09 janeiro 2025

Minha opinião

O peso crescente do BRICS
Luciano Siqueira    

Em um mundo conturbado e em plena transição a uma multipolaridade correspondente à perda relativa de força da superpotência Estados Unidos, até recentemente reinante unilateralmente pelas vias econômica, política, militar e cultural, até uma palha que se move pela força do vento merece atenção. 

Pois bem. O ano da graça de 2025 se inicia com o ingresso de mais nove países — Bielorrússia, Indonésia Cazaquistão, Tailândia, Uzbequistão, Cuba, Bolívia, Uganda e Malásia —, no BRICS, que se somam aos componentes originais Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e ao Irã, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Arábia Saudita.

Antes o grupo já detinha pouco mais de 40% da população e 37% do PIB mundiais; 70% da produção global de carvão mineral, 44% das reservas de petróleo 53% das reservas de gás natural do mundo.

Três dos seus integrantes são potências nucleares: Rússia, China e Índia. 

A tendência natural é que, em meio à crise global, esse grupo de países trabalhe em conjunto cada vez mais acentuadamente por uma nova governança global e por alterações substanciais no sistema monetário, que ainda tem o dólar como moeda de referência para as transações entre países. 

Guardadas as diferenças políticas e ideológicas e interesses eventualmente contraditórios entre os países integrantes, esse agrupamento tende a cumprir papel cada vez mais ascendente na cena mundial.

Aí reside um leque de possibilidades para o Brasil, que pratica política externa proativa e se movimenta, no atual governo Lula, de modo afirmativo nas organizações multilaterais. 

Leia também: Novas parcerias dos BRICS impulsionam multilateralismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/brics-ampliado.html 

Futebol: craques e esquemas

Na hora certa e no lugar certo
Grandes jogadores costumam se adaptar a novas funções e esquemas táticos
Tostão/Folha de S. Paulo 


Não basta contratar ótimos jogadores e de prestígio. É preciso escalá-los nos lugares certos que, necessariamente, não seja a única posição. Grandes jogadores costumam se adaptar a novas funções.

No Cruzeiro, Dudu, Gabigol e Matheus Pereira, por jogarem melhor em posições diferentes e se completarem em suas características técnicas, podem formar um ótimo trio do meio para frente. Dudu é insinuante, driblador, rápido e atua melhor pelos lados, principalmente da esquerda para o meio. Gabigol é um excepcional finalizador que gosta de jogar da meia direita para o centro e para o gol. Matheus Pereira é um meia centralizado, criativo, com passes surpreendentes e precisos. 

Porém, há sempre um porém, existem incertezas nas contratações do Cruzeiro. Dudu ficou um longo tempo sem jogar por causa de uma grave contusão e não sabemos como estará neste ano. Gabigol não foi bem nos últimos dois anos, especialmente em 2024, quando foi mais uma estrela do que um atleta.

Será que Fernando Diniz irá escalar um quarto atacante, um centroavante ou um ponta? Esta é uma dúvida presente em quase todo treinador. No Brasil, os técnicos adoram colocar atacantes e deixar um vazio no meio campo. Esquecem que os gols nascem da própria intermediária com os meio-campistas.

No Newcastle, Bruno Guimarães joga muito melhor do que na seleção brasileira. O time inglês possui um trio no meio de campo, com o italiano Tonali centralizado e um brasileiro de cada lado, Bruno e Joelinton. Os dois marcam, constroem e avançam. Na seleção, Bruno joga à frente dos zagueiros, próximo de Gerson e muito distante dos quatro da frente.

Palmeiras contratou um excelente atacante, Paulinho, mas que ainda ficará um bom tempo sem jogar por causa de uma contusão. Paulinho não é um centroavante nem um ponta esquerda, posições em que o time precisa de mais qualidade. Ele é um atacante que se movimenta bastante, que dá passes e faz muitos gols, ideal para formar dupla de ataque como fazia no Atlético com Hulk.

Abel Ferreira já disse que gosta de separar os camisas 5, 8, 9 e 10, além dos dois pontas, como se fossem bonecos em um jogo de botões. O futebol caminha de uma maneira diferente, com jogadores que se movimentam bastante, que ocupam várias posições em campo de acordo com o momento do jogo, como Paulinho. Isso não diminui outras ótimas qualidades do técnico do Palmeiras.

No Rio Grande do Sul, enquanto o Grêmio se ilude de que basta contratar um bom técnico, o argentino Gustavo Quinteros, sem trazer bons jogadores, o Inter mantém o seu ótimo elenco e o excelente treinador Roger Machado. Ele, que foi um importante jogador do Grêmio, está acima das paixões clubistas.

Depois de várias décadas de futebol medíocre repetitivo, defensivo, feio, em que cada time esperava o outro e nada acontecia, o futebol evoluiu bastante, progressivamente, nos últimos 20 anos, impulsionado pelos avanços tecnológicos e científicos. O jogo está mais intenso, bonito e eficiente. A beleza não está apenas na individualidade, nos dribles e nos efeitos especiais, mas também no jogo coletivo e nas diversas estratégias. É um novo futebol.

Leia sobre o futebol brasileiro hoje https://lucianosiqueira.blogspot.com/2022/12/futebol-quem-somos-hoje.html

Indústria argentina em baixa

Efeito Milei: pequena e média indústria argentina continua em queda livre
Miguel do Rosário/O Cafezinho  

Na Argentina, o termo PYME refere-se a “Pequeñas y Medianas Empresas”, ou seja, pequenas e médias empresas, que desempenham um papel crucial na economia, gerando empregos e contribuindo para o desenvolvimento regional. Essas empresas, no entanto, enfrentam desafios significativos em meio à crise socioeconômica do país, como mostra o relatório recente da Câmara Argentina de Média Empresa (CAME).

Queda na indústria PYME

De acordo com o levantamento realizado pela CAME, a indústria PYME registrou uma retração de 3,7% em novembro em relação ao mesmo mês do ano anterior. No acumulado de janeiro a novembro de 2024, a queda já atinge 13,6%, em comparação ao mesmo período de 2023. Entre os seis setores analisados, dois apresentaram melhora em sua atividade anual, enquanto quatro sofreram retração.

Apesar do cenário negativo, houve um aumento mensal desestacionalizado de 3,9% na atividade industrial, além de uma leve elevação no uso da capacidade instalada, que passou de 62,3% em outubro para 63,1% em novembro.

Os dados são parte do Índice de Produção Industrial Pyme (IPIP), que avalia mensalmente a atividade de 420 indústrias PYME de todo o país.

Fatores que agravam a crise

A crise enfrentada pelas pequenas e médias indústrias argentinas reflete problemas estruturais agravados por políticas econômicas. De acordo com a CAME e relatos de industriais locais, a abertura indiscriminada de importações e a falta de políticas voltadas à produção nacional têm afetado diretamente o setor.

