31 maio 2024

Minha opinião

Pesquisas antes do tempo

Luciano Siqueira

 

No jargão jornalístico – sempre ouvi isso de repórteres e colunistas –, em ano eleitoral o período que antecede em alguns meses as convenções partidárias são de “vacas magras”.

Ou seja, a reportagem carece de fatos significativos para alimentar o noticiário.

Daí a valorização de “balões de ensaio”.

Eu mesmo protagonizei (involuntariamente) nota na coluna política do Jornal do Commercio online, dias atrás, ao ser mencionado como boa alternativa de candidato a vice-prefeito na chapa de João Campos (PSB).

Tudo porque ocasionalmente visitei a redação e fui cumprimentado por jornalistas de várias áreas.

O colunista Igor Souza, apoiado no meu recorde de quatro mandatos de vice-prefeito do Recife, e também de explícita boa vontade, sapecou a sugestão de que eu deveria ser indicado companheiro de chapa do atual prefeito com o argumento de que “ninguém seria contra”.

Para preencher espaço na coluna, obviamente.

Agora são os institutos de pesquisa que se antecipam exageradamente, explorando toda sorte de simulação.

Como o Datafolha, que diz ter aferido que, na capital paulista, “Boulos e Nunes têm entraves para herdar votos de Lula, Bolsonaro, Haddad e Tarcísio. Apesar de apoios já estabelecidos, 39% dos eleitores de Bolsonaro escolhem Nunes e 44% dos eleitores de Lula dizem votar em Boulos.”

Como assim, cara-pálida, se a eleição ainda está longe das preocupações do cidadão comum?

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/05/minha-opiniao_31.html

Pelo Estado palestino

Eslovênia reconhece Estado palestino e reforça movimento internacional

Decisão do governo esloveno ocorre após reconhecimentos de Espanha, Noruega e Irlanda
Bárbara Luz/Vermelho


 

Nesta quinta-feira (30), o governo da Eslovênia aprovou uma moção de reconhecimento do Estado palestino, seguindo os passos de Espanha, Noruega e Irlanda, que tomaram a mesma decisão dois dias antes. A medida ainda precisa ser votada pelo Parlamento, onde a coalizão liberal do primeiro-ministro Robert Golob possui uma maioria confortável, tornando a aprovação praticamente garantida.

“Hoje, a Eslovênia decidiu reconhecer a Palestina como um estado independente e soberano”, disse Golob à imprensa Liubliana. Para simbolizar a decisão, o governo hasteou a bandeira palestina ao lado das bandeiras eslovena e da União Europeia.

Leia também: Espanha, Noruega e Irlanda oficializam reconhecimento da Palestina como Estado

Golob destacou que essa “é uma mensagem de paz”, pedindo um cessar-fogo imediato entre Israel e Hamas em Gaza e a libertação dos reféns israelenses capturados nos ataques de 7 de outubro de 2023.

Reações internacionais

A medida eslovena segue a tendência de crescente apoio ao reconhecimento da Palestina. Atualmente, mais de 140 países membros da ONU, incluindo Brasil, reconhecem a Palestina como Estado. Com essa decisão, a Eslovênia se torna o décimo país da União Europeia a oficializar esse reconhecimento.

O ministro das Relações Exteriores de Israel, Israel Katz, criticou a decisão eslovena, afirmando que a aprovação “equivaleria a recompensar” o Hamas e fortaleceria o “eixo do mal iraniano”. Ele apelou aos deputados eslovenos para que rejeitem a proposta.

Leia também: Brasil defende reconhecimento da Palestina na ONU

Outros países europeus também tomaram medidas significativas. O primeiro-ministro irlandês, Simon Harris, fez um apelo a Israel para interromper a crise humanitária em Gaza. “Queríamos reconhecer a Palestina ao final de um processo de paz, mas fizemos este movimento ao lado da Espanha e da Noruega para manter vivo o milagre da paz”, afirmou Harris.

Já o chanceler da Noruega, Espen Barth Eide, destacou o papel histórico de seu país na mediação dos Acordos de Oslo e reiterou o compromisso norueguês com a causa palestina. “Há mais de 30 anos, a Noruega tem sido um dos mais fervorosos defensores de um Estado palestino”, disse Eide.

Contexto do conflito

O conflito em Gaza, que começou com um ataque do Hamas em outubro de 2023, resultou em severas retaliações por parte de Israel. Desde então, mais de 36 mil palestinos morreram, segundo autoridades da Faixa de Gaza. A ofensiva israelense tem causado grande destruição e deslocamento de civis, com 81 mil pessoas feridas sendo a maioria mulheres e crianças (cerca de 75%).

Leia também: Mortes, prisões e espionagem: jornalista palestina escancara ‘apartheid’ de Israel

A aprovação eslovena e o reconhecimento por outros países europeus são vistos como uma resposta à escalada de violência e às condições humanitárias deteriorantes em Gaza. Atualmente, dez dos 27 membros da União Europeia reconhecem oficialmente a Palestina: Suécia, Chipre, Hungria, República Tcheca, Polônia, Eslováquia, Romênia, Bulgária, Espanha e Irlanda. Outros países, como Malta, Reino Unido e Austrália, estão considerando adotar a mesma medida.

Confira abaixo a lista completa de países que aprovam o reconhecimento do Estado Palestino.

