A construção coletiva das idéias é uma das mais fascinantes experiências humanas. Pressupõe um diálogo sincero, permanente, em cima dos fatos. Neste espaço, diariamente, compartilhamos com você nossa compreensão sobre as coisas da luta e da vida. Participe. Opine. [Artigos assinados expressam a opinião dos seus autores].
31 janeiro 2025
Palavra de poeta: Marcelo Mário de Melo
DESILUSÃO
O Brasil e as Big Techs
Soberania digital: caso DeepSeek e os desafios do Brasil na Era das Big Techs
O artigo analisa os desafios do país para reduzir a influência das big techs e liderar iniciativas inovadoras. Caminho passa por investimentos em tecnologias livres, inovação e infraestruturas soberanas.
Alexandre Santini/Portal Grabois
A espetacularizada presença dos oligarcas da tecnologia na posse de Donald Trump ganhou ares de anúncio de uma nova ordem mundial. A aliança de figuras como Elon Musk, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg com o Trumpismo revela uma intersecção entre poder econômico, político e tecnológico, com consequências duradouras e nefastas para a democracia e para a sociedade global.
E o poder da nova aliança ultrapassa em muito os limites da América. Estas grandes corporações – Meta, Google, X, Amazon, etc – moldam a comunicação, a circulação de informações e o consumo em escala global. A formação da opinião pública passa hoje por estas plataformas, em uma ambiente onde predomina a manipulação de narrativas políticas, discursos de ódio e fake news, que ameaçam a integridade democrática.
A polarização e a radicalização do debate público é um elemento implícito e estrutural no próprio modelo de negócio e funcionamento destas plataformas controladas por big techs. O foco no engajamento resulta nas chamadas bolhas informativas onde os usuários, expostos a informações seletivas, reforçam preconceitos e sistemas de crenças, criando divisões e polarizações.
A hegemonia tecnológica e comunicacional destas plataformas se torna ainda mais alarmante quando consideramos o papel que desempenham em eventos sociais e políticos. Pessoas, organizações, instituições, empresas e mesmo Estados nacionais se tornaram dependentes destes mecanismos em suas estratégias de relacionamento, comunicação social, negócios e todo tipo de interação pública e privada. Como romper este ciclo de dependência e submissão do debate público e da liberdade de expressão a tais mecanismos de poder corporativo?
O anúncio público de Mark Zuckerberg, dias antes da posse de Trump, sobre a eliminação de mecanismos de verificação e sua postura de enfrentamento às regulamentações nacionais em nome da “liberdade de expressão” nas plataformas Meta – Instagram, Facebook e WhatsApp – torna urgente o que já era necessário.
Por um lado, é fundamental atuar nas esferas jurídica, legislativa, administrativa e em organismos internacionais, como vêm fazendo o Brasil, a China e países da União Européia, com a adoção de diversas iniciativas de combate à desinformação, proteção de dados e segurança de usuários no ambiente virtual, com regulamentações que garantam a transparência, a responsabilidade e a proteção dos direitos dos cidadãos. Mas trata-se, ainda, de ações reativas e defensivas.
A esta altura, torna-se imperativo construir portas de saída que rompam com este ciclo de dependência tecnológica e comunicacional. O lançamento do modelo de Inteligência Artificial chinês DeepSeek-v3 abriu uma nova etapa na disputa pela soberania digital e tecnológica no mundo.
Com um investimento de US$ 6 milhões – valor significativamente menor do que os cerca US$ 100 milhões investidos por empresas como a Meta e OpenAI -, utilizando chips mais simples e métodos de treinamento otimizados, a startup chinesa derrubou as ações das gigantes da IA, com sua abordagem mais econômica e eficiente no desenvolvimento da tecnologia de ponta. Seus desenvolvedores ainda foram além: disponibilizaram o modelo em open source, código-fonte aberto, permitindo que outros países, empresas e instituições adotem e implementem a tecnologia livremente.
O Brasil já teve momentos de pioneirismo e inventividade na adoção de tecnologias open source. No primeiro governo Lula, o país se destacou por uma abordagem crítica e inovadora, apostando no potencial democratizador da internet.
Houve incentivo ao uso de softwares livres, com órgãos governamentais rodando em suas máquinas o sistema operacional Linux. O então ministro Gilberto Gil se declarava um “ministro hacker” e entrelaçava os Pontos de Cultura em seus territórios com as tecnologias livres da Cultura Digital. Foram encontros de conhecimentos livres reunindo o ancestral e o digital, ampliação do acesso a internet de baixo custo em comunidades indígenas e quilombolas, metarreciclagem e experimentações que posicionaram o Brasil na vanguarda em iniciativas ainda inexploradas no ambiente digital.
A Google ainda engatinhava, não havia Facebook. Eram tempos de blogs, MSNs, ICQs, Orkut. Tivesse o Brasil dado estímulo, centralidade e prioridade estratégica a este ambiente criativo em torno de um sistema público baseado em códigos abertos e tecnologias livres, talvez pudéssemos estar em um outro patamar no que diz respeito à soberania digital e tecnológica.
O povo brasileiro é curioso, inventivo e criativo. Sua capacidade de metabolizar, incorporar e adaptar-se às ferramentas digitais é notável. Brasileiros são uma comunidade de usuários importante e expressiva em todas as plataformas digitais.
Com estratégia e visão de longo prazo, com ciência, tecnologia e inovação, nosso país pode voltar a se posicionar como protagonista nesta cena global. Investimento público robusto em infraestruturas soberanas, que contribuam para arquitetar outros arranjos que nos tornem menos dependentes das plataformas digitais corporativas.
O Brasil tem legitimidade para liderar movimentos dessa natureza, oferecendo ao mundo alternativas ao horizonte distópico projetado pelos autocratas do Vale do Silício.
Alexandre Santini é gestor cultural, especialista em políticas públicas de cultura, pesquisador e escritor. Atualmente, preside a Fundação Casa de Rui Barbosa.
Perguntei ao DeepSeek
quem escreveu o artigo "O mundo cabe numa organização de base".
Gostei da resposta https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/minha-opiniao_30.html
Postei no X
A manchete do dia: Trump agride; a China progride.
Leia: Entre a prisão e fuga https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/minha-opiniao_22.html
Editorial do 'Vermelho'
Novo aumento de juros somente beneficia o capital financeiro. É nocivo ao Brasil e ao povo
O Copom, agora sob nova direção, errou ao se submeter a uma diretriz que já se apresentara gravemente equivocada, agravada pelos efeitos danosos já patentes de uma política monetária de matriz neoliberal
Editorial do Portal 'Vermelho' www.vermelho.org.br
A decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) de promover mais um forte aumento na taxa básica de juros, a Selic, de 12,25% para 13,25% ao ano, tem sérias consequências para o país e para a vida do povo. É a quarta elevação consecutiva, num ciclo de muita pressão do mercado financeiro. Com um detalhe: é a primeira reunião do Copom sob o comando de Gabriel Galípolo, novo presidente do BC, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O Copom, agora sob nova direção, errou ao se submeter a uma diretriz que já se apresentara gravemente equivocada, agravada pelos efeitos danosos já patentes de uma política monetária de matriz neoliberal. E, aos olhos do povo, ficou a mensagem negativa: ano novo e a velha e nociva política de juros altos.
