continuam obrigadas a polir suas unhas. Somente a eles se permite a exposição em punhos. Elas que pulem em círculos de seus lugares as menores mulheres do mundo são anãs de pequenos pulos. As menores mulheres do mundo estão todas em São Paulo porque é o melhor que fazem: conter a desordem superlativa dos maiores homens do mundo. As menores mulheres do mundo estão todas em solo Paulista e muito bem o fazem para dar a ver o que desejam extrair do mundo os homens do sumo poder.E tudo o que o mundo dos homens está disposto a dar a ver. As menores mulheres do mundo nasceram nas periferias e buscam sem cansaço a paridade do espaço. Nascem de pais poetas, mães professoras, chegam às duas e meia da manhã nos portões dos postos de saúde. Os maiores homens do mundo dão as menores mulheres do mundo a chance de parir seus filhos, mas são eles que os educam para serem como esperam os homens do mundo. Às mulheres do mundo é dado o destino das mães, dos meses de maio, que sejam as menores mulheres do mundo e que Deus as ampare enquanto um púlpito erguido de modo temporário será do tudo o nicho que lhe foi reservado. As menores mulheres do mundo seguem em olhares abismados a observar os jatos e o desatino com o peito cismado qua do lhes é destinado o olhar de um dos maiores homens do mundo. As mulheres do mundo são obrigadas a fazer o tempo todo o certo, enquanto os homens erram e seus erros os fazem mais e mais eretos. O correto. Somente o correto é permitido às menores mulheres do mundo em seus ares de coreto da praça. Pois logo essa violência passa. Logo essa violência passa.

Esse é o maior feito que a Natureza deseja extrair das menores mulheres do mundo.

[Ilustração: Bela de Kristo]

*Escritora




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Volta e meia notícia-se a hipótese de que o uso do smartphone possa causar câncer no cérebro. A OMS agora reafirma que essa possibilidade não existe. Ótimo! Posso seguir usando esse indispensável instrumento de trabalho sem nenhum inconveniente a não ser o cansaço devido à jornada diária prolongada. 

Leia: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/03/minha-opiniao_15.html

Palavra de poeta: Carlos Drummond de Andrade

MÃOS DADAS

Carlos Drummond de Andrade 


Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.

Estou preso à vida e olho meus companheiros.

Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.

Entre eles, considero a enorme realidade.

O presente é tão grande, não nos afastemos.

Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

 

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,

não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,

não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,

a vida presente.


Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2021/01/clarice-e-neruda.html

17 setembro 2024

Brasil + China

Brasil e China: Inovação e Sustentabilidade na Era da Fratura Hegemônica
O assessor especial do MCTI, Euzébio Jorge, trata da parceria estratégica entre Brasil e China.
Euzébio Jorge Silveira de Sousa/Fundação Maurício Grabois  

A Fundação Maurício Grabois (FMG) recentemente organizou um evento de grande relevância estratégica, que contou com a presença de uma delegação do Centro de Cooperação Econômica da China. O principal objetivo do encontro foi promover a troca de experiências entre Brasil e China, abordando temas cruciais para ambos os países, como a situação econômica atual da China, as resoluções da última sessão plenária do Partido Comunista da China (PCCh), a estratégia de abertura econômica da China e as possíveis áreas de cooperação econômica entre as duas nações.

A participação de representantes importantes, como Ke Zhizhong, presidente do Centro de Cooperação Econômica da China, e Jia Chen, Ministro Conselheiro da Embaixada da China no Brasil, evidencia a relevância do evento organizado pela Fundação Maurício Grabois. Este encontro não apenas fortalece os laços diplomáticos, mas também evidencia a posição estratégica da China no comércio internacional e sua relação com o Brasil. Como maior exportador mundial e segundo maior importador, a China desempenha um papel central no comércio global. Em 2022, o comércio exterior representou 37% do PIB chinês, consolidando o país como o maior comerciante de bens pelo sexto ano consecutivo. As exportações chinesas incluem produtos de alta tecnologia, como telefones (7,7% das exportações), máquinas automá ticas de processamento de dados (5,2%) e circuitos integrados eletrônicos (4,3%), enquanto suas principais importações incluem circuitos integrados eletrônicos (15,3%), óleos de petróleo (13,5%) e minérios de ferro (4,7%).

A importância da China como parceiro comercial é especialmente relevante para o Brasil. Em 2023, o comércio entre Brasil e China atingiu um patamar histórico de US$ 157,5 bilhões, refletindo a intensidade e a expansão das relações comerciais entre os dois países. De acordo com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), há um potencial significativo para o crescimento dessas relações, com um estudo identificando 400 oportunidades comerciais que poderiam somar mais de US$ 800 bilhões em exportações brasileiras para a China, inclusive em setores de maior valor agregado. Esses números mostram o potencial de crescimento da parceria econômica entre Brasil e China, destacando a importância de fortalecer os laços comerciais e explorar novas oportunidades em setores estratégicos para amb os os países. Essa cooperação pode não apenas impulsionar o desenvolvimento econômico, mas também promover a inovação tecnológica e o combate a problemas sociais, fomentando um desenvolvimento mais sustentável e inclusivo.