Adicionalmente, a desvalorização cambial de 118%, combinada com a redução de salários, aposentadorias e investimentos em obras públicas, resulta em uma economia fragilizada. Essas medidas impactam diretamente o poder de compra da população, com grande parte das famílias argentinas – entre 70% e 80%, segundo estimativas – vivendo em condições de vulnerabilidade econômica.

Reflexos no consumo e no mercado interno

A retração industrial não é um fenômeno isolado. Outros indicadores, como a queda no consumo em supermercados e no comércio de bairros, reforçam o impacto da crise socioeconômica no país. Apenas os setores financeiro, extrativista e agroexportador conseguem apresentar algum desempenho positivo, enquanto a maioria das atividades enfrenta dificuldades severas.

O relatório da CAME revela um cenário preocupante, onde a política econômica atual é vista como um retrocesso, replicando modelos que já mostraram sua ineficiência no passado e comprometendo ainda mais a sustentabilidade das pequenas e médias empresas no país.

Leia também: "Mergulhar fundo para avançar na superfície" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/meu-artigo-no-portal-da-fundacao.html

08 janeiro 2025

Palavra de poeta: Pablo Neruda

O Poço
Pablo Neruda 

Cais, às vezes, afundas
em teu fosso de silêncio,
em teu abismo de orgulhosa cólera,
e mal consegues
voltar, trazendo restos
do que achaste
pelas profunduras da tua existência.

Meu amor, o que encontras
em teu poço fechado?
Algas, pântanos, rochas?
O que vês, de olhos cegos,
rancorosa e ferida?

Não acharás, amor,
no poço em que cais
o que na altura guardo para ti:
um ramo de jasmins todo orvalhado,
um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias
de novo em teu rancor.
Sacode a minha palavra que te veio ferir
e deixa que ela voe pela janela aberta.
Ela voltará a ferir-me
sem que tu a dirijas,
porque foi carregada com um instante duro
e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri
se minha boca fere.
Não sou um pastor doce
como em contos de fadas,
mas um lenhador que comparte contigo
terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri
e me ajuda a ser bom.
Não te firas em mim, seria inútil,
não me firas a mim porque te feres.

Leia: Fernanda Torres do nosso cinema https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/fernanda-do-nosso-cinema.html 

Editorial do 'Vermelho'

Oito de Janeiro: punição exemplar à infâmia golpista! Sem anistia!
É oportuna, e imperativamente necessária, a convocação, feita pela Presidência da República, de uma agenda em Brasília, fortemente simbólica, em repúdio ao golpismo e em defesa da democracia, na passagem do segundo ano do 8J. Destaca-se o “abraço à democracia” na Praça dos Três Poderes.
Editorial do 'Vermelho'

 

O 8 de Janeiro (8J), o Dia da Infâmia, apropriado conceito da hoje aposentada ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, alusivo ao ataque da extrema-direita à sede dos três poderes em Brasília, em 2023, não pode ser esquecido ou menosprezado. É um capítulo ruidoso do golpismo que marcou o governo Bolsonaro do começo ao fim, E se estendeu após o seu término. Além do 8J, há o plano terrorista posto em execução para assassinar, antes da posse, o presidente Lula, o vice-presidente, Geraldo Alckimin, e o então, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes.

Portanto, é oportuna, e imperativamente necessária, a convocação, feita pela Presidência da República, de uma agenda em Brasília, fortemente simbólica, em repúdio ao golpismo e em defesa da democracia, na passagem do segundo ano do 8 de Janeiro. Destaca-se o “abraço à democracia” na Praça dos Três Poderes. Do conjunto desta agenda deverão participar o presidente Lula e o elenco de ministros e ministras, representantes do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, os comandantes das Forças Armadas, partidos políticos, governadores, parlamentares, lideranças das entidades da sociedade civil, dos movimentos e entidades do povo e dos trabalhadores.

Pesquisa da empresa Quaest, recém-divulgada, atesta que 86% dos brasileiros reprovam a invasão das sedes dos três poderes, enquanto apenas 7% aprovam e 7% não souberam responder. Fato que demonstra o rechaço da ampla maioria da população ao golpismo da extrema-direita.

Por obra excelente do acaso, a passagem do 8 de janeiro se dá quando expressivas parcelas do povo brasileiro aplaudem a atriz Fernanda Torres pela conquista do Globo de Ouro por sua excelente atuação no filme Ainda Estou Aqui, que retrata os horrores da ditadura militar, focando a vida da família do ex-deputado Rubens Paiva. Segundo a Comissão Nacional da Verdade, Rubens Paiva foi morto sob tortura nas dependências do Departamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio de Janeiro.

Restaurar a democracia, ampliá-la e defendê-la é uma das principais missões do governo de reconstrução nacional do presidente Lula. Missão que alinhava o movimento de frente ampla, indispensável ao êxito do governo e, também, a uma nova vitória do povo em 2026, tal como já se demonstrou no épico confronto político-eleitoral de 2022.

Missão ainda inconclusa, posto que há forte rescaldo, nas instituições da República, de concepções autoritárias, e mesmo de bolsões de agentes vinculados à extrema-direita, além da nefasta disfuncionalidade na esfera do Estado nacional. Inconclusa, também, porque a extrema-direita e seus aliados, apesar de terem perdido força, seguem com razoável base social, representação expressiva no parlamento e apoio de setores dos monopólios econômicos e financeiros. E, finalmente, a ameaça à democracia seguirá presente, com o início do governo de Donald Trump nos Estados Unidos, que, com certeza, irá procurar impulsionar a extrema-direita, em particular em toda a América e na Europa.

Na agenda política, jurídica e cívica do país, um dos principais acontecimentos de 2025 será o julgamento pelo STF dos golpistas. Encontra-se nas mãos da Procuradoria Geral da República (PGR) o relatório do inquérito da Polícia Federal, encaminhado pelo STF, que indicia 37 pessoas, mais da metade militares. Quem puxa a lista é Jair Bolsonaro. São indiciados por três crimes: tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.

Espera-se que até o início de fevereiro a PGR conclua a análise do inquérito. Pela robustez das provas, a expectativa é de que, a começar de Bolsonaro, sejam denunciados. Acatadas as denúncias pelo STF, o julgamento se dará no âmbito da primeira turma, assim constituída: Cristiano Zanin, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Flávio Dino e Cármen Lúcia.

Haverá pressões internas, e mesmo externas, a favor dos golpistas. Trump, por exemplo, vem prometendo, como um de seus primeiros atos de seu governo, anistia aos que organizaram e realizaram a invasão do Capitólio que resultou em destruição, centenas de feridos e três mortes. Por óbvio, tentará, de algum modo, pressionar a Suprema Corte brasileira. Sabe-se da postura serviçal de Bolsonaro e de seu clã a Trump. A extrema-direita, obviamente, vai estrebuchar. Não faltará à coluna que fará coro a demagogia golpista de que anistia seria o caminho para ajudar a pacificar o país.