Vejamos os sinais negativos da economia decorrentes da política de juros altos.
O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024 deve alcançar a marca de 3,5%; já em 2025, em grande medida devido à paulada dos juros, deve cair para cerca de 2,5%, segundo estimativas do próprio Ministério da Fazenda. Quer dizer: menos investimentos, menos produção, menos emprego, menos salários, menos direitos. E, crédito mais caro, menos consumo.
Dados da produção industrial apresentam retração, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim como as vendas do comércio varejista. Os efeitos podem ser notados pelos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego, mostrando que foram fechadas 535.547 vagas formais de trabalho em dezembro.
E mais: a confiança do consumidor, medida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), fechou 2024 com recuo de 3,6 pontos. A confiança empresarial, na média de todos os setores, teve queda de 0,1 ponto em dezembro, a segunda consecutiva. A percepção sobre o desempenho atual dos negócios também piorou.
O Brasil chegou à segunda maior taxa real de juros no mundo. Em primeiro lugar, está a Argentina, com 9,36%, ante 9,18% do Brasil.
Ideólogos neoliberais sustentam que se trata de notícias ruins, que vão gerar anúncios positivos no futuro imediato. Falácia. São sinais muito evidentes e preocupantes que, tendencialmente, empurram o país para trás. Tais ideólogos disseminam a concepção de que o país está condenado a uma taxa medíocre de crescimento, muito aquém de suas potencialidades e necessidades. O crescimento, mesmo que na faixa mediana de 3%, entra na linha de tiro, como o grande vilão.
O pretexto é um surto inflacionário que não existe. Basta ver o comportamento do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que fechou 2024 em 4,83%. A alta foi puxada pelo aumento de 7,69% dos alimentos e de 9,71% da gasolina, influenciada pela seca, as enchentes no Rio Grande do Sul e a alta do dólar, num movimento especulativo do mercado financeiro para pressionar por mais juros. Tais vetores inflacionários, como argumentam economistas de vários matizes, sobretudo o aumento dos alimentos, não se resolve com juros altos.
Quanto a 2025, previsões do mercado financeiro, pelo relatório Focus do BC – que por vezes não se confirmaram –, apontam para 5,25% de inflação, acima de uma meta erroneamente fixada num patamar muito baixo. Todavia, mesmo assim, na mesma previsão, deve se reduzir para 4,2% em 2026. O Conselho Monetário Nacional (CMN), segundo o BC, definiu que a meta para a inflação, a partir de janeiro de 2025, é de 3 %, mesmo valor vigente em 2024 e que havia sido anteriormente definido para 2025 e 2026, com tolerância de 1,5% em relação à meta. Isto é, de 1,5% a 4,5%. Ou seja: o próprio mercado financeiro diz que não existe o alegado surto inflacionário.
A outra chantagem do mercado, a denominada crise fiscal, foi em definitivo desmascarada. Ao considerar apenas os gastos dentro do arcabouço fiscal, o déficit primário ficou em R$ 11,032 bilhões (0,09% do PIB). O valor está dentro da margem de tolerância de R$ 28,75 bilhões estabelecida pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024, conforme informa a Agência Brasil.
É preciso considerar também que os chamados “fundamentos da economia” apresentam resultados consistentes. A começar pelo crescimento do PIB de 3,2% em 2023 e de 3,5% em 2024, conforme projeção do BC. A balança comercial teve superávit de US$ 74,5 bilhões em 2024, segundo melhor resultado da série histórica iniciada em 1997, atrás apenas do registrado em 2023, que foi de US$ 98,9 bilhões. A dívida pública, de 76,1% do PIB, conforme recente divulgação do BC, é considerada administrável, embora ostente o maior pagamento de juros em termos percentuais do mundo.
São dados que reforçam o potencial de expansão dos investimentos públicos e privados. O comunicado do Copom, entretanto, ignora tudo isso e segue impregnado do repertório do capital financeiro. Esgrima, de modo absoluto, a âncora da inflação. E segue omisso quanto às necessidades do desenvolvimento e da geração de emprego.
Como era de se esperar, o setor produtivo – sobretudo a indústria e o movimento sindical – se manifestou com indignação. Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), resumiu a questão ao afirmar que essa decisão “depõe contra a nossa economia, contra a produção industrial, contra o consumo das famílias, contra a melhoria da renda das famílias, contra a política de geração de emprego”. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) disse que essa política monetária é “a crônica de uma morte anunciada” para o país.
O grande vilão não é o crescimento econômico, tampouco a geração de empregos, muito menos o consumo das famílias, os direitos do povo. É a oligarquia financeira, que atua para prolongar um modelo que drena grande parte da riqueza nacional para assegurar seus ganhos exorbitantes, às custas do bloqueio do desenvolvimento soberano do país.
Somente uma convergência de amplos setores, abarcando empresários e trabalhadores, forças políticas democráticas, patrióticas, populares, conseguirá construir uma maioria capaz de viabilizar uma política monetária que seja alavanca do desenvolvimento. A nova diretoria do BC, tendo à frente Gabriel Galípolo, é chamada a operar com celeridade o fim da política de juros altos herdada do governo da extrema-direita. Para tal, tem o respaldo do programa eleito nas urnas em 2022, apoio da produção e do trabalho e da ampla maioria do povo.
Leia também: Galípolo e o desafio de menos juros e mais desenvolvimento nacional https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/10/editorial-do-portal-vermelho.html
Minha opinião
Eleições em moto-contínuo*
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
O calendário
eleitoral brasileiro não dá descanso, termina uma eleição e já começam os
preparativos para a próxima. Sobretudo, quando se trata da eleição
presidencial, de governadores, senadores e deputados.
Institutos
especializados antecipam pesquisas que, no atual estado da arte, captam apenas
tendências iniciais. Na verdade, há um tempo hábil para que as coisas
aconteçam de fato.
Recordo-me das
eleições para governador em 1986. Deputado estadual, fui abordado por um
colega na Assembleia Legislativa, influente liderança no Agreste Setentrional,
que tem Caruaru como cidade polo: “Você é amigo de Miguel Arraes, diga para ele
que estou disposto a apoiá-lo.”
Tratava-se de uma
defecção de peso nas hostes adversárias, ao meu olhar, ainda inexperiente,
merecedora de atenção imediata.