Para o Brasil, que enfrenta desafios significativos para superar o subdesenvolvimento e promover um crescimento econômico mais equitativo e sustentável, uma parceria qualificada com a China pode oferecer inúmeros benefícios. A China, com sua vasta experiência em desenvolvimento tecnológico e industrial, pode contribuir substancialmente para o avanço do Brasil nesses setores. A colaboração entre os dois países poderia incluir a transferência de tecnologia, especialmente em áreas de alta inovação, como energias renováveis, inteligência artificial e manufatura avançada. Isso não apenas fortaleceria a base industrial do Brasil, mas também aumentaria sua capacidade de competir em mercados globais de alta tecnologia.

Além disso, a parceria estratégica entre Brasil e China poderia focar em uma transição econômica para uma economia de baixo carbono. A China tem se destacado como líder global na produção de tecnologias verdes, como veículos elétricos e energia solar, e sua experiência pode ser valiosa para o Brasil na promoção do desenvolvimento econômico sustentável. Essa cooperação pode incluir projetos conjuntos em infraestrutura verde, pesquisa e desenvolvimento de energias renováveis, e políticas públicas voltadas para a sustentabilidade. Ao abordar problemas sociais persistentes, como a desigualdade e a pobreza, por meio de uma estratégia de desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável, o Brasil pode aproveitar a parceria com a China para não apenas melhorar sua posição econômica, mas também avan&c cedil;ar em direção a um futuro mais sustentável e justo para todos os seus cidadãos.

Nos últimos 40 anos, após as reformas e abertura econômica, a China experimentou um crescimento econômico acelerado e uma transformação social significativa. Essas mudanças foram acompanhadas por avanços notáveis na redução da pobreza. Em 25 de fevereiro de 2021, o presidente Xi Jinping anunciou que a China havia eliminado a pobreza absoluta no meio rural. Utilizando um padrão de medição mais rigoroso que o do Banco Mundial, a China reduziu drasticamente o número de pobres de 878 milhões em 1981 para 9,7 milhões em 2015.

A China está se posicionando como um polo emergente e influente na geopolítica global, desafiando a hegemonia tradicional do dólar e promovendo uma nova ordem econômica global mais equilibrada. Essa ascensão se deve, em grande parte, à sua estratégia de expansão econômica e comercial, que inclui a Iniciativa do Cinturão e Rota e o desenvolvimento de acordos de comércio regionais, como a Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP). A crescente influência da China no comércio global e sua capacidade de moldar mercados e cadeias de valor a partir de suas próprias práticas econômicas indicam um movimento significativo em direção a uma multipolaridade econômica, onde o poder não é centralizado em uma única moeda ou país.

Nesse contexto, uma parceria estratégica entre Brasil e China, especialmente através de colaborações entre centros de estudos e universidades, pode gerar resultados substanciais no desenvolvimento de uma compreensão do capitalismo a partir da perspectiva do Sul Global. Tais parcerias acadêmicas e de pesquisa têm o potencial de oferecer novas interpretações sobre o funcionamento das economias em desenvolvimento e de propor estratégias inovadoras para enfrentar desafios econômicos e sociais, como desigualdade, pobreza e desenvolvimento sustentável. Essa colaboração também pode fortalecer a capacidade dos países do Sul Global de influenciar a dinâmica da economia mundial, redefinindo as relações de poder e desafiando o grande capital rentista.

O Brasil tem uma oportunidade única para se reposicionar no cenário global, aproveitando a fratura na hegemonia global para avançar em direção a um modelo de desenvolvimento que não apenas promove uma economia dinâmica e de baixo carbono, mas também enfrenta as questões profundas de desigualdade econômica e social que caracterizam seu subdesenvolvimento. Parcerias estratégicas com a China, como as fomentadas pela FMG, são passos essenciais nesse caminho de transformação e redefinição da inserção do Brasil no comércio internacional, rompendo com sua suposta vocação na exportação de bens de baixo conteúdo tecnológico.

Concluindo, eventos como o organizado pela FMG são cruciais para fortalecer as relações bilaterais entre Brasil e China e explorar novas oportunidades de cooperação econômica, tecnológica e acadêmica. Essas iniciativas não só promovem um melhor entendimento entre os dois países, mas também pavimentam o caminho para um desenvolvimento mais inclusivo e sustentável, capaz de superar os desafios contemporâneos e abrir novos caminhos para o desenvolvimento não só do Brasil, mas também de outros países da América Latina.

Euzébio Jorge é assessor especial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), autor do livro “Juventude, Trabalho e o Subdesenvolvimento” e doutor em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Unicamp. Atualmente, atua como professor de Economia na FESPSP e na Strong Business School, e é membro da Cátedra Celso Furtado. Ele também possui pós-doutorado em Economia Criativa e da Cultura pela UFRGS.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/08/evolucao-das-relacoes-brasil-china.html