Uma vez instaurado, será um julgamento histórico e de grandes consequências para o presente e ao futuro imediato da democracia brasileira. Desse modo, as forças democráticas e progressistas devem realizar um amplo movimento cívico para que, respeitado o devido processo legal, haja uma punição exemplar de Bolsonaro e demais golpistas. Não pode ser um julgamento encastelado. Há que haver vigilância do povo. A impunidade ou punições cosméticas seriam um prêmio e um incentivo para que novas ações golpistas sejam perpetradas contra o regime democrático.

O poeta Pablo Neruda, chileno laureado com o Nobel de literatura, ecoando o sentimento e a razão de um povo marcado por golpes e atrocidades de ditaduras, escreveu: “Não vos quero como embaixadores, /tampouco em casa tranquilos /quero ver-vos aqui julgados, nesta praça, neste lugar/ Quero castigo”.

Leia sobre o golpe recentemente frustrado https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/02/golpe-frustrado.html

Em defesa da democracia

Ainda estamos aqui, ao contrário do que planejavam os golpistas, diz Lula
Em ato pela democracia e contra o golpismo da extrema-direita, cujo ápice foi o 8 de janeiro de 2023, representantes dos Três Poderes defendem a união contra o autoritarismo
Priscila Lobregatte/Vermelho 

“Hoje é dia de dizermos, em alto e bom som: ainda estamos aqui. Estamos aqui para dizermos que estamos vivos, e que a democracia está viva, ao contrário do que planejavam os golpistas de 8 de janeiro de 2023”. A fala, feita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ocorreu durante o ato em defesa da democracia, ocorrido nesta quarta-feira (8) no Palácio do Planalto, com a presença dos líderes dos Três Poderes.

A cerimônia — cujo objetivo foi reforçar os valores democráticos do país no dia em que se completam dois anos da tentativa de golpe levada a cabo por bolsonaristas — reuniu dezenas de ministros, parlamentares e autoridades, além dos três chefes das Forças Armadas.

Na ocasião, ocorreu ainda a assinatura do decreto que cria o Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia, a ser promovido pela Advocacia Geral da União (AGU).

Após o ato, Lula desceu a rampa do Palácio, juntamente com representantes do Executivo, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Por fim, acompanhados de outras dezenas de autoridades e na companhia de uma multidão no entorno, Lula e convidados deram as mãos e abraçaram a democracia, simbolizada pela própria palavra escrita em flores no meio da Praça dos Três Poderes.

Ainda estamos aqui

Ao salientar que “ainda estamos aqui”, Lula fez uma referência ao filme Ainda Estou Aqui, baseado em livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva e dirigido por Walter Salles, que conta a história da luta de Eunice Paiva — vivida pela premiada Fernanda Torres — para descobrir o paradeiro de seu marido, o então deputado Rubens Paiva — interpretado por Selton Melo —, assassinado pelos militares. Eunice acabou se tornando uma referência na luta contra a ditadura e pelos direitos humanos.

Em uma fala de improviso, Lula declarou não ser possível imaginar uma melhor forma de governança do que o sistema democrático e completou: “A democracia é tão boa que permitiu que um torneiro mecânico, sem diploma universitário, chegasse à Presidência da República na primeira alternância concreta de poder neste país”.

Lula lembrou as várias vezes em que sua vida esteve em risco — quando enfrentou a fome na infância, um câncer, os problemas em um voo no México e os reflexos de seu recente tombo —, salientando os planos dos golpistas para matá-lo.

“Escapei da tentativa, junto com o Xandão e com o Alckmin, de um atentado de um bando de irresponsáveis, aloprados, que achavam que não precisavam deixar a presidência após o resultado eleitoral e que seria fácil tomar o poder. Eu fico imaginando: se tivesse dado certo a tentativa de golpe deles, o que iria acontecer neste país?”, disse.

Antes de iniciar seu discurso escrito, o presidente também mandou um recado às Forças Armadas. Ao agradecer ao ministro da Defesa, José Múcio, por levar ao ato os chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica, Lula disse que a presença dos militares era uma forma de mostrar ao país “que é possível a gente construir as Forças Armadas com o propósito de defender a soberania nacional; os nossos 16 mil km de fronteira seca; os nossos 5,5 milhões de km2 de mar sob a responsabilidade do Brasil; a maior floresta do mundo; 12% das águas doces; as riquezas de nossos subsolo, solo e fundo do mar e, sobretudo, a soberania do povo brasileiro”.

Democracia está viva 

Ao partir para seu discurso escrito, o presidente Lula pontuou: “Estamos aqui para dizer, em alto e bom som: ditadura nunca mais; democracia, sempre! Se estamos aqui, é porque a democracia venceu; caso contrário, muitos de nós talvez estivéssemos presos, exilados ou mortos, como aconteceu no passado. Não permitiremos que aconteça outra vez”.

Usando essa mesma construção discursiva, Lula continuou dizendo que “se hoje estamos aqui para renovar a nossa fé no diálogo entre os opostos, na harmonia entre os Três Poderes e no cumprimento da Constituição, é porque a democracia venceu. Do contrário, a truculência tomaria o lugar do diálogo e os poderes seriam um só, concentrados nas mãos dos fascistas. A Constituição seria rasgada e os direitos humanos, suprimidos”.

Em outra alusão à extrema direita, dessa vez ao negacionismo e à disseminação de mentiras, Lula salientou: “Se hoje podemos nos guiar pela ciência e vacinar as nossas crianças é porque a democracia venceu. Caso contrário, doenças já erradicadas, como o sarampo e a paralisia infantil, estariam de volta e novas pandemias repetiriam a tragédia da Covid-19, quando centenas de milhares de pessoas morreram pela demora na compra de vacinas e pelas fake news contra os imunizantes”.

Lula também se referiu às obras de arte atacadas pelos golpistas e que foram reconstruídas e entregues hoje. “Se essas obras de arte estão aqui de volta, restauradas com esmero por homens e mulheres que a elas dedicaram mais de 1.760 horas de suas vidas, é porque a democracia venceu. Caso contrário, estariam destruídas para sempre e tantas outras obras inestimáveis teriam o mesmo destino da tela de Di Cavalcanti, vítima do ódio daqueles que sabem que a arte e a cultura carregam a história e a memória de um povo. A arte e a cultura que as ditaduras odeiam, a história e a memória que sempre tentaram apagar”.

Usando a expressão-símbolo da luta por memória, verdade e justiça em relação aos crimes do regime militar — “para que ninguém esqueça, para que nunca mais aconteça” —, o presidente seguiu afirmando que “se hoje podemos contar histórias e ver as histórias livremente contadas no cinema, no teatro, na música e na literatura é porque a democracia venceu. Caso contrário, a arte teria de ser submetida a censores que nos proibiriam de ver, ouvir e ler tudo aquilo que julgassem subversivo”.