No mesmo dia estive
com Arraes, em sua residência, para tratar do assunto.
Depois de me ouvir,
nosso pré-candidato a governador fez considerações a propósito das alianças
amplas e diversificadas e confirmou que aquela seria uma adesão talvez
decisiva.
Entretanto, sugeriu
que haveria um tempo político adequado para que a aliança se consumasse:
“Agamenon Magalhães dizia que deputado governista só muda de lado seis meses
antes das eleições, para evitar perseguições”.
“Mantenha essa
amizade, diga que me deu o recado” — prosseguiu — “alimente a conversa até que
possamos ter um entendimento pessoal”.
Assim foi feito e, na
continuidade, foi-se construindo gradativamente o favoritismo de Arraes no
pleito que se aproximava.
“No interior, a
expectativa de poder é mais sedutora do que o próprio poder”, passei a ouvir de
vários interlocutores.
Agora, aqui na terra
do frevo, fala-se muito num possível favoritismo do atual prefeito do Recife,
João Campos (PSB), coincidentemente bisneto de Arraes, na próxima peleja pelo
governo do estado. Mas, a atual governadora, Raquel Lyra (PSDB), reage.
João tem a
perspectiva; Raquel, as rédeas do governo.
Cá com meus modestos
botões e me arvorando a dizer que o tempo me fez aprender muito, ainda temos um
ano pela frente para que as condições da disputa sejam efetivamente postas à
mesa.
Vale também para a
reeleição (ou sucessão) do presidente Lula.
O centro político
conservador e a extrema direita, reforçados pelo complexo midiático
comprometido com o capital financeiro e com agronegócio exportador, torpedeiam
o governo interruptamente.
A correlação de forças segue muito instável e difícil.
Mas Lula tem como reagir — especialmente se conseguir superar o relativo
marasmo da base social para a qual o governo trabalha, com a ajuda dos partidos
de esquerda e dos segmentos organizados do movimento popular.
Eleição não pode ser
em moto-contínuo. Respirar é preciso — para que tenham lugar a paciência, a
capacidade de encontrar os meios adequados de isolar o adversário principal,
unir as nossas forças e atrair novos aliados e ainda, se possível, neutralizar
parte dos que hoje militam no campo adversário.
*Texto da minha coluna no portal Vermelho
Leia: 'Mergulhar fundo para avançar na superfície" Mergulhar fundo para avançar na superfície https://grabois.org.br/2024/11/18/luciano-siqueira-mergulhar-fundo-para-avancar-na-superficie/
Uma crônica de Ruy Castro
Édito ou inédito
Por que se diz que um escritor vai lançar um livro inédito e um compositor, um disco de inéditas?
Ruy Castro/Folha de S. Paulo
Acabo de saber que o papa Francisco vai lançar um livro inédito, intitulado "A Esperança Nunca Decepciona". Ótimo. Sou seu fã, como papa e como pessoa, e mais ainda por ele ser dado a escrever livros. Alguns: "Deus É Jovem", "Sabedoria das Idades", "Vamos Sonhar Juntos", "O Amor É Contagioso", "Quem Sou Eu Para Julgar?". Longe de ser religioso, talvez os leia algum dia. Quem sabe me converto e sano parte dos meus pecados?
O que me intriga na notícia é o "inédito". Por que o papa lançaria um livro "inédito"? Por que "inédito"? Por acaso vive soltando coletâneas de textos já publicados em livros anteriores, a ponto de ser notícia que, depois de algum tempo, ele se sentou para escrever um livro novo, daí "inédito.
Há duas categorias particularmente chegadas a produzir "inéditos": os escritores e os compositores. Todo dia ouço que Fulano vai lançar um disco de "inéditas". Serão, talvez, canções novas, que ninguém ainda escutou? Mas não é assim com todos os discos novos que eles lançam? Por que nunca leio que o pintor X inaugurará uma exposição de obras "inéditas"? Ou que o cineasta Y anuncia o lançamento de seu filme "inédito"? Ou que o dramaturgo Z vai estrear uma peça "inédita"?
O contrário de "inédito" é "édito", ou seja, que foi editado. Donde tudo que é editado pela primeira vez será "inédito", não?
Em 1605, por exemplo, Miguel de Cervantes publicou seu romance inédito "Don Quixote"; Jane Austen, em 1813, o também inédito "Orgulho e Preconceito"; em 1900, Machado de Assis, o igualmente inédito "Dom Casmurro"? Mas o que dizer de "Os Três Mosqueteiros", de Alexandre Dumas, que, ao aparecer em livro em 1844, já havia saído em capítulos diários, no formato folhetim, num jornal de Paris? Deixara de ser "inédito"? Nesse caso, quase nada da literatura francesa ou inglesa do século 19 terá sido inédita —tudo saiu primeiro no jornal.
Nelson Rodrigues, que, para pagar as contas, tinha de escrever três crônicas por dia, às vezes pegava uma crônica antiga, alterava a primeira frase e a publicava de novo. E dizia: "Inédito é tudo aquilo que você não leu".
Leia: Há vida a milhões de anos luz? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/09/vida-milhoes-de-anos-luz.html
Salários & inflação
85% das negociações salariais em 2024 garantiram ganhos acima da inflação
Relatório do Dieese aponta que maioria dos reajustes superaram o INPC, com aumento real médio de 1,37%, o maior índice desde o início da série histórica em 2018
Lucas Toth/Vermelho
O ano de 2024 terminou com o maior percentual de reajustes salariais acima da inflação desde 2018, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), divulgado nesta quinta-feira (23). De acordo com o estudo, 85% das negociações coletivas resultaram em ganhos reais para os trabalhadores. A média de aumento real foi de 1,37%, também a maior desde que a pesquisa começou a ser realizada, em 2018.
Entre as negociações analisadas, 11,4% tiveram reajustes equivalentes ao índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), enquanto 3,6% ficaram abaixo do indicador. A inflação oficial de 2024 foi de 4,84%, e o reajuste necessário para manutenção do poder de compra é estimado em 4,77% para janeiro de 2025.
A análise aponta que os aumentos acima da inflação foram amplamente disseminados entre os setores econômicos. A indústria (85,8%) e o setor rural (86,6%) lideraram em percentuais de ganhos reais, enquanto o setor de serviços registrou o maior aumento médio (1,5%). No comércio, 81,5% dos acordos resultaram em reajustes acima da inflação, com um ganho real médio de 0,96%.
Regionalmente, o Nordeste foi a única região onde menos de 80% das negociações garantiram ganhos reais (79,4%). As regiões Sudeste e Sul se destacaram, com 87,6% e 84,7% das negociações resultando em aumentos acima da inflação, respectivamente. O maior ganho real médio foi registrado no Sudeste, com 1,51%.