  1. Afeganistão
  2. África do Sul
  3. Albânia
  4. Angola
  5. Antígua e Barbuda
  6. Arábia Saudita
  7. Argélia
  8. Argentina
  9. Azerbaijão
  10. Bahamas
  11. Bahrein
  12. Bangladesh
  13. Barbados
  14. Belarus
  15. Belize
  16. Benin
  17. Bolívia
  18. Bósnia
  19. Botsuana
  20. Brasil
  21. Brunei
  22. Bulgária
  23. Burkina Fasso
  24. Burundi
  25. Butão
  26. Cabo Verde
  27. Camboja
  28. Cazaquistão
  29. Chade
  30. Chile
  31. China
  32. Chipre
  33. Colômbia
  34. (ilhas) Comores
  35. Congo
  36. Coreia do Norte
  37. Costa do Marfim
  38. Costa Rica
  39. Cuba
  40. Djibuti
  41. Dominica
  42. Egito
  43. El Salvador
  44. Emirados Árabes Unidos
  45. Equador
  46. Espanha
  47. Eslováquia
  48. Essuatíni (antiga Suazilândia)
  49. Etiópia
  50. Filipinas
  51. Gabão
  52. Gâmbia
  53. Gana
  54. Geórgia
  55. Granada
  56. Guatemala
  57. Guiana
  58. Guiné
  59. Guiné-Bissau
  60. Guiné Equatorial
  61. Haiti
  62. Honduras
  63. Hungria
  64. Iêmen
  65. Índia
  66. Indonésia
  67. Irã
  68. Iraque
  69. Irlanda
  70. Islândia
  71. Jamaica
  72. Jordânia
  73. Kuwait
  74. Laos
  75. Lesoto
  76. Líbano
  77. Libéria
  78. Líbia
  79. Madagascar
  80. Malásia
  81. Maláui
  82. Maldivas
  83. Mali
  84. Marrocos
  85. (ilhas) Maurício
  86. Mauritânia
  87. México
  88. Moçambique
  89. Mongólia
  90. Montenegro
  91. Namíbia
  92. Nepal
  93. Nicarágua
  94. Níger
  95. Nigéria
  96. Noruega
  97. Omã
  98. Papua Nova Guiné
  99. Paquistão
  100. Paraguai
  101. Peru
  102. Polônia
  103. Qatar
  104. Quênia
  105. Quirguistão
  106. República Centro-Africana
  107. República Democrática do Congo
  108. República Dominicana
  109. República Tcheca
  110. Romênia
  111. Ruanda
  112. Rússia
  113. Santa Lúcia
  114. São Cristóvão e Névis
  115. São Tomé e Príncipe
  116. São Vicente e Granadinas
  117. Senegal
  118. Serra Leoa
  119. Sérvia
  120. Seychelles
  121. Síria
  122. Somália
  123. Sri Lanka
  124. Sudão
  125. Sudão do Sul
  126. Suécia
  127. Suriname
  128. Tadjiquistão
  129. Tailândia
  130. Tanzânia
  131. Timor Leste
  132. Togo
  133. Trinidad e Tobago
  134. Tunísia
  135. Turcomenistão
  136. Turquia
  137. Ucrânia
  138. Uganda
  139. Uruguai
  140. Uzbequistão
  141. Vanuatu
  142. Venezuela
  143. Vietnã
  144. Zâmbia
  145. Zimbábue

Enio Lins opina

31 de maio: em 2010, Israel ataca barcos com ajuda humanitária

Enio Lins



Militares do grupo Shavetet 13, espécie de SS da marinha israelense, no dia 31 de maio de 2010, abordam e invadem as embarcações da chamada “Flotilha da Liberdade”, enquanto ainda estavam em águas internacionais, tentando chegar à Faixa de Gaza para levar alimentos e remédios.

Esse grupo de seis embarcações, com 750 ativistas civis desarmados, levando dez mil toneladas de ajuda humanitária, tentava ultrapassar o bloqueio marítimo, ilegal, imposto por Israel para impedir a chegada de apoio humanitário aos palestinos por mar, pois Gaza estava totalmente bloqueada.

Nove civis foram assassinados pelos militares durante a abordagem e ocupação dos barcos da ONG Free Gaza. Todo material a bordo foi confiscado. Apenas no dia 7 de junho o exército de Israel divulgou um comunicado dizendo que a maioria dos donativos estava inservível. O material, suspeito de violação e adulteração pelos israelenses depois de apreendido, obviamente, não foi mais aceito pelos palestinos.

Adivinha quem era o Führer de Israel na época?

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/05/brasil-x-israel.html

Crime nas redes

Médicos-monstros espalham fake news no RS

Altamiro Borges/Blog do Miro



Na semana passada, o ministro Paulo Pimenta, da Secretaria de Comunicação Social (Secom), enviou à Polícia Federal uma relação de suspeitos para serem investigados por difundirem fake news sobre a tragédia no Rio Grande do Sul. Segundo Mônica Bergamo, “dois médicos estão na lista. Eles postaram vídeos em suas redes sociais afirmando que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estaria impedindo aviões particulares de decolarem com medicamentos doados às vítimas da catástrofe – o que a agência nega de forma enfática”.

A dermatologista Roberta Zaffari Townsend está na lista encaminhada à PF. A farsante “afirmou a seus 33,5 mil seguidores no Instagram que ela e ‘colegas médicos’ tinham conseguido ‘aviões particulares’ de ‘amigos’ que estavam doando remédios. Os medicamentos, porém, não chegavam ao estado por causa da burocracia da Anvisa. ‘Por favor, Anvisa, libera as medicações. A gente precisa salvar vidas de pessoas’”, postou a farsante. O segundo bandido já é bastante conhecido pela Justiça brasileira. Trata-se do médico Victor Sorrentino.