Em alusão à música “O bêbado e o equilibrista” — de Aldir Blanc e João Bosco, símbolo da luta pela anistia aos perseguidos pela ditadura — e a Eunice Paiva, o presidente destacou: “Hoje estamos aqui para garantir que ninguém seja morto ou desaparecido em razão da causa que defende. Estamos aqui em nome daqueles e daquelas que não podem mais estar, estamos aqui em nome de todas as Marias, Clarices e Eunices”.

Democracia plena 

Ao mesmo tempo em que exortou a democracia, o presidente disse que se ela é para poucos, não é uma democracia plena. E defendeu que a democracia “será sempre uma obra em construção”.

Nesse sentido, enfatizou que “a democracia só será plena quando todas e todos os brasileiros, sem exceção, tiverem acesso à alimentação de qualidade, saúde, educação, segurança, cultura e lazer. Quando tiverem as mesmas oportunidades de crescer e prosperar e os mesmos direitos de sonharem e serem felizes”.

Lula também colocou que “a democracia só será plena quando todos e todas sejam, de fato, iguais perante a lei e a pele negra não seja mais alvo da truculência dos agentes do Estado; quando os povos indígenas tiverem direito à suas terras, cultura e crenças; quando as mulheres conquistarem igualdade de direitos e o direito de estarem onde quiserem sem serem julgadas, agredidas e assassinadas; quando todas as religiões forem respeitadas e viverem em harmonia porque a fé deve unir e não colocar irmãos contra irmãos; quando qualquer pessoa tiver o direito de amar e ser amada por qualquer pessoa sem sofrer nenhum tipo de preconceito, discriminação ou violência. É essa democracia plena, para todos e todas, que queremos construir no Brasil”.

Ao retornar ao 8 de janeiro, o presidente destacou: “Seremos implacáveis contra quaisquer tentativas de golpe. Os responsáveis pelo 8 de janeiro estão sendo investigados e punidos. Ninguém foi ou será preso injustamente. Todos pagarão pelos crimes que cometeram. Todos. Inclusive os que planejaram o assassinato do presidente, do vice-presidente e do presidente do TSE. Ao mesmo tempo, disse que “todos terão amplo direito de defesa e à presunção de inocência”.

Com relação à liberdade de expressão — usada pelos bolsonaristas como desculpa para emitir discursos violentos e preconceituosos —, Lula afirmou: “Defendemos e defenderemos sempre a liberdade de expressão, mas não seremos tolerantes com os discursos de ódio e fake news, que colocam em risco a vida de pessoas, e a incitação à violência contra o Estado de Direito. Seremos intransigentes na defesa da democracia e renovaremos sempre nossa fé inabalável no diálogo, na união, na paz e no amor ao próximo. Seguiremos trabalhando, dia e noite, para a construção de um Brasil mais desenvolvido, mais justo e mais democrático porque a democracia venceu”.

Três Poderes unidos

O discurso do presidente Lula foi antecedido por falas de representantes dos demais poderes. A primeira foi a deputada Maria do Rosário (PT-RS), que representou a presidência da Câmara.

“Neste data, nos unimos não de uma forma confortável, porque gostaríamos que o 8 de janeiro jamais tivesse existido como horror, como uma manifestação de ódio e de tentativa de destruir não apenas espaços físicos, mas a própria Constituição. Mas, é preciso nos desacomodarmos diante de momentos como aquele para afirmarmos, como poderes, que nunca mais aceitaremos ditaduras”, disse Rosário.

O senador Veneziano Vital do Rego (PMDB-PB), presidente do Senado em exercício, classificou os ataques do 8 de janeiro como “ações absurdas e abjetas”, resultantes de “um processo de meses de narrativas que desejavam o pior para o nosso país, para a cidadania, que seria a volta às arbitrariedades, à ditadura, à tirania, à censura, à tortura e às mortes nos porões. O alvo foi a sociedade brasileira”.

O presidente em exercício do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, iniciou seu discurso lendo uma manifestação do presidente Luís Roberto Barroso: “Os atentados do 8 de janeiro foram a face visível de um movimento subterrâneo que articulava um golpe de Estado. Foi a manifestação de um triste sentimento antidemocrático, agravado pela intolerância e pela agressividade. Um desencontro político e espiritual com a índole genuína do povo brasileiro”.

A mensagem de Barroso também apontou que “a maturidade institucional exige a responsabilização por desvios dessa natureza. Ao mesmo tempo, porém, estamos aqui para reiterar os nossos valores democráticos, a nossa crença no pluralismo e no sentimento de fraternidade. Há lugar para todos que queiram participar sob os valores da Constituição”.

Falando por si mesmo, Fachin também lembrou que a Constituição de 1988 “estabeleceu o modo pelo qual se dá a disputa e a alternância do poder: somente pelo voto popular, direto e secreto, como tem sido feito sob a liderança de uma Justiça Eleitoral que é orgulho para o Brasil. O dissenso deve ser acolhido e os resultados respeitados dentro da legalidade constitucional, e é nessas condições que o país deve se desenvolver social e economicamente”.

Por fim, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, salientou que o ataque à nossa democracia não começou no 8 de janeiro. “O processo foi mais sutil, mais gradual. Passamos a viver um clima de desinformação crescente, alimentado por ataques à eficiência das urnas eletrônicas, ao próprio processo eleitoral e, por conseguinte, à nossa Justiça Eleitoral”.

O ministro disse, ainda, que “vimos surgir um nacionalismo exacerbado e anacrônico que, sob o disfarce de combater a corrupção ou defender a segurança nacional, abriu espaço para práticas que atacavam o próprio coração da nossa democracia. Lamentavelmente, a história do Brasil nos mostra que a tentativa de conspirações não foram exceção. Com inquietante regularidade e sob os mais insólitos pretextos, turbulências institucionais impuseram prolongados períodos de exceção ao país”.

Leia também: O mundo cabe numa organização de base https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/minha-opiniao_18.html

Sylvio: 8 de janeiro

As imagens do 8 de janeiro continuam presentes e devem ser exemplarmente punidas para o bem de nossa democracia. Depois de julgar mais de trezentos participantes o STF se prepara para julgar os financiadores e depois os mandantes dos atos atentatórios ao Estado de direito, mostrando a vitalidade e a pujança do regime democrático. 

Sylvio Belém  

Leia: Jogo duro para além das redes sociais https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/minha-opiniao_6.html

Minha opinião

Benéficas alucinações artificiais 
Luciano Siqueira  

O amigo Epaminondas dá as caras pela primeira vez no ano que se inicia: 

— Alucinações artificiais podem ajudar a ciência. Você viu? 