Os pisos salariais também apresentaram avanços, atingindo valores médios e medianos mais altos desde 2018, atualizados pelo INPC. O piso salarial médio em 2024 foi de R$ 1.742,82, enquanto o mediano ficou em R$ 1.624,28. O setor de serviços teve o maior piso médio, com R$ 1.779,09, enquanto o comércio registrou o menor, com R$ 1.658,30.
Na visão do Dieese, esses resultados refletem a política de valorização do salário mínimo, retomada pelo governo Lula, e o fortalecimento das negociações coletivas, sob a liderança do movimento sindical. O período também foi influenciado por uma menor inflação em comparação aos anos de 2021 e 2022, que haviam pressionado os índices de reajuste necessários.
Apesar do cenário positivo na maior parte do ano, o último trimestre de 2024 registrou uma queda no percentual de negociações com ganhos reais, caindo para cerca de 75%, acompanhada de um aumento nos casos de reajustes abaixo do INPC (12% em dezembro). Esse movimento foi atribuído ao aumento da inflação no período.
O estudo do Dieese destaca a necessidade de continuar fortalecendo os instrumentos de negociação coletiva e monitorando a inflação, para garantir que o poder de compra dos trabalhadores seja mantido. Em 2025, os desafios incluem manter o ímpeto das negociações em um cenário econômico ainda em recuperação.
Leia sobre a resistência ao trabalho precarizado https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/resistencia-ao-trabalho-precarizado.html
Palavra de poeta: Cida Pedrosa
Urbano
Cida Pedrosa
hoje na minha boca
não cabem girassóis
cabe um poemapodre
cheiro de mangue capibaribe
um poemaponte
galeria esgoto chuvas de abril
um poemacidade
fumaça ferrugem fuligem
hoje na minha boca
cabe apenas o poema
o poema convidado da agonia
[Ilustração: Alexandr Ilichev]
Leia também: Os clarins de Momo se aproximam https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/minha-opiniao_24.html
30 janeiro 2025
Trump & América Latina
"Destino Manifesto": Marte no céu, expropriação na terra
A América Latina continua a ser concebida como região subordinada aos interesses dos Estados Unidos e fonte abundante de recursos naturais, ameaçados pelas ambições de crescimento chinês
Luciana Wietchikoski e Lívia Peres Milani/Le Monde Diplomatique
A rivalidade com a China é, talvez, um dos poucos consensos políticos entre o recém-empossado presidente dos Estados Unidos e seu antecessor, o que revela o apoio em comum à manutenção da hegemonia. Há diferenças apenas nas formas, na intensidade e no discurso, pois Donald Trump traz uma retórica permeada de bravatas e de xenofobia, prometendo uma política mais agressiva. Nesse contexto, embora anunciada como dispensável, a América Latina continua a ser concebida como região subordinada aos interesses da potência e fonte abundante de recursos naturais, ameaçados pelas ambições de crescimento chinês. Intensificam-se, assim, os incentivos ao extrativismo, modelo econômico profundamente violento que marca a história lati no-americana.
O extrativismo, como pontua Maristella Svampa[1], é uma expressão periférica do capitalismo, baseado na inserção internacional via exportação de recursos naturais. Trata-se de um modelo de acumulação baseado na expropriação da natureza e na concepção desta como fonte inesgotável de recursos. Suas origens remontam ao processo de conquista e colonização das Américas e sua consolidação definiu a inserção subordinada da região na economia internacional. Internamente, produziu sociedades marcadas pela desigualdade, com altos lucros paras as classes e regiões dominantes, enquanto outros territórios são destruídos e marginalizados. A América Latina é, assim, ciclicamente, vista c omo fonte de minérios, gás, petróleo e, em tempos de transição energética, lítio.
Estes recursos exportados contribuíram para a industrialização no Norte Global, primeiro da Europa e, depois dos Estados Unidos. Há mais de 200 anos, os Estados Unidos buscam expansão: inicialmente territorial e, posteriormente, de sua influência. A política de expansão, justificada como “Destino Manifesto”, promoveu as condições necessárias à transformação do país em potência global, com recurso ao genocídio interno e ao imperialismo externo. Essa história de expansão é contada de forma épica por Trump no discurso presidencial, que a atualiza de forma caricatural com a promessa de “fincar as estrelas e listras [da bandeira dos EUA] no planeta Marte”[2].
A expansão dos EUA passou pela transformação da América Latina em “zona de influência”, condição necessária para a ascensão hegemônica da potência. Esta influência foi sustentada ao longo do tempo por uma ampla burocracia voltada à proteção dos interesses da grande potência ao Norte, frequentemente garantida por meio de golpes de Estado, influência econômica e, nada raro, intervenções militares. Embora os Estados Unidos não utilizem a força militar direta na América Latina desde a invasão do Panamá em 1989, a região continuou sob o jugo dos interesses estadunidenses. Por exemplo, em nome da estabilidade regional, os EUA elaboraram e investiram mais de 10 bilhões de dólares no Plano Colômbia e, em meio à ascensão de governos de esquerda e progressistas na regi&atil de;o, reativaram a 4ª Frota Naval em 2008, durante o governo George W. Bush.
Além dessas ações, no Brasil, a Petrobras tornou-se alvo de atenção, especialmente após os desdobramentos da Operação Lava Jato, iniciada em 2014. Vazamentos, como os divulgados por Edward Snowden em 2013, indicaram que a Agência de Segurança Nacional dos EUA espionou a empresa, levantando suspeitas sobre o interesse em informações privilegiadas sobre o pré-sal, uma das maiores reservas de petróleo descobertas no século 21. Permanecia, assim, a visão da região como fonte de recursos e como um espaço de garantia da expropriação necessária à hegemonia da potência do Norte.
Da mesma forma, na Bolívia, o foco está no lítio, essencial para a produção de baterias de veículos elétricos e dispositivos eletrônicos – onde o extrativismo se renova em meio à transição energética. Durante o governo de Evo Morales, que durou de 2006 a 2019, a nacionalização dos recursos naturais dificultou a entrada de empresas estadunidenses no setor, como a Tesla. Contudo, após a renúncia de Morales em 2019, a empresa demonstrou maior interesse no lítio boliviano, evidenciando a continuidade das disputas econômicas na região. Ou seja, apesar da aparente baixa prioridade, a América Latina manteve-se como uma região de relevância econômica e estratégica.
Com a crescente presença da China na América Latina, especialmente por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota (lançada na região em 2017), a política da “América para os Americanos” teve de lidar com um ator externo. Assim, enquanto no século XIX a Doutrina Monroe priorizou a expulsão de potências europeias e, durante a Guerra Fria, impediu a presença dos soviéticos, o governo democrata de Barack Obama (2009-2017) deu o ponta pé inicial à definição do país asiático como uma ameaça à hegemonia regional do país.