Preso por assédio sexual no Egito

Com 1,3 milhão de seguidores no Instagram, ele postou que aviões privados, “em três aeroportos, carregados de medicamentos”, não conseguiram decolar por causa da “burocracia da Anvisa... Estão fazendo as pessoas morrerem sem medicamentos aqui”. O vídeo desse médico-monstro teve forte repercussão nas redes digitais, levando a Anvisa a divulgar uma nota, sem mencioná-lo, garantindo que “não efetuou qualquer restrição ao transporte de medicamentos destinados ao Rio Grande do Sul”.

Victor Sorrentino adora provocar. Como lembra Mônica Bergamo, “ele já foi detido no Egito, em 2021, acusado de assédio sexual, e suspenso por um mês, em abril deste ano, pelo Conselho Regional de Medicina do RS por violar o Código de Ética da profissão”. O caso do assédio ocorreu em maio de 2021. Em vídeo postado no seu Instagram, ele fez comentários sexistas em português a uma vendedora ao comprar um papiro. “Vocês gostam é do bem duro. Comprido também fica legal, né?”, vomitou o médico asqueroso. O vídeo acabou viralizando e entidades feministas pediram e conseguiram a prisão do assediador. Ele ficou detido no Cairo por quatro dias.

Na época, uma matéria da Folha ainda registrou que “Sorrentino é defensor do chamado tratamento precoce para a Covid-19 e deu entrevistas defendendo a hidroxicloroquina, medicamento ineficaz para a doença... Um vídeo antigo que voltou a circular agora mostra o presidente Jair Bolsonaro, quando ainda era deputado federal, dizendo que Sorrentino é ‘mais que um amigo virtual, é um irmão de farda e de fé’”

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/05/tragedia-negacionismo.html

George Câmara opina

A cidade (i)legal, (i)nformal e (i)rregular

Desafios urbanos e a necessidade de reforma: análise das condições de vida nas grandes cidades brasileiras e o papel do Estado na promoção da dignidade e função social da cidade.
George câmara/Vermelho


 

As cidades brasileiras de maior porte, sobretudo aquelas que integram as regiões metropolitanas, que experimentaram nas últimas décadas um rápido e desordenado crescimento populacional, assistindo a cada dia ao agravamento das condições de vida de suas populações, enfrentam, no geral, guardadas suas particularidades, problemáticas semelhantes.

Questões como o direito à moradia, ao saneamento básico, ao transporte de qualidade, ao meio ambiente saudável, além do acesso aos serviços essenciais, como educação, saúde, assistência social, cultura, esporte e lazer, em condições de segurança, fatores que se relacionam com a dignidade humana, fazem parte de seu cotidiano e estão a exigir, permanentemente, a ação do poder público.

Cabe ao Estado – aqui compreendido em seu âmbito federal, estadual e municipal – o papel de cuidar do bem-estar das pessoas, conforme estabelecido pela Constituição Federal e demais marcos legais que regulam a vida no ambiente urbano, compondo o direito urbanístico, como o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), entre outros.

Para o Professor Edésio Fernandes, “as cidades brasileiras – fragmentadas, excludentes, segregadas, ineficientes, caras, poluídas, perigosas, injustas e ilegais – são em grande medida o resultado do fracasso do Estado, ao não promover uma reforma da ordem jurídica liberal, já que a lógica especulativa do mercado vê na propriedade tão somente um valor de troca, tão somente uma mercadoria, e não dá conta das questões sociais e ambientais”.

Hoje, não há como se falar em Direito Urbanístico no Brasil sem se falar em ilegalidade urbana, cujas formas se expressam na economia informal, uma das maiores consequências do processo de exclusão social e segregação espacial que tem caracterizado o crescimento urbano intensivo das cidades e metrópoles não apenas brasileiras, mas também dos demais países em desenvolvimento.

Essa cidade ilegal está assustadoramente diante de nossos olhos e se expressa, principalmente, de três formas:

1) a cidade em que a maioria dos imóveis localizados em bairros populares se encontra em situação irregular, necessitando, portanto, passar por um amplo processo de regularização fundiária;

2) a cidade cuja gestão municipal descumpre a lei, deixando de implementar os instrumentos assegurados no citado Estatuto da Cidade, violando assim o princípio constitucional da função social da cidade e da propriedade urbana, conforme previsto nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal;

3) o direito de propriedade individual pleno, como previsto no ordenamento jurídico brasileiro, carrega consigo obrigações formais (impostos, taxas, etc.), que os pobres quase nunca conseguem cumprir, gerando, dessa forma, uma situação em que o direito produz a ilegalidade. 

Outras formas de proteção jurídica, de natureza coletiva, podem trazer segurança à posse para as pessoas despossuídas, de forma a assegurar o direito de uso dos imóveis, para fins de moradia, por exemplo.

Assim, a ausência de direitos plenos de propriedade individual pode, de fato, garantir maior segurança da posse, beneficiando a coletividade e contribuindo para a afirmação do princípio da função social da cidade.

*Ex-vereador pelo PCdoB em Natal-RN

Trump condenado

Trump condenado: qual o impacto da sentença histórica na eleição?

Anthony Zurcher/BBC


 

A condenação criminal de Donald Trump traz um conjunto notável de novidades históricas, embora não torne o republicano inelegível.

Ele é o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos a ser considerado culpado por um crime; ele também é o primeiro pré-candidato de um grande partido a se tornar um criminoso condenado.

A condenação inclui ainda uma nova aplicação de leis estaduais e federais sobre fraude e financiamento de campanha – no caso dele, envolvendo o pagamento secreto à ex-atriz pornô Stormy Daniels antes das eleições presidenciais de 2016.