— Estou por fora...

— Deu no New York Times e a Folha de S. Paulo repercutiu. 

— Como assim?

— É que em seus mecanismos de respostas a questões diversas, a inteligência artificial às vezes produz informações falsas, prejudiciais aos negócios, ao enfrentamento de problemas diversos e até à saúde.

— Isso eu sei...

— A novidade agora é que as "alucinações" da IA podem antecipar hipóteses e raciocínios perscrutadores para além dos humanos e levantar alternativas jamais pensadas. Um arraso! 

Cá do outro lado da linha, sempre precavido contra os exageros do amigo, permiti-me condescendente abertura para o que ele estava dizendo. Na verdade, reverberando o que cientistas haviam dito ao New York Times. 

Fui ao texto no jornal. Admiti que faz sentido, sim. 

Porém com um detalhe: mesmo os aparentes delírios da IA partem de questões formuladas pelos cientistas. 

Ainda bem. Nossa espécie ainda não naufragou definitivamente.

Leia também: "Mergulhar fundo para avançar na superfície" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/meu-artigo-no-portal-da-fundacao.html 

China + Cuba

Contra sanções do Ocidente, China envia ajuda crucial para Cuba enfrentar crise energética
Gigante asiático doa 69 toneladas de peças para geradores, ajudando Cuba a restaurar 400 MW de energia e aliviar os impactos da crise elétrica na ilha   
Rhyan de Meira/O Cafezinho  

Cuba recebeu uma doação enviada pela República Popular da China composta por peças e acessórios para geradores de energia, beneficiando a rede elétrica nacional. O Projeto de Equipamentos e Peças de Reposição para Geradores de Energia em Cuba do governo chinês resulta de acordos assinados pelo presidente cubano Miguel Díaz-Canel e Xi Jinping, seu homólogo na nação asiática.

Hua Xin, embaixador da China em Cuba, afirmou que esta doação — composta por 69 toneladas de radiadores, motores e outros suprimentos relacionados — faz parte do segundo pacote de assistência que a China forneceu a Cuba este ano.

A doação visa restaurar a geração de cerca de 400 MW em mais de 70 usinas movidas a diesel e óleo combustível em toda a ilha, com base no princípio de “agilidade para o mais urgente”.

O diplomata elogiou os laços de amizade entre as duas nações, seus esforços para construir uma comunidade de futuro compartilhado e os resultados da cooperação bilateral em diversos campos.

Falando em nome do governo e do povo cubano, Déborah Rivas Saavedra, vice-ministra do Comércio Exterior, agradeceu à China pela doação, que facilitará o reparo de 38 geradores a diesel e a manutenção de 50 geradores a óleo combustível. Esses esforços possibilitarão alimentar 53.200 residências em Cuba e apoiarão as iniciativas para alcançar a sustentabilidade no setor e melhorar o bem-estar da população.

A vice-ministra também elogiou a dedicação dos trabalhadores da eletricidade cubanos e os desafios diários que enfrentam devido às limitações impostas pela atual política unilateral e coercitiva dos Estados Unidos contra Cuba.

Leia também: Novas parcerias dos BRICS impulsionam multilateralismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/brics-ampliado.html 

Postei no X

Trump publica nas redes sociais mapa em que Canadá aparece como parte dos Estados Unidos. Arrogância imperialista explícita.  

Leia: Jogo duro para além das redes sociais https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/minha-opiniao_6.html 

Palavra de poeta: Walmir Ayala

ATÉ O FIM
Walmir Ayala  

Até o fim com esta garganta
e estes olhos
líquidos, até o fim
com estas mãos trêmulas.

Até o fim com estes pés exaustos
e êstes lábios costurados
ao pé da noite. Até o fim
sem dizer nada.

Até o fim estes canais premindo
o sangue.
Até o fim o obrigatório oxigênio
sobrevivência
no abstrato
difícil ar.

Até o fim a tinta ilesa do amor
na alma,
até que quebrem as epidermes
desta menina,
e o fim prossiga
até o fim.

[Ilustração: Imagem criada em IA]

Leia: "Feliz Ano Novo em Santana do Ipanema" https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/12/minha-opiniao_31.html 

07 janeiro 2025

Big tech abre o jogo

Zuckerberg explicita alinhamento a Trump e assume ofensiva contra regulação
Modelo político da democracia é um entrave aos propósitos de acúmulo de capital
Renata Mielli/Vermelho   

Não demorou mais do que 24 horas da cerimônia de confirmação da eleição de Donald Trump pelo Congresso dos Estados Unidos para que Mark Zuckerberg, CEO da Meta, anunciasse mudanças nas políticas de suas plataformas, como o Facebook e o Instagram.

Em pronunciamento veiculado por vídeo na manhã desta terça-feira (7), Zuckerberg disse que a Meta vai “restaurar a liberdade de expressão” e acabar com a escalada de censura que, segundo ele, é imposta por governos na Europa, Ásia, América e até mesmo pela Casa Branca.

Ele admite abertamente que o apoio do governo Trump será decisivo para que sua companhia retome as rédeas e corrija a rota de suas políticas para que a missão messiânica de suas criações seja cumprida – dar voz às pessoas. “Vamos trabalhar com o presidente Trump para pressionar os governos ao redor do mundo que estão impondo mais censura às plataformas”, disse Zuckerberg.

O argumento da liberdade de expressão é mais uma vez usado como cortina de fumaça para defender o modelo de negócios das plataformas e uma visão ultraliberal que protege discursos de ódio, misoginia, racismo, negacionismo climático, sanitário e científico – e que tem promovido a ascensão da extrema-direita no mundo.

O CEO da Meta acusa a Comunidade Europeia de promover censura. Ataca os países da América Latina (implicitamente o Brasil) por recorrerem a “cortes secretas” para impor medidas de remoção de conteúdos às plataformas, numa menção indireta ao STF (Supremo Tribunal Federal) e às ações contra o X e Elon Musk. E ataca a China, que proíbe o uso de seus apps.

Zuckerberg sai do armário e assume sua posição política de forma explícita no novo contexto internacional. Sobe o tom, atacando a soberania dos países, e se sente “protegido” pela nova política do governo estadunidense, que empodera Musk e outros expoentes da extrema-direita mais agressiva em seu governo.

Em tese, é tudo em nome da liberdade de expressão. Será mesmo?

Conforme o anúncio de Zuckerberg, cinco medidas serão implantadas – inicialmente nos Estados Unidos e, na sequência, em outros países. Cada medida, porém, põe em xeque a proposta de regulação das “big techs” e ameaça a própria democracia. Confira:

1

O que Zuckerberg anunciou: fim da política de checagem de fatos e instauração de notificações da comunidade, semelhante ao que faz o X.