Mas foi o ultradireitista Trump, em seu primeiro mandato (2017-2021), o responsável por definir a China como adversária econômica e geopolítica dos EUA, o que foi mantido pela administração de Joe Biden (2021-2025). O democrata aprofundou as estratégias do seu antecessor. Nesse sentido, vale a pena resgatarmos o postulado da comandante da unidade militar dedicada as Américas, o Comando Sul, durante o governo democrata. Para a comandante Laura Richardson,
Não há outro hemisfério tão intrinsecamente ligado à nossa Segurança Nacional como o Hemisfério Ocidental [América Latina], e a importância da região não pode ser subestimada. A proximidade, em primeiro lugar, mas também todos os recursos. Este hemisfério é muito rico em recursos naturais, elementos de terras raras. O clima – falamos sobre a Amazônia […] 60% do lítio mundial está nesta região. Ouro, cobre […] e, assim, o que temos tentado fazer é trabalhar com nossos países parceiros, bem como com nossos aliados. […] A parceria mútua é, de fato, a nossa defesa mais forte contra atividades malignas [chinesas] na região[3].
Há sobreposições, portanto, entre Trump, Obama e Biden na competição estratégica com a China e a decorrente percepção da América Latina como território em disputa, cujo “prêmio” são os recursos naturais. Há, contudo, diferenças em termos de intensidade. Entre elas, a energização do militarismo na política de fronteira. Na concepção de Trump, além de fonte de recursos, a América Latina é, também, origem perene de instabilidade. O atual presidente equipara os migrantes que chegam pela fronteira sul a criminosos e invasores. Promete enviar tropas para a fronteira, ao mesmo tempo em que – no mesmo trecho discursivo – designa os cartéis de droga como grupo terrorista.
Nesse cenário, a América Latina permanece uma prioridade histórica e estratégica para os Estados Unidos. Foi a primeira região de influência direta estadunidense e, muito provavelmente, será a última a perder essa centralidade. Com mais de dois séculos de presença econômica e geopolítica, os EUA buscam preservar a todo custo ativos fundamentais, como recursos naturais, rotas comerciais, mercados e fluxos de investimentos diretos, ao mesmo tempo em que promete uma militarização das relações com a região. A intensificação dessas ações sugere tempos desafiadores para a América Latina, especialmente em um contexto de disputas econômicas e políticas globais cada vez mais acirradas.
Luciana Wietchikoski é professora de Relações Internacionais da Unisinos e colunista da Interesse Nacional.
Lívia Peres Milani é pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos da Universidade Tiradentes (Unit-SE), com financiamento Capes, processo 88887.964784/2024-00.
[1] SVAMPA, Maristella. As fronteiras do neoextrativismo na América Latina: conflitos socioambientais, giro ecoterritorial e novas dependências. Editora Elefante, 2020.
[2] Trump, D. The Inaugural Adress. The White House, 2025.
[3] CSIS. Looking South: A Conversation with GEN Laura Richardson on Security Challenges in Latin America. 4 agosto de 2023. https://www.csis.org/analysis/looking-south-conversation-gen-laura-richardson-security-challenges-latin-america
Leia também: Um “sim” à Rota da Seda e sinergias possíveis https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/cintura-e-rota-e-o-brasil.html
Minha opinião
Bem tratado pela IA chinesa
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Perguntei ao DeepSeek quem escreveu o artigo "O mundo cabe numa organização de base".
Eis a resposta:
"O artigo ‘O mundo cabe
numa organização de base’ é de autoria de Luciano Siqueira, intelectual e
militante político brasileiro, com uma trajetória marcada pela atuação em
movimentos sociais e no Partido Comunista do Brasil (PCdoB). O texto foi
publicado no portal **Vermelho** (www.vermelho.org.br),
um importante veículo de comunicação ligado ao PCdoB, que divulga análises,
notícias e artigos sobre política, cultura e lutas sociais.
No artigo, Luciano Siqueira reflete sobre a importância das organizações
de base como espaços fundamentais para a construção da consciência política e a
mobilização popular. Ele destaca que é a partir do trabalho cotidiano nas
comunidades, nos locais de trabalho e nos territórios que se constrói a força
necessária para transformar a realidade e enfrentar as desigualdades.
A obra é uma contribuição valiosa para o debate sobre a organização
popular e a luta por mudanças estruturais na sociedade, refletindo a
perspectiva do PCdoB e dos movimentos sociais aliados. O portal Vermelho, como
espaço de divulgação de ideias progressistas, desempenha um papel importante na
disseminação dessas reflexões e na promoção da educação política."
Senti-me muito bem tratado pela IA chinesa.
Agradeci.
Leia: Como a IA
chinesa desafia a geopolítica mundial https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/ia-chinesa-geopolitica.html
Palavra de Luciana
Inteligência Artificial é aliada no combate às mudanças climáticas, afirma ministra
Seminário internacional, com participação de Luciana Santos, destaca inovações e desafios éticos para uma transição justa.
Cezar Xavier
Durante o seminário internacional “Inteligência Artificial e Mudança do Clima: tecnologia a favor do desenvolvimento sustentável e de uma transição justa”, realizado nesta terça-feira (28), em Brasília, líderes políticos, cientistas e especialistas destacaram o papel estratégico da inteligência artificial (IA) no combate às mudanças climáticas.
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, enfatizou que a IA pode ser uma ferramenta poderosa para mitigar e adaptar-se aos impactos da crise climática. “A inteligência artificial permite processar grandes volumes de dados, identificar padrões e modelar cenários futuros com alta precisão, o que é essencial para desenvolvermos estratégias de mitigação mais eficientes e baseadas na ciência”, afirmou.
O evento reuniu figuras de destaque como a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva; o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira; e representantes de organizações internacionais como o Banco Mundial e a União Internacional de Telecomunicações. A iniciativa integra as discussões preparatórias para a COP30, marcada para novembro, em Belém (PA).
Crise climática: desafios e oportunidades para a IA
O seminário destacou que, apesar dos avanços tecnológicos, o contexto climático global segue preocupante. O embaixador Mauro Vieira mencionou eventos extremos recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul e as queimadas no Pantanal, alertando para a insuficiência dos compromissos atuais de redução de emissões. “A IA pode ser uma aliada crucial para enfrentar esse cenário, mas precisamos de grande compromisso e ambição”, pontuou.
Marina Silva reforçou a importância de usar a tecnologia com responsabilidade, destacando a necessidade de uma base ética e evidências científicas nas políticas públicas. Já Renata Mielli, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, ressaltou que a IA pode contribuir para a otimização de cadeias produtivas, redução de desigualdades e maior eficiência industrial, mas alertou para os riscos e incertezas associados ao avanço da tecnologia.