Embora Trump provavelmente esteja planejando apresentar um recurso e aguarde uma sentença que poderá ir de uma multa pesada até mesmo a prisão – embora a detenção seja vista como improvável por especialistas –, não é cedo para considerar as possíveis consequências da condenação na vida política do republicano.

Fazer essa avaliação sobre o futuro pode não ser fácil, no entanto.

"Muitas vezes, olhamos para a história para encontrar alguma pista do que vai acontecer", diz Jeffrey Engel, diretor do Centro de História Presidencial da Universidade Metodista do Sul, nos EUA.

"Mas não há nada no passado que chegue sequer perto disso."

Trump garantiu a nomeação presidencial republicana durante as primárias no início deste ano e deverá liderar a chapa do partido quando a sigla realizar a sua convenção nacional, em julho.

As pesquisas indicam que ele está em um empate técnico com o presidente Joe Biden e mantém uma ligeira vantagem em muitos Estados que devem decidir a eleição.

Mas essas pesquisas também indicam que a condenação pode mudar tudo isso.

Nas pesquisas de boca de urna realizadas nas primárias republicanas, um percentual de eleitores na casa dos dois dígitos disse que não votaria no ex-presidente se ele fosse condenado por um crime.

Nas primárias de março na Carolina do Norte, 32% dos eleitores republicanos disseram que Trump não estaria apto à presidência se fosse condenado.

Uma pesquisa de abril realizada pela Ipsos e pela ABC News mostrou que 16% dos que apoiam Trump reconsiderariam o seu voto em tal situação.

Essas eram opiniões hipotéticas, no entanto.

O ex-presidente enfrenta outros três processos criminais – envolvendo as suas tentativas de anular as eleições presidenciais de 2020 e o tratamento de documentos confidenciais após deixar a Casa Branca.

Todos foram adiados indefinidamente, deixando o veredicto no caso Stormy Daniels como o único resultado certo este ano.

Doug Schoen, um pesquisador que trabalhou com o presidente democrata Bill Clinton e com o prefeito independente de Nova York, Michael Bloomberg, diz que os eleitores americanos podem ter sentimentos diferentes com base neste caso específico.

"O que os eleitores estarão pensando em novembro é na inflação, na fronteira ao sul, na concorrência com a China e a Rússia e no dinheiro que está sendo gasto em Israel e na Ucrânia."

Ele acrescenta que esta condenação, por tratar de acontecimentos ocorridos há oito anos, não terá o mesmo impacto político que o tipo de condenação que os eleitores podem ter imaginado quando foram entrevistados no início deste ano.

Mesmo uma ligeira queda no apoio a Trump, no entanto, pode ser suficiente para fazer diferença no tipo de corrida apertada que esta disputa presidencial está se desenhando para ser.

Se alguns milhares de eleitores que, sem uma condenação, poderiam apoiar o ex-presidente, ficarem em casa, num Estado-chave como o Wisconsin ou a Pensilvânia, isso poderia fazer toda a diferença.

"Acho que isso terá um impacto e o prejudicará como candidato", diz Ariel Hill-Davis, cofundadora do Mulheres Republicanas pelo Progresso, um grupo que tem procurado afastar o partido de Trump.

Ela diz que os eleitores mais jovens, aqueles com formação universitária e que vivem nos subúrbios estão preocupados com o comportamento de Trump e a sua postura ao governar.

"Esses eleitores estão realmente hesitantes em voltar a alinhar-se com o Partido Republicano liderado por Donald Trump", diz ela.

"O veredicto de culpado reforçará ainda mais essas preocupações."

O partido de Trump manteve-se em grande parte ao seu lado durante dois pedidos de impeachment e o fim caótico da sua presidência, quando o Capitólio foi atacado por uma multidão de seus apoiadores.

Nada disso impediu o ex-presidente de renascer politicamente e chegar a uma posição competitiva para reconquistar a Casa Branca em novembro.

"O apoio contínuo a Trump, apesar do tipo de escândalo que teria afundado literalmente qualquer outro candidato anterior na história americana, é verdadeiramente surpreendente", diz Engel.

A condenação histórica desta quinta-feira pode revelar-se diferente – especialmente se os recursos de Trump falharem e ele enfrentar a perspectiva de prisão.

Ou poderá ser apenas o mais recente de uma longa série de acontecimentos aparentemente conturbados que, em retrospectiva, foram apenas obstáculos no caminho de Trump para o poder.

Allan Lichtman, professor da American University, construiu um modelo político que previu com sucesso o vencedor de todas as corridas presidenciais desde 1984.

Ele admite, no entanto, que a condenação de Trump pode ser o tipo de reviravolta "cataclísmica e sem precedentes" que abala o modelo e muda o curso da história.

"Os livros de história registrarão isto como um acontecimento verdadeiramente extraordinário e sem precedentes, mas muito vai depender do que acontecer depois", diz ele.

O julgamento final sobre a importância da condenação de Trump chegará às mãos dos eleitores em novembro. Se o ex-presidente for derrotado, seu veredicto de culpa provavelmente será visto como uma das razões.

Se ele vencer, poderá tornar-se apenas uma nota de rodapé na tumultuada mas bem-sucedida carreira política de Trump.

"A história é escrita pelos vencedores, como todos sabemos", diz Engel.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/04/imperialismo-passado-presente-e-futuro.html

No X (ex-Twitter) @lucianoPCdoB

O ministro Haddad, da Fazenda, critica o presidente do Banco Central, Campos Neto, por alimentar relações estreitas com o mercado financeiro e pouco dialoga com o seu ministério. A crítica é justa, mas o fato não é nenhuma novidade. A independência do BC foi instituída para isso.