Por que é um risco: não há motivo para substituir a atuação do trabalho de jornalistas em empresas reconhecidas de checagem de fatos por notificações de usuários. Para Zuckerberg, as checagens possuem viés político e impõem restrição à pluralidade de visões no âmbito das plataformas. Ele ataca a mídia tradicional para mostrar que a Meta entra em nova etapa de contra-ataque aos questionamentos que vêm sendo feitos sobre a circulação de desinformação, fake news e discurso de ódio.

Esse argumento é grave porque reforça uma visão de questionamento da atividade jornalística, de ataque aos veículos de comunicação, e contribui para o empobrecimento da circulação de informações minimamente lastreadas em apuração, checagem e tratamento profissional – que inclusive são justificadas e tornadas públicas para poderem ser questionadas, caso haja erro. No lugar disso, Zuckerberg vai empoderar as “vozes da comunidade”, que podem notificar a plataforma sobre quaisquer conteúdos, movidos por sabe-se lá quais interesses políticos e econômicos – e tudo isso sem que haja transparência e supervisão da sociedade.

2

O que Zuckerberg anunciou: simplificação da política de conteúdos e fim das restrições para mensagens sobre imigração e gênero.

Por que é um risco: Zuckerberg afirma que começou sua plataforma para ser mais inclusiva e, portanto, vai acabar com as restrições que vinham sendo impostas aos discursos que vão de encontro às posições majoritárias, calando vozes e ideias dissonantes.  Por mais aparentemente correto que seja essa explicação, é preciso compreender que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, nem tampouco se coloca acima de outros direitos. Por que moderar conteúdos que fazem apologia ao genocídio promovido por Israel em Gaza ou a pessoas comemorando a morte de mulheres e crianças? Desde quando isso deve ser protegido em nome da liberdade de expressão? E o que dizer de conteúdos que propagam supremacia racial, racismo e homofobia ou atentam contra a saúde pública, como no caso dos tratamentos “alternativos&rdquo ; contra a Covid?

A ideia de simplificação das políticas de conteúdo é mais uma cortina de fumaça – desta vez, para frear o mínimo de obrigações que foram conquistadas por legislações nacionais para impedir a circulação desse tipo de conteúdo. Ou seja, é um ataque às iniciativas soberanas de regulação das plataformas, que endossam práticas como as que ocorreram no Brasil, durante as tentativas de votação do PL 2630/2020, que visava à regulação das “big techs”.

Ao usar o senso comum em torno da proposta messiânica de empoderar todas as vozes, em nome da liberdade de expressão, a qualquer custo, como garantia de uma liberdade individual, a Meta, na realidade, promove um ataque violento à dimensão coletiva do direito à liberdade de receber informações confiáveis. A ideia de uma ágora digital totalmente livre resulta, na prática, numa cacofonia, numa babel de pessoas falando ao mesmo tempo. Nesse ambiente, os agentes mediadores são algoritmos de aprendizagem de máquina cada vez mais sofisticados, que distribuem e dão mais alcance aos conteúdos de caráter moral-emocional, de disparo rápido no nosso sistema cognitivo, empobrecendo a discussão baseada em fatos. O resultado é o esfacelamento do debate público, ambiente propício para a formação de crenças baseadas em argumentos de autorid ade, por busca de aceitação em grupos e viés de confirmação, campo no qual a extrema-direita goza de grande vantagem.

3

O que Zuckerberg anunciou: nova abordagem para a política de enforcement a fim de reduzir os erros cometidos pelos sistemas complexos de moderação, que foram desenvolvidos para atender às demandas de restrição de circulação de conteúdos.

Por que é um risco: sob o pretexto de acabar com a censura, Zuckerberg reconhece que os filtros (sistemas automatizados) usados para escanear as violações de suas políticas por parte de usuários removem também conteúdos legítimos. De fato, isso é algo que vem sendo apontado por pesquisadores e ativistas há bastante tempo. O problema de fundo, porém, não é a existência dos filtros e da moderação – mas, sim, a completa ausência de obrigações de transparência sobre a atividade realizada pelas plataformas.

Quais são as intervenções ativas que as plataformas fazem sobre conteúdos, perfis, contas e páginas de terceiros? Em que contextos essas intervenções são feitas? Com quais parâmetros os algoritmos são desenhados? É possível contestar essas intervenções? E revisá-las? Não existe um relatório detalhado que permita à sociedade e ao Estado terem acesso ao que foi removido, rotulado. E, mais grave, as plataformas não têm um ambiente – algo como um repositório ou biblioteca – para onde são direcionados os conteúdos removidos. Isso impede pesquisadores e reguladores de verificar, auditar e estudar o que está sendo alvo de moderação, além de apagar uma parte da história do debate público da sociedade.

4

O que Zuckerberg anunciou: retomada de conteúdos cívicos para a plataforma.

Por que é um risco: há alguns anos, a Meta proibiu o impulsionamento de conteúdos políticos, reduzindo seu alcance e sua distribuição. De acordo com Zuckerberg, a comunidade quer voltar a ver esses conteúdos, como no processo eleitoral norte-americano. “Estamos entrando em uma nova era agora”, diz.

Que nova era é essa? A de Trump e de um governo alinhado com valores políticos ultraliberais, valores culturais reacionários e uma ideologia autoritária de extrema-direita. As plataformas não são empresas política e ideologicamente neutras. A mensagem de Zuckerberg menos de 24 horas após a confirmação da eleição de Trump e a exatos 13 dias de sua posse deixam isso explícito. O CEO da Meta se posiciona politicamente diante do mundo, alinhando-se aos discursos e valores da extrema-direita que cresce em muitos países, impulsionada exatamente pelos novos fluxos informacionais impostos pelas “big techs”.

5

O que Zuckerberg anunciou: mudança da sede de trabalho dos times de conteúdo e moderação, que passarão da Califórnia e para o Texas.

Por que é um risco: Zuckerberg diz que, como a Meta está mudando suas políticas para ampliar a liberdade de expressão, o ideal é que sua equipe trabalhe em locais menos preocupados com os vieses do seu time. Bom, não é mera coincidência que a equipe deixe um estado governado por um democrata, a Califórnia, e migre para o Texas, governado por um republicano. É mais uma evidência do engajamento político de Zuckerberg – e o início de uma contraofensiva das “big techs” para combater as medidas de regulação e as tentativas de a sociedade ter maior agência sobre o debate público. Um debate que está sendo completamente fragmentado pela arquitetura, design e moderação do fluxo informacional por modelos de Inteligência Artificial.

Entre as muitas consequências desse cenário, destaca-se a completa erosão da esfera pública como espaço social onde ocorrem as trocas simbólicas na sociedade, visando à construção de sínteses para o funcionamento de Estados Democráticos de Direito. No fundo, vivemos numa etapa do capitalismo no qual o que está em xeque é exatamente a democracia, bem como as instituições e procedimentos que lhe dão suporte. Nessa etapa, o modelo político da democracia é um entrave aos propósitos de acúmulo de capital. Trump, Musk, Zuckerberg e cia. são os três cavaleiros desse apocalipse informacional.