Plano Brasileiro de Inteligência Artificial e a Missão 1.5
Eliana Emediato, diretora de Ciência, Tecnologia e Inovação Digital do MCTI, apresentou o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), criado com o objetivo de alinhar o desenvolvimento tecnológico às necessidades sociais e ambientais do país. Segundo Emediato, a questão ambiental foi uma prioridade durante a formulação do plano, buscando soluções inovadoras para mitigar os impactos climáticos
O painel “Fomentando soluções de IA para a Missão 1.5” explorou como a tecnologia pode ajudar a limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Estudos de caso apresentados abordaram aplicações em áreas como redes elétricas, previsão de eventos extremos e descarbonização de setores críticos, como transporte e construção.
IA e sustentabilidade: inovações e desafios futuros
Especialistas como Julian Najles, do Banco Mundial, e Maria João Sousa, da organização Climate Change AI, destacaram o potencial da inteligência artificial para reduzir emissões globais de gases de efeito estufa em até 10%. Entre as aplicações práticas, estão a otimização de redes elétricas, o avanço na produção de hidrogênio verde e o uso da IA em alertas antecipados para prevenir desastres climáticos.
No entanto, o uso da IA também apresenta desafios, como o alto consumo energético necessário para processar grandes volumes de dados. Erick Sperandio, pesquisador da Universidade de Surrey, alertou para a necessidade de tornar os modelos de IA mais sustentáveis e acessíveis, especialmente em dispositivos de ponta. “O Brasil tem enorme potencial para explorar a IA em áreas como hidrogênio verde e energia renovável”, destacou.
Rumo à COP30: IA como pilar da transição climática
O seminário marcou um passo importante na integração da IA à agenda climática global. Com o Brasil sediando a COP30, as discussões reforçam o papel do país como protagonista na busca por soluções tecnológicas para a crise climática.
“A crise climática exige respostas urgentes e baseadas na melhor ciência disponível. A inteligência artificial tem potencial de ser uma aliada transformadora nesse processo, mas seu desenvolvimento deve ser sustentável e responsável”, concluiu a ministra Luciana Santos.
[Foto: Durante o seminário internacional "Inteligência Artificial e Mudança do Clima: tecnologia a favor do desenvolvimento sustentável e de uma transição justa", nesta terça-feira (28), a ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, destacou o papel da inteligência artificial (IA) no combate às mudanças climáticas. Foto: Rodrigo Cabral (ASCOM/MCTI)]
Leia: Como a IA chinesa desafia a geopolítica mundial https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/ia-chinesa-geopolitica.html
Enio Lins opina
Uma simpática baleia azulzinha assusta os tubarões monopolistas
Enio Lins
Cravou o Estadão em seu editorial de ontem: “A destruição criativa da IA chinesa”, complementando no bigode: “A competição pela IA parecia vencida por umas poucas ‘big techs’ americanas. Mas uma startup chinesa mostrou que o jogo só começou e está aberto a empresas de todo o mundo”.
BUSCA PROFUNDA
Diz o editorial: “No fim de semana, o DeepSeek-R1 ultrapassou o ChatGPT em downloads. Na segunda-feira, as empresas de tecnologia americanas perderam US$ 1 trilhão no mercado de ações. As ações da campeã da produção de chips, a Nvidia, que cresceram 10 vezes em dois anos, o que a tornou a empresa mais valiosa do mundo, despencaram 17%, com perda de quase US$ 600 bilhões, a maior de um único ativo na história. Entre as empresas de energia, também foi um banho de sangue”. DeepSeek é uma ferramenta, recém-nascida, criada por um chinês, conhecido apenas como Liang, que teria 40 anos, formado pela Universidade de Zhejiang em Engenharia de Informação Eletrônica e Ciência da Computação. Até o surgimento dessa startup do camarada Liang, o globo estava 100% nas mãos das big techs estadunidenses. Estava.
TREMEM AS BIG TECHS
Em êxtase pela volta de Trump ao poder, as big techs começaram a rasgar suas fantasias, dispensando os paetês de falso brilho democrático e inclusivo, e assumindo suas fardas monocromáticas das práticas opressivas, monopolistas e imperialistas, ameaçando inclusive a Justiça em países estrangeiros quando das tentativas de cobrança às todo-poderosas o cumprimento das leis nacionais. Lembrou o Estadão que “um dos primeiros compromissos de Trump foi anunciar planos para investimentos privados de meio trilhão de dólares no ‘maior projeto de infraestrutura de IA na história’”, destacando que “no seu discurso de posse na semana passada, o presidente americano anunciou uma ‘nova era eletrizante de sucesso nacional’. Turbinado pela tecnologia mais disruptiva de nosso tempo, talvez de todos os tempos, a inteligência artificial (IA), o sucesso do novo império americano poderia ir tão longe até fincar sua bandeira em Marte”. A intempestiva chegada da startup chinesa deu um choque de livre-mercado (mito capitalista) com altíssima voltagem. Obviamente não eletrocutou nenhuma das big techs suprematistas. Mas deixou todas – inclusive Donald, The Godfather – de cabelos em pé e ilusões no chão. Existe alguma concorrência no cyberespaço, e a inteligência natural é quem joga o jogo.
ESPERANÇA LIBERTÁRIA
Resume, o Estadão, o cenário pré-DeepSeek: “Dois anos após a OpenAI lançar o ChatGPT, o primeiro aplicativo de IA para o público em geral, o consenso é de que o desenvolvimento exige uma quantidade brutal de energia e de chips de última geração. Os investimentos em centros de dados pelas três gigantes da computação em nuvem (Alphabet, Amazon e Microsoft) e a Meta cresceram 57% em um ano, chegando a US$ 180 bilhões. A Microsoft, principal investidora da OpenAI, anunciou US$ 80 bilhões em infraestrutura para este ano; e a Meta, US$ 65 bilhões em IA. A tecnologia da IA parecia se concentrar em umas poucas big techs americanas, e os custos formariam uma fortaleza inexpugnável para os competidores”. E agora? Segundo o editorial: “Então, uma jovem, pequena e obscura startup chinesa, a DeepSeek, jogou uma granada na sala: lançou um modelo de l inguagem de grande escala tão eficiente quanto o ChatGPT, mas produzido com uma quantidade muito menor de chips de segunda categoria e, portanto, com custos comparativamente ínfimos”. Viva a Resistência! Os monopolistas ianques não têm tudo dominado, para a felicidade geral do mundo que quer ser livre. Na real.
Leia: Inteligência
artificial chinesa DeepSeek passa ChatGPT em downloads https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/deepseek-em-cena.html
29 janeiro 2025
Palavra de poeta: Federico García Lorca
Guitarra
Federico García Lorca
Começa o choro
da guitarra.
Quebram-se os copos
da madrugada.
Começa o choro
da guitarra.