Somos do tamanho do que enxergamos https://bit.ly/3Ye45TD

Minha opinião

Crítica suspeita

Luciano Siqueira

 

A recente derrubada de vetos do presidente Lula em importantes projetos de Lei, no Congresso, dá azo a que na grande mídia proliferem manchetes e artigos culpando o próprio governo.

Curioso que se reconhece a correlação de forças absurdamente desfavorável ao governo, quando cerca de quatro quintos dos parlamentares das duas Casas se filiam a correntes de extrema direita e de centro-direita e, pequena parcela, ao centro.

Entretanto, importa atacar o governo.

Não pelos insucessos (previsíveis) no parlamento, mas pela intenção de levar a cabo o projeto de reconstrução nacional.

Este é o x da questão.

O complexo midiático adota postura fundamentalista na defesa dos interesses do mercado financeiro. Daí a resistência aos projetos de retomada produditva da economia do país, que ao olhar dos arautos do neoliberalismo, ameaçam o sacrossanto equilíbrio fiscal.

Leia também: https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/10/deficit-zero-bresser-pereira-opina.html

Brasil x Israel

Grupo de personalidades pede a Lula rompimento de relações com Israel

Artistas e intelectuais pedem ao presidente ação contra a violência em Gaza; carta destaca violações do governo Netanyahu e urgência de medidas humanitárias
Bárbara Luz/Vermelho


 

Um grupo formado por 44 personalidades, incluindo artistas, escritores, advogados e intelectuais – entre eles judeus – enviou uma carta ao presidente Lula (PT), solicitando que o Brasil corte relações diplomáticas e comerciais com Israel. No texto, eles afirmam que, com isso, o Brasil, “sob uma liderança de sua envergadura”, poderia contribuir “para que se encerre essa carnificina insuportável” promovida pelo país na Faixa de Gaza.

“O Brasil tem apresentado seguidas propostas para o cessar-fogo na Faixa de Gaza e a solução de dois Estados estabelecida por resoluções internacionais”, afirma o texto. “No entanto, a crescente violência imposta pelo governo Netanyahu, com ataques desumanos e cruéis contra civis, obriga o mundo a ir além de gestos e propostas diplomáticas, como já debatem diversos países da União Europeia e outras regiões”.

A carta destaca ainda que os recentes ataques de Israel a um acampamento de deslocados em Rafah, no sul de Gaza, “com dezenas de inocentes assassinados, demonstram claramente inaceitável desprezo à ética humanitária”.

Por fim, o documento propões que o país se junte “às demais nações que romperam relações diplomáticas e comerciais com o Estado de Israel, exigindo o cumprimento das decisões que colocam fim ao genocídio e garantem a autodeterminação do povo palestino”.

O documento é assinado por artistas como Chico Buarque, Gilberto Gil e Wagner Moura, escritores, intelectuais, advogados e ex-ministros de Estado. Judeus, como Anita Leocadia Prestes, o jornalista Breno Altman e o professor Bruno Huberman, também estão entre os signatários.

Vale ressaltar que o presidente Lula removeu oficialmente o embaixador brasileiro em Israel, o diplomata Frederico Meyer, e o transferiu para Genebra, na Suíça. A decisão foi publicada no diário oficial desta quarta-feira (29).

Leia a íntegra da carta:

Carta aberta ao presidente Lula sobre o genocídio do povo palestino

“Estimado presidente Lula,

“Antes de mais nada, queremos saudá-lo por seu comportamento sempre firme e coerente em solidariedade ao povo palestino, denunciando reiteradamente o genocídio do qual é vítima, especialmente suas mulheres e crianças.

“O Brasil tem apresentado seguidas propostas para o cessar-fogo na Faixa de Gaza e a solução de dois Estados estabelecida por resoluções internacionais. Graças ao seu governo, somos uma das nações que reconhecem, no âmbito das Nações Unidas, a soberania e a independência da Palestina.

“No entanto, a crescente violência imposta pelo governo Netanyahu, com ataques desumanos e cruéis contra civis, obriga o mundo a ir além de gestos e propostas diplomáticas, como já debatem diversos países da União Europeia e outras regiões.

“O governo Netanyahu viola abertamente deliberações emanadas da Corte Internacional de Justiça, colocando-se à margem do direito, além de desrespeitar o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral da ONU.

“Recentes ataques contra um acampamento de deslocados em Rafah, no sul de Gaza, com dezenas de inocentes assassinados, demonstram claramente inaceitável desprezo à ética humanitária.

“Estamos convencidos, querido presidente, que é hora de nosso país se juntar às demais nações que romperam relações diplomáticas e comerciais com o Estado de Israel, exigindo o cumprimento das decisões que colocam fim ao genocídio e garantem a autodeterminação do povo palestino.

“Essas medidas, adotadas por nosso país e sob uma liderança de sua envergadura, certamente serviriam de exemplo a outros governos e constituiriam uma imensa contribuição para que se encerre essa carnificina insuportável.