Leia também: O mundo cabe numa organização de base https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/minha-opiniao_18.html

Enio Lins opina

Fernandas, Eunices, Salles: as histórias e o cinema do Brasil são ouro mundial
Enio Lins  

E o Brasil ganhou com Fernanda Torres um prêmio inédito. Melhor atriz do mundo, no quesito Drama, em filmes realizados em 2024. Esta foi a decisão dos 93 votantes da Hollywood Foreign Press Association, e - como dito aqui no artigo anterior – troféu só superado em fama pelo Oscar. É justo festejar como a brasilidade festejou a vitória na Copa do Mundo de 1958, exorcizando uma frustração nacional, trazendo para casa um primeiro título muito desejado, depois de bater na trave.

FILHA DA MÃE

Fernanda Montenegro foi a primeira brasileira a subir ao palco na solenidade de entrega do Globo de Ouro, em 1999, para receber, em nome da equipe, o Globo de Ouro de Melhor Filme em Língua não-Inglesa produzido em 1998. A película vitoriosa foi “Central do Brasil”, tocante filme – dirigido por Walter Salles – sobre o analfabetismo, o abandono infantil, a malandragem como meio de subsistência, e o sofrido triunfo dos corações generosos. Montenegro, no papel de Dora, a escrevinhadora de cartas, foi indicada ao prêmio de Melhor Atriz de Filmes de Drama, mas perdeu para Elisabeth I, rainha da Inglaterra, em papel vivido por Kate Blanchet. 25 anos depois, a situação se inverteu: Indicado para a finalíssima como Melhor Filme em Língua não-Inglesa, “Ainda Estou Aqui” não superou “Emília Perez”, comédia musical franco-mexicana. Mas Fernanda T orres, sem surpresas, devido a enxurrada de prognósticos positivos, lavou – literalmente – a alma mater.

BRILHO SÓBRIO

Fernanda Torres está insuperável como Eunice Paiva. Atuação intensa e sóbria, na exata medida da personagem real, sem apelar para qualquer recurso que não seja a emoção e dor de uma mulher que, aos 41 anos e mãe de cinco filhos, testemunha o rapto de seu marido, Rubens Paiva, de dentro de sua própria casa pela polícia política da ditadura brasileira, e nunca mais o vê novamente, e nem sequer tem o direito de saber onde o corpo de seu companheiro foi descartado, depois de assassinado sob tortura. Dos horrores dos porões militares, ela levou para sempre as sensações de 12 dias presa numa cela lúgubre, tão-somente para responder a interrogatórios inócuos, sobre temas que os interrogadores sabiam, desde sempre, que ela nada sabia. Uma dúzia de dias de masmorra apenas para multiplicar o medo numa família e intimidar ainda mais toda uma po pulação. Fernanda Torres, com maestria e total domínio da arte, consegue reproduzir a imagem daquela mulher sem arroubos revolucionários, discreta e firme, decidida a não baixar a cabeça frente a um poder terrorista. Destemida, exigiu respostas sobre o marido assassinado, formou-se numa nova faculdade, Direito, para advogar pelos Direitos Humanos para além de sua causa pessoal. Eunice virou uma heroína mundial, uma referência da coragem feminina de resistir ao terrorismo de Estado, graças a atuação profunda, impecável, energizante, de Fernanda Torres. O Globo de Ouro apenas reconhece isso.

GOL DE CLAQUETE

Walter Salles, sem dúvida, merece ser conduzido em triunfo. É o cineasta brasileiro com mais sucesso nas mais badaladas premiações internacionais, mesmo considerando a Palma de Ouro trazida de Cannes, em 1963, por “O Pagador de Promessas” como melhor filme dramático do mundo naquele ano, obra-prima dirigida por Anselmo Duarte (1920/2009) baseado em peça de Dias Gomes. Num país de grandes diretores, de reconhecimento mundial, mas premiados menos que o merecido, como Nelson Pereira dos Santos (1928/2018), Glauber Rocha (1939/1981), Cacá Diégues... os êxitos conquistados no exterior pelos filmes de Walter Salles devem mais valorizados, e mais conhecidos, vistos e revistos, em todo território nacional.

Leia: Fernanda Torres e o Globo de Ouro https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/fernanda-torres-globo-de-ouro.html

Qual "classe média"?

Economia: o Brasil é um país de classe média?
Theófilo Rodrigues/Portal Grabois www.grabois.org.br

“Brasil volta a ter maioria da população nas classes média e alta”. “Com ganho de renda e ascensão social, Brasil volta a ser um país de classe média”. Esse foi o título da matéria que ganhou a capa do jornal O Globo no último domingo (05/01). De acordo com dados da Tendências Consultoria, obtidos pelo Globo, cerca de 50,1% dos domicílios brasileiros estão nas classes C para cima, o que caracterizaria o país como de classe média. Essa pesquisa segmenta a estrutura de classes brasileira a partir do seguinte recorte de renda: as classes D e E (49,4%) são formadas por famílias com rendimento domiciliar menor que R$ 3,5 mil; a classe C (31,2%) está entre R$ 3,5 mil e R$ 8,1 mil; a classe B (15%), entre R$ 8,1 mil e R$ 25 mil; e a classe A (4,4%) está acima de R$ 25 mil.

Imediatamente a notícia tomou conta das redes sociais das principais lideranças do governo federal e do PT. “A ascensão social da maioria dos brasileiros em 2024 é o resultado direto da retomada do emprego e do aumento real dos salários no governo do presidente Lula”, escreveu a presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann, em sua conta no Twitter. Ministro da SECOM, Paulo Pimenta exaltou a notícia: “O Brasil ser um país de classe média é um desejo do presidente Lula que agora volta a se concretizar”. Já o presidente Lula, ao divulgar a matéria em suas redes, afirmou que “esse é o país que estamos construindo juntos, onde as famílias têm mais emprego e renda, mais oportunidades e crescimento econômico”.

A polêmica em torno do conceito de classe média

Há cerca de quinze anos sociólogos e economistas promoveram um grande debate na esfera pública brasileira acerca dessa questão. Tudo teve início em 2008 com a publicação de “A nova classe média: o lado brilhante dos pobres” (Rio de Janeiro: CPS/FGV, 2008) e, posteriormente, em 2011, com a publicação de “A nova classe média: o lado brilhante da base da pirâmide” (São Paulo: Saraiva, 2011), ambos livros de Marcelo Neri. Economista do Centro de Políticas Sociais da FGV, Neri analisou com dados estatísticos e quantitativos como milhões de brasileiros ingressaram na nova classe média a partir do início do governo Lula em 2003. A novidade de seu trabalho estava em avaliar não o crescimento econômico do país, medido pelo PIB, mas sim o crescimento da renda, do poder de compra dos cidadãos. A inter pretação, claro, caiu como uma luva para o governo federal sedento por apresentar publicamente seus resultados econômicos. O sucesso desses livros no interior do governo foi tão grande que Neri acabou sendo convocado no ano seguinte para assumir a presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cargo em que permaneceu até 2014, quando foi efetivado como ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE).