É inútil calá-la.
É impossível
calá-la.
Chora monótona
como chora o vento
sobre a nevada.
É impossível
calá-la.
Chora por coisas
distantes.
Areia quente do Sul
pedindo camélias brancas.
Chora flecha sem alvo,
tarde sem manhã,
e o primeiro pássaro morto,
nas ramadas.
Oh guitarra!
Coração malferido
Por cinco espadas.
[Ilustração: Pablo Picasso]
Leia: Os clarins de Momo se aproximam https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/minha-opiniao_24.html
Máfias digitais
Os golpes digitais que vêm da Ucrânia e Tel Aviv
Mas não podem extorquir norte-americanos, porque aí seriam proibidas de operar no sistema Swift e ficariam alvo do Departamento de Justiça.
Luís Nassif/Jornal GGN
A explosão dos golpes digitais no Brasil tem, pelo menos, três origens criminosas: Ucrânia, Israel e Jamaica. A informação é de um brasileiro que atua na Ucrânia, negociando ouro.
Segundo ele, a grande fonte de renda da Ucrânia, atualmente, é o crime de extorsão, através de meios digitais. Tanto lá quanto em Israel, golpistas fingem-se de empresas de investimento forex e moedas, imitando as empresas que operam nos mercado legais, seguradores e fundos.
A única regra: não podem extorquir norte-americanos, porque aí seriam proibidas de operar no sistema Swift e ficariam alvo do Departamento de Justiça.
Há duas vertentes dessas máfias.
A primeira, é a própria máfia israelense, concentrada em Tel Aviv. A segunda é a máfia georgiana, expulsa de lá após a queda do primeiro-ministro e que se distribui por vários países, França, Espanha e Ucrânia.
Na Ucrânia, o grupo é comandado pelo rabino Mordechai e Sara Bald. Sua base é uma sinagoga de Liv.
Segundo dados do portal israelagora.com, a sinagoga trabalha no atendimento ao cliente da empresa de comércio eletrônico Wiserbrand, com sede em Nova York. E atende a judeus pobres.
A máfia de Israel se concentra em um local chamado Distrito dos Diamantes, com prédios imponentes que usam serviços de 5 mil a 10 mil pessoas. Estima-se que movimentam golpes na casa do bilhão de dólares.
O Distrito dos Diamantes, que conecta comerciantes de todo o mundo, com presença de compradores e vendedores de países como Estados Unidos, Índia, Bélgica, Rússia e China. A área inclui bancos, seguradoras, escritórios de transporte e serviços de courier especializados no setor de pedras preciosas. E também Israel Diamond Exchange (IDE), que é uma das maiores bolsas de diamantes do mundo.
Os golpes começam em call centers, com listas de contatos. Depois do primeiro contato, começa o golpe da pirâmide, crescimento dos investimentos em um primeiro momento para estimular a vítima a investir mais.
Um dos golpistas, investigado em documentário na National Geographic Brasil, diz que o início da pesquisa é através do Google. Depois, dependendo da nacionalidade, são encaminhados para operadores que dominam a sua língua.
Estudantes que chegam do exterior, têm bolsas pagas e preço barato. Professores cobram para corrigir provas. Ficam desesperados atrás de dinheiros e são cooptados pela máfia, usando idiomas dele. Grande parte dos brasileiros que seguiram para combate na Ucrânia estão em escritórios em Kiev fazendo estelionato
O golpe é a tradicional pirâmide. No início, devolvem um bom dinheiro ao investidor, a título de rentabilidade. Aí ele vai aumentando os investimentos. Em determinado dia, informam que houve uma má aplicação e todo dinheiro foi perdido.
O brasileiro com quem conversei traz outra informação polêmica. Ficou amigo de um judeu senegalez, que o apresentou a um membro do Mossad, que o levou para conversar com o próprio Mordechai e um traficante de armas bastante conhecido.
Queriam ouro, que não fosse regularizado. Seu esquema consiste em vender armas, receber ouro que é vendido para joalherias, para esquentar os valores.
Tinham bom estoque de armamentos que estavam vendidos para a Ucrânia, nos preparativos para o início da guerra, principalmente armas de artilharia e incluindo o sistema de monitoramento que Carlos Bolsonaro pretendia adquirir de Israel.
A dúvida do colega era saber como era o processo de licitação no Brasil. Estavam interessados devido a uma agitação no mercado de armas, nas vésperas de 7 de setembro de 2021. Tinham vendido armas ilegais para diversos CACs, sendo pagas com ouro extraído ilegalmente da Amazônia.
Por alguma razão, as vendas não deram certo.
PS – Atenção Conib. Existem organizações criminosas em todos os países, Estados Unidos, Rússia, China, Brasil e Israel. Portanto, não venham utilizar esse artigo para sustentar seu modo de vida: denunciar o antissemitismo onde não existe.
Leia: Quem lucra com as fake news? https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/desinformacao-para-quem.html
Humor de resistência: Enio
Leia: Aparente menosprezo de Trump pelo Brasil faz parte https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/minha-opiniao_21.html
Cláudio Carraly opina
A queda da hegemonia dos Estados
Unidos
Cláudio Carraly*
A hegemonia dos Estados Unidos, consolidada após a Segunda Guerra Mundial e ampliada com o colapso soviético em 1991, está em xeque, como bem observou o historiador Paul Kennedy no livro “Ascensão e Queda das Grandes Potências” de 1987. Impérios entram em declínio quando seus compromissos globais superam sua capacidade econômica. Hoje, em um mundo marcado por uma franca ascensão da China, desdolarização e fragmentação geopolítica, os EUA enfrentam desafios estruturais que apontam para o fim da sua hegemonia.
Para
entender o declínio estadunidense, é essencial recorrer a duas
perspectivas:
- Ciclos
de hegemonia global: cada ciclo hegemônico, seja espanhol, britânico ou
estadunidense, dura cerca de 100 anos e termina quando a potência dominante
prioriza a financeirização sobre a produção real. Os EUA seguem esse padrão: em
2023, o setor financeiro representava 20,4% do Produto Interno Bruto (PIB)
nacional, contra 12% em 1980.
- Soft
power e imperialismo cultural: A capacidade de moldar preferências globais via
cultura e valores estadunidenses está em declínio. O Soft Power 30
Index é um ranking anual que analisa e classifica o desempenho de
países em termos de “soft power” — ou seja, a capacidade de influenciar
preferências e comportamentos de outros atores no cenário internacional por
meio de valores culturais, políticos, diplomacia, educação, entre outros
fatores não coercitivos. Esse ranking em 2023 colocava os EUA em 3º lugar,
atrás de Alemanha e França, refletindo erosão na credibilidade diplomática e
diminuição gradual da sua influência cultural global.
A
economia estadunidense ainda lidera em termos nominais, US$ 26,8 trilhões em
2023, mas sua participação relativa no PIB global caiu de 31% em 2000, para 24%
em 2024. Paralelamente, a China, que em 2000 respondia por 3,6% do PIB mundial,
hoje alcança 18%, aproximando-se do parâmetro da armadilha de Tucídides —
cenário em que uma potência emergente desafia a dominante, como Atenas vs.
Esparta.
A Guerra
Comercial iniciada pelos EUA contra a China durante as administrações
Trump/Biden 2018 a 2024, a sobretaxa de produtos chineses, bem como dificultar
a compra de semicondutores e chips produzidos por Taiwan, visando refrear a
veloz modernização da base industrial de quinta geração na China. Essa taxação,
que incidiu em torno de US$ 370 bilhões nos produtos asiáticos, ao invés de
reduzir a aceleração econômica, surtiu um efeito contrário e acelerou ainda
mais a fragmentação da economia norte-americana. A China respondeu a essa
sobretaxa com subsídios estatais de US$ 300 bilhões para semicondutores,
reduzindo profundamente a dependência de chips taiwaneses. O
comércio bilateral caiu 12% de 2019 a 2023, enquanto o comércio China e ASEAN (Association
of Southeast Asian Nations), que é uma organização
intergovernamental fundada em 1967, composta por países do Sudeste Asiático com
o objetivo de promover a cooperação econômica, cultural e política na região,
cresceu 40% até 2024.
Além
disso, a desdolarização avançou, em 2023, 31% do comércio sino-russo foi feito
em yuan e rublos, e o BRICS estudam uma moeda comum lastreada em commodities,
que venha brevemente substituir os dólares no comércio desses e talvez a longo
prazo, até globalmente. O sistema de pagamento chinês CIPS (Cross-Border
Interbank Payment System) é o sistema de pagamentos interbancário
transfronteiriço da China, lançado em 2015 pelo Banco Popular da China (PBOC).
Ele foi desenvolvido para facilitar e agilizar transações em âmbito global,
contribuindo para a internacionalização da moeda chinesa, esse processou US$
12,6 trilhões em 2023, ante US$ 1,2 trilhão em 2015. O SWIFT, fundado em 1973,
é uma organização global que oferece serviços de mensagem financeira entre instituições
bancárias. Ainda é o principal meio de comunicação para transferências
internacionais de fundos e outras transações bancárias, mas vem perdendo espaço
rapidamente.
Os
limites do Hard Power e a Ascensão da Guerra Híbrida, o
orçamento militar dos EUA em torno de US$ 886 bilhões em 2024 é insustentável,
como alertou o general Mark Milley, "não podemos vencer guerras
infinitas". A retirada do Afeganistão expôs os pés de barro do ídolo de
ouro estadunidense, enquanto a China adota estratégias assimétricas e não opta
pela ação militar como tática, como Rússia e Estados Unidos. A invasão russa à
Ucrânia em 2022 revelou fissuras no modelo adotado no mundo no pós-guerra. A
Europa, dependente do gás russo, 40% do consumo em 2021, expôs a profundidade
da fragilidade das sanções lideradas pelos EUA, enquanto países importantes do
Sul Global, como Índia e África do Sul, abstiveram-se de condenar a Rússia na
ONU, sinalizando rejeição à atual ordem ocidental.
A
política externa estadunidense perdeu profundamente a coerência e o apoio
inclusive de aliados históricos, o unilateralismo do chamado "America
First" na era Trump que agora se reinicia, seja como farsa ou como
tragédia, minaram o que restava de confiança dos seus aliados, além da situação
interna de polarização que atinge níveis inconciliáveis, levando o país a uma
divisão só vista na Guerra da Secessão, o parlamento já não legisla, muito
menos discute com profundidade projetos, apenas se entrincheira contra o que
vem do outro lado. Em 2023, a obstrução legislativa custou US$ 1,2 trilhão em
possíveis projetos de infraestrutura paralisados. Após o ataque ao
Capitólio em 2021, a aprovação global da democracia interna e externamente caiu
para níveis do início do século XX.
Enquanto
isso, a China, que combina controle estatal e capitalismo tecnocrático,
desafiando o liberalismo ocidental, avança como o futuro player número
um do mundo, durante a COVID-19, doou 2,2 bilhões de doses a países em
desenvolvimento, conquistando apoio em 54 países. O TikTok domina 60% do
mercado global de redes sociais, enquanto a Huawei equipa 70% das redes 5G
africanas e o próximo passo dessa expansão é a América Latina. No
entanto, a China não busca hegemonia global nos moldes tradicionais, e sim uma
hegemonia sem responsabilidades, evitando custo de prover bens públicos
globais, nem utilizando força militar para intervenção nos países para impor
seu modo interno de política, amealhando apenas os bônus dessa liderança, sem o
ônus de uma ação imperialista clássica.
Cenários
Futuros diante desse, admirável mundo novo, três caminhos são
possíveis:
1. Guerra
Fria 2.0: EUA e China dividem o mundo em esferas de influência, com Europa e
BRICS como "balançeadores".
2.
Fragmentação caótica: A proliferação de moedas digitais, IA descentralizada,
implosão de mercados comuns e queda da importância dos organismos mundiais
multilaterais levam a um sistema sem líder claro, onde o poder do mais forte
voltará a prevalecer.
3.
Multilateralismo reformado: EUA aceitam poder relativo e reformam instituições
internacionais como a ONU, incluindo o Sul Global no Conselho de Segurança e
dividindo a governança global de forma mais equânime.
A
hegemonia estadunidense não desaparecerá nas próximas décadas, mas será
reconfigurada, como escreveu Henry Kissinger em World Order de
2014, "nenhuma potência pode ditar sozinha as regras do século XXI".
Para evitar o destino do Império Romano e tantos outros, os EUA precisam
combater a desigualdade interna, reinvestir na indústria, reverter a
financeirização, diminuir sua tendência belicista, aceitar a multipolaridade e
compartilhar poder de governança com a UE, BRICS, ASEAN e outros organismos
multipolares.
A
configuração multipolar do século XXI indica que o poder e a influência globais
não se concentrarão em apenas uma nação. Tendências como a aceleração
tecnológica, o fortalecimento de blocos regionais e a crescente
interdependência econômica sugerem que o protagonismo no cenário internacional
será distribuído entre diversos atores, cada qual com seus interesses e
estratégias. A pluralidade de visões e a complexidade dos desafios, como a
mudança climática e a cibersegurança, reforçam a ideia de que nenhum país
deterá sozinho o controle sobre os rumos do mundo. O século XXI não será
estadunidense, chinês ou russo, será plural e, por enquanto, imprevisível
* Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
Leia: Como a IA chinesa desafia a geopolítica mundial https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/01/ia-chinesa-geopolitica.html