  • Amanda Harumy
  • Anita Leocadia Prestes
  • Antônio Carlos de Almeida Castro
  • Arlene Clemesha
  • Berenice Bento
  • Breno Altman
  • Bruno Huberman
  • Carol Proner
  • Cézar Brito
  • Chico Buarque
  • Eleonora Menicucci de Oliveira
  • Emicida
  • Eugênio Aragão
  • Francirosy Campos Barbosa
  • Gilberto Gil
  • Heloísa Vilela
  • Jamal Suleiman
  • Jessé Souza
  • João Pedro Stédile
  • Jones Manoel
  • José de Abreu
  • José Dirceu
  • José Genoíno
  • Juliana Neuenschwander
  • Juarez Tavares
  • Kenarik Boujikian
  • Larissa Ramina
  • Luiz Carlos Bresser-Pereira
  • Luiz Carlos da Rocha
  • Manoel Caetano Ferreira Filho
  • Manuella Mirella
  • Margarida Lacombe
  • Marly Vianna
  • Milton Hatoum
  • Nathalia Urban
  • Ney Strozake
  • Paulo Borba Casella
  • Paulo Nogueira Batista Jr.
  • Paulo Sérgio Pinheiro
  • Paulo Vannuchi
  • Pedro Serrano
  • Reginaldo Nasser
  • Salem Nasser
  • Ualid Rabah
  • Wagner Moura

Sylvio: injustiça tributária

Agora que o prazo para declarar a renda chega a seu final, uma questão deve ser levantada: por que a fome voraz do leão se dirige apenas aos assalariados? É bom frisar que boa parte dos economistas defende a tese de que salário não é renda. Além do mais, a tabela de desconto do mesmo imposto na fonte passou sete anos sem correção e, só o foi no governo atual, com a isenção de quem recebe até dois salários mínimos. Aqueles que recebem milhões, a título de lucros e dividendos, nada pagam porque tais ganhos são considerados não tributáveis. Assim, por exemplo, um empresário que tenha auferido quinhentos milhões de reais como lucro ou dividendos nada contribuirá para saciar a fome do leão, enquanto um pequeno funcionário seu que percebe um real acima de dois salários mínimos vai pagar o injusto imposto, aumentando a cada dia a absurda concentração de renda no País. O que podemos esperar da votação no Congresso em relação à  reforma tributária: os congressistas agirão como assalariados ou como representantes do empresariado?

Sylvio Belém

Palavra de poeta: Lêdo Ivo

Soneto do amanhecer

Lêdo Ivo



O dia 
Sem mancha 
Que tisne 
Sua alvura 

De cisne 
Imaculado 
Muro branco 
Branco 

De luz 
E cal 
Na pura 


[Ilustração: Maurício Arraes]

Onde está a estrela da manhã? https://bit.ly/3Ye45TD

30 maio 2024

Luiz Gama, biografia

De escravo a advogado: biografia mostra a saga única de Luiz Gama

“Luiz Gama contra o Império – A Luta pelo Direito no Brasil da Escravidão”, de Bruno Rodrigues de Lima, defende que o abolicionista foi o maior jurista do Brasil
André Cintra/Vermelho


 

Quando Luiz Gama morreu, aos 52 anos, em agosto de 1882, o jornal paulista Ça Ira! registrou em seu editorial: “A trajetória desse misterioso astro se dirige a uma grande alvorada. Tranquilizemo-nos”. Era uma forma de consolar a grande massa de admiradores do líder abolicionista – caso único no Brasil de ex-escravo que se tornou um intelectual influente.

A comoção por sua perda em São Paulo era tanta que o cortejo fúnebre se deslocou do bairro do Brás até o Cemitério da Consolação. Estima-se que 4 mil pessoas acompanharam o enterro – o equivalente a 10% da população paulistana na época.

Ninguém ousa questionar que Gama foi o maior abolicionista de São Paulo – e um dos gigantes da causa no país. Foi também jornalista, poeta e – para ficarmos no consenso – um homem a serviço da Justiça. Advogado? Jurista? Pode um autodidata receber tamanho reconhecimento?

Proibido de se matricular no curso de Direito da Faculdade do Largo do São Francisco, assistia às aulas como ouvinte e frequentava a biblioteca. Tornou-se um rábula – aquele que exercia o papel de advogado sem o diploma, mas com autorização do Poder Judiciário Imperial.

Num livro de 2010, Nelson Câmara ousou chamá-lo, já no título, de “advogado dos escravos”. A saga de um negro alforriado a personalidade do Direito, de fato, era única. Mas foi apenas em novembro de 2015, 133 anos após sua morte, que Gama foi admitido, oficialmente, como membro da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

“Temos a oportunidade de reescrever a história”, afirmou, na ocasião, o presidente da entidade, Marcus Vinicius Furtado Coelho. “Ao apóstolo negro da Abolição, pelos seus relevantes serviços prestados junto aos tribunais na libertação dos escravos, a OAB Nacional e a OAB de São Paulo concedem o título de advogado”.

Nos últimos 20 anos, o historiador Bruno Rodrigues de Lima se dedicou a estudar a atuação de Gama nos meios jurídicos. O tema o acompanha desde a formação na Universidade Federal da Bahia (UFBA) até o pós-doutorado no Instituto Max Planck, na Alemanha, passando pelo doutorado na Universidade de Frankfurt.

Sua busca resultou em mais de mil textos de autoria do abolicionista, sendo mais de 80% inéditos. O material foi a base para uma coleção de 11 livros, organizada e comentada por Bruno. Desde que os primeiros títulos da série foram lançados, em 2021, o pesquisador definia Luiz Gama como “o maior jurista da história do Brasil”.

Esta é a tese que Bruno esmiúça em seu mais novo projeto, o ensaio biográfico Luiz Gama contra o Império – A Luta pelo Direito no Brasil da Escravidão. A editora Contracorrente programou 40 lançamentos – o primeiro deles foi realizado em março, no Largo do São Francisco.

Prefaciado pelo ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida – que já foi presidente do Instituto Luiz Gama –, o livro é uma adaptação da tese de doutorado defendida por Bruno em Frankfurt. Seu foco está no empenho de Gama, “um homem preto na São Paulo branca”, para conhecer a fundo as leis, interpretá-las à luz de sua época e criar jurisprudências.

Que época é essa? Bruno traz números reveladores do Censo Demográfico de 1872. A escravidão estava presente em 100% território nacional, formado, até então, por 635 municípios e 20 províncias. Das 1.449 paróquias, 1.442 exploravam o trabalho escravo. Defender o abolicionismo era enfrentar uma cultura sacramentada – e, para isso, Gama recorreu ao Direito vigente.  

“O argumento central do livro é como Luiz Gama aprendeu Direito, como escreveu o Direito, como praticou o Direito e como inventou o Direito”, declarou o autor ao Valor Econômico. Numa única ação judicial, a chamada “Questão Neto”, o desempenho brilhante de Gama garantiu a libertação de 217 escravizados.

Em carta escrita por encomenda ao escritor Lúcio de Mendonça e datada de 25 de julho de 1880, o advogado abolicionista revela que a advocacia lhe tomou cada vez mais tempo. É “para o foro e para a tribuna” que ele se dedica com exclusividade na fase final da vida. “Ganho o pão para mim e para os meus, que são todos os pobres, todos os infelizes; e para os míseros escravos, que, em número superior a quinhentos, tenho arrancado às garras do crime”, registra Luiz Gama.

Segundo Bruno, ao menos 750 negros escravizados conquistaram a liberdade graças ao advogado negro. Essa postura combativa e bem-sucedida rendeu a Gama a pecha de “inimigo número 1 das elites imperiais e do próprio imperador”, o que merece ser visto como um glorioso elogio à luz da história. Não deixe de ler Luiz Gama contra o Império.

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Minha opinião

A vida algoritmizada

Luciano Siqueira

 

Li apenas o lide. Não tenho interesse nem tempo para ver o resto da matéria, mas registro a minha inquietação.

Trata-se da indicação dos melhores dias e horários de que homens solteiros devam frequentar as redes sociais — supostamente para encontrar seu par.

O sábado está em alta, a terça-feira em baixa.

Deve ser a resultante do "trabalho" dos algoritmos.

Ou, quem sabe, de algum site novo na ponta da inteligência artificial.

Do jeito que as coisas vão, se o indivíduo desejar uma programação supimpa (expressão do século passado), basta registrar suas necessidades e aspirações e a resultante de milhões de interações lhe dará exatamente qual a agenda semanal ideal nos três expedientes de cada dia.

Será?

Se ainda não é pode vir a ser, creio. É questão de tempo.

Certamente milhões de indivíduos subservientemente digitalizados topam se submeter a essa espécie de ditadura dos algoritmos.

Eu jamais!

Prefiro a angústia decorrente da dúvida sobre como bem usar o tempo diante de tantos afazeres e desejos. E em alguns momentos, comemorar os bons resultados de uma agenda bem formulada e bem cumprida; e em outros, me sentir dispersivo e inoperante.

Pois é a certeza da incompletude que impulsiona a imaginação e a criatividade dos humanos. A vontade de saber um pouco mais, entender, criar, aprimorar, fazer.

Se permitirmos que a inteligência artificial pense e realize por nós, estaremos todos condenados ao mais profundo e dependente tédio.

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Realismo fantástico

Em agosto nos vemos, de Gabriel García Márquez

Obra póstuma oferece uma narrativa rica e complexa, fiel ao estilo inconfundível do autor colombiano 
Bruno Fabricio Alcebino da Silva/Le Monde Diplomatique


 

Uma década após a morte de Gabriel García Márquez, e vinte anos depois do lançamento de seu último romance, o mundo literário foi presenteado com uma nova e surpreendente história intitulada Em agosto nos vemos (2024), uma obra póstuma que imediatamente cativou os leitores e críticos. Traduzido para o português por Eric Nepomuceno, amigo próximo e colaborador de García Márquez, este livro oferece uma narrativa rica e complexa, fiel ao estilo inconfundível do autor colombiano. 

Nepomuceno, que traduziu muitas obras de García Márquez (Gabo) ao longo de sua vida, descreve em uma entrevista ao Canal Arte1 a experiência de traduzir este derradeiro romance como uma tarefa extenuante, mas profundamente gratificante. Ele traduziu o livro em apenas 27 dias, um período durante o qual se dedicou exclusivamente a essa atividade, seguido de três meses de revisões meticulosas. A ausência de García Márquez foi sentida intensamente por Nepomuceno, mesmo não consultando o autor sobre as nuances de suas traduções, sempre telefonava para o vencedor do Nobel para rir e contar piadas. A partida de Gabo deixou um vazio profundo em sua alma e em todos nós, amantes e admiradores da boa literatura.   

A morte encontra a vida 

Em agosto nos vemos gira em torno de uma mulher de quarenta e seis anos, conhecida inicialmente apenas como AMB, que anualmente pega uma barca para uma pequena ilha para visitar o túmulo de sua mãe. Este ritual é tanto um ato de amor quanto uma busca por compreensão e paz interior. A protagonista, depois revelada como Ana Magdalena Bach — nome que ecoa o da segunda esposa de Johann Sebastian Bach, mas com uma variação na ortografia — é uma personagem fascinante e multifacetada.  

O vínculo que o leitor desenvolve com Ana Magdalena se constrói lentamente, baseado em suas ações e interações, seja na casa onde vive ou nos hotéis onde se hospeda durante suas visitas anuais à pequena ilha. Ela personifica uma visão feminista inédita na obra de García Márquez, que, embora narrada por um homem, é contada do ponto de vista de uma mulher. Esse enfoque feminista destaca a evolução do estilo do autor colombiano, adicionando uma nova dimensão à sua obra. Segundo Nepomuceno: “as personagens femininas dele sempre foram absolutamente marcantes, porém circunstanciais. Apareciam, definiam a história, reapareciam, mudavam o rumo da história. Sempre fundamentais. Neste livro, essa mulher marcante deixa de ser marcante para passar a ser a personagem central”. 

A protagonista de Em agosto nos vemos, é uma figura fascinante, imbuída de uma profunda erudição e um amor intenso pela literatura. Desde jovem, Ana sempre foi uma ávida leitora. Estudou Artes e Letras, quase concluindo o curso, e dedicou-se com rigor aos clássicos. Sua paixão, no entanto, estava nos romances, especialmente os longos e trágicos, que lia com voracidade. Desprezava os livros da moda, preferindo mergulhar em obras como Frankenstein de Mary Shelley e O Estrangeiro de Albert Camus, entre outros títulos clássicos que povoavam suas leituras. 

A vida de Ana também é cercada por uma presença constante e inescapável: a música. Casada com um maestro e diretor do Conservatório Estadual, e mãe de uma jovem que está de namorico com um trompetista de jazz e de um filho que ascende a solista na Orquestra Filarmônica, a família toda demonstra-se musicalmente talentosa. Ana, apesar de seu amor pela música tentou, sem êxito, aprender a tocar trompete. 

Durante suas visitas à ilha, a música e a literatura se entrelaçam na vida da protagonista. Seus encontros amorosos são embalados por boleros e valsas, criando uma atmosfera de romance e melancolia. A erudição de Ana permeia a narrativa, refletindo sua busca por sentido e beleza em meio aos altos e baixos da vida. 

Sua personagem encarna a profundidade emocional e a riqueza intelectual que Gabriel García Márquez infunde em suas obras, tornando Em agosto nos vemos uma leitura inesquecível. 

Além disso, a narrativa explora a complexidade do matrimônio e da individualidade dentro das convenções sociais. Ana Magdalena, com seus “olhos dourados, a virtude das poucas palavras e a inteligência para controlar seu temperamento”, herda essas características de sua mãe, influenciando suas ações e decisões ao longo do livro. As visitas anuais à ilha não são apenas um tributo à mãe, mas também momentos de introspecção profunda, onde Ana reflete sobre sua vida, seu casamento e suas escolhas. 

Gabo – uma última vez 

García Márquez, conhecido por sua habilidade em mesclar o realismo mágico, ou seja, as dores e sofrimentos inconsoláveis dos latino-americanos, com temas profundos de amor e solidão, cria, em Em agosto nos vemos, uma obra que é ao mesmo tempo linear e circular. A linearidade se reflete nas visitas anuais de Ana Magdalena à ilha em busca de novas aventuras e amantes, enquanto a circularidade está na repetição dos temas e nas introspecções da protagonista, que se desenrolam em ciclos, como se sua história pessoal estivesse intrinsecamente ligada a um mito particular. 

A narrativa poética de García Márquez é palpável em cada página. A atmosfera é carregada de uma beleza melancólica, onde o amor e a solidão se entrelaçam de maneira sublime. Um exemplo é a descrição da noite em que Ana Magdalena dorme com um homem que não é seu marido, uma experiência que a assombra e a faz questionar seu próprio ser: “de repente, como o raio da morte, foi fulminada pela consciência brutal de que havia fornicado e dormido pela primeira vez na vida com homem que não era o seu”. 

Este evento singular desencadeia uma série de reflexões e emoções que culminam em um final surpreendente, característico da prosa de García Márquez. A solidão de Ana Magdalena é ilustrada de forma poética: “ela tinha padecido com um sentimento insuportável de humilhação e sem um instante de sossego”. Esta solidão é exacerbada pela nota de 20 dólares deixada pelo amante, um símbolo de sua aventura momentânea e da indignidade que sente. 

O impacto de Em agosto nos vemos é inegável. Lançado em 81 países e vendendo 400 mil exemplares no mundo hispânico em apenas três dias, o romance solidifica a posição de García Márquez como um pilar da literatura mundial. Nepomuceno, destaca a importância deste livro como um marco literário, um “sabor de despedida” que ressoa com os temas clássicos do autor. 

García Márquez, que desejava que este livro fosse queimado, deixou um legado que desafia sua própria vontade. Como Eric Nepomuceno sugere, o fato de o livro não ter sido destruído permite ao destino decidir sua relevância. Assim como as obras póstumas de Kafka, Fitzgerald e Hemingway, Em agosto nos vemos encontrou seu caminho para os leitores, oferecendo uma última melodia de despedida de um dos maiores escritores do século XX. 

Embora não tenha sido submetido ao cuidadoso processo de revisão que o vencedor do Nobel sempre realizava em suas obras, o tradutor nos lembra que “esse polimento final faltou. No entanto, ainda é García Márquez em estado puro”. 

Com sua prosa lírica e introspectiva, a obra final não é apenas um testemunho do talento do colombiano, mas também uma celebração de sua capacidade de tocar profundamente o coração e a alma dos leitores. Esse livro, com sua delicada exploração do amor e da solidão, confirma o legado duradouro de Gabriel García Márquez na literatura mundial.  

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Bruno Fabricio Alcebino da Silva é Bacharel em Ciências e Humanidades e graduando em Relações Internacionais e Ciências Econômicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisador do Observatório de Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB).   

Referências: 

Canal ARTE1. Livro póstumo de Gabo. Publicado pelo canal ARTE1. YouTube, 07 de maio de 2024. Disponível em: <https://youtu.be/_BTcvOyD7NI?si=50SxfjJVIuryjVX7 >. Acesso em: 20 de maio de 2024. 

MÁRQUEZ, Gabriel García. Em agosto nos vemos. Rio de Janeiro: Record, 2024. 

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Tragédia & negacionismo

Onipresente