A resposta mais imediata ao trabalho de Neri não veio de um economista, mas sim de um sociólogo. Em livros como “A ralé brasileira: quem é e como vive” (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009) e “Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?” (Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010), Jessé Souza criticou a abordagem liberal de Neri, por considerar o deslocamento de classe como uma variável tão somente de renda. Referenciado teoricamente em Pierre Bourdieu, Jessé incorporou outras dimensões simbólicas como capital cultural para a sua interpretação da estrutura de classes no Brasil. Diferentemente da pesquisa estatística e quantitativa de Neri, Jessé preferiu a pesquisa qualitativa para compreender esse mundo social. Curiosamente, foi justamente Jessé quem assumiu a presidência do IPEA em 2015, pouco dep ois da saída de Neri. Seria esse um sinal de que o governo Dilma percebeu que apenas a renda e o consumo não seriam suficientes para a mudança qualitativa do país?

Outra crítica ao conceito de nova classe média de Neri apareceu em 2012 com a publicação do livro “Nova Classe Média? O Trabalho na Base da Pirâmide Social Brasileira” (São Paulo: Boitempo, 2012), e em 2014, com “O mito da grande classe média: capitalismo e estrutura social” (São Paulo: Boitempo, 2014), ambos de Márcio Pochmann. Economista da Unicamp de matriz marxista, Pochmann também acusou o viés liberal da abordagem de Neri. O ponto de Pochmann é que a melhoria na renda da classe trabalhadora ocorrida naqueles anos aconteceu exclusivamente na base da pirâmide social, entre os mais pobres, e não na suposta classe média. Diga-se de passagem, Pochmann havia sido o antecessor de Neri na presidência do Ipea entre 2007 e 2012.

Professor do Departamento de Sociologia da USP de uma linhagem trotsko-gramsciana, Ruy Braga concordou com a tese de Pochmann de que a principal ascensão de renda nesse período ocorreu na base da pirâmide e não na camada média. No entanto, Braga inovou em “A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista” (São Paulo: Boitempo, 2012) ao identificar que esse grupo social que teve aumento de renda foi o precariado, entendido como o proletariado precarizado, ou seja, a parcela da classe trabalhadora que se encontra inserida nas condições mais degradantes de trabalho.

Nesse ínterim, merece destaque ainda a leitura feita por André Singer em 2012 em “Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador” (São Paulo: Companhia das Letras, 2012), que ele definiu como subproletariado. Para Singer, seria esse subproletariado – as camadas mais pauperizadas da sociedade brasileira – a classe beneficiada pelas políticas do primeiro ciclo progressista (2003-2016) – ciclo político que Singer chama de lulismo.

Nenhum dos críticos do conceito de nova classe média negou a existência de uma ascensão no poder de compra de parte da classe trabalhadora no primeiro ciclo progressista (2003-2016). O que sempre esteve em questão foi a interpretação sobre o significado dessa ascensão em termos de classe. Com efeito, o grande problema é a confusão entre renda média e classe média. Renda é uma categoria econômica, ao passo que classe é uma categoria sociológica.

Ao celebrar o Brasil como um país de classe média, a consequência direta entre os tomadores de decisão é a invisibilização das outras parcelas da população que estão nos estratos D e E e que possuem rendas insuficientes para a própria sobrevivência digna. Um burocrata qualquer entusiasta do ajuste fiscal poderia dizer que, se o Brasil já é um país de classe média, manter a política de valorização do salário-mínimo talvez não seja algo tão importante assim. Ademais, é sempre bom lembrar que, de acordo com o Dieese, o valor do salário-mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria ser de aproximadamente R$ 7.000 em 2024, ou seja, o dobro do que ganha a tal classe média tão celebrada.

Seja como for, o que é certo é que o conceito economicista de classe média, baseado tão somente na renda, confunde mais do que explica. Trata-se apenas de uma segmentação de camadas sociais, não de classes. Classes sociais são mais bem compreendidas quando analisadas pela lógica da posição dos grupos sociais nas relações de produção. Esse caráter relacional que constitui as classes sociais permite ao intérprete compreender melhor os interesses contraditórios entre as classes e o papel de cada uma delas no sistema de exploração. Algo que é invisibilizado pela abordagem economicista e liberal da classe média.

Governo Lula 3: repetição da abordagem economicista?

Os dados mostram que o primeiro ciclo progressista (2003-2016) obteve sucesso, ainda que moderado, em elevar a renda da população mais pobre. Gerar empregos e aumentar salários é certamente uma boa forma de redistribuir renda e reduzir o conflito distributivo. A consequência imediata é o aumento do poder de consumo da população, fazendo girar a roda do desenvolvimento capitalista. Esse segundo ciclo progressista iniciado em 2023 parece querer repetir essa mesma fórmula, não obstante as pressões do mercado financeiro em favor de um ajuste fiscal que vai na contramão desses interesses desenvolvimentistas.

Contudo, não é só o poder de consumo que pode reorganizar o sistema de classes e a hegemonia. Aliás, isso ficou muito claro com a ascensão fascista no período 2016-2022. O primeiro ciclo petista cometeu o erro de, em paralelo à agenda da redistribuição econômica, não ter apostado na agenda da disputa de consciências. Soterrada por uma avalanche de informações que vem das teologias da prosperidade e do domínio, das fake News da extrema-direita, e do monopólio da comunicação neoliberal, a classe trabalhadora se vê constrangida ou mesmo perdida em um labirinto. Nesse contexto, o aumento da renda e do poder de consumo dificilmente será suficiente para reorganizar consciências e disputar hegemonia.

Não há dúvidas de que a hegemonia se constrói na sociedade civil. Mas o Estado também tem um papel pedagógico fundamental nesse processo. No caso de um governo federal dirigido por forças progressistas, as políticas culturais, de comunicação e de educação não deveriam ser vistas como setores menores ou burocráticos, mas sim como espaços estratégicos para a luta de ideias e a organização das classes. Espera-se que o segundo ciclo progressista tenha aprendido com seus acertos do primeiro ciclo para repeti-los. Mas também se espera que tenha aprendido com seus erros para não os repetir.

Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM. É coordenador do Grupo de Pesquisa Cultura & Sociedade da Fundação Maurício Grabois

Leia sobre a inevitável polarização na sociedade brasileira https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/minha-opiniao_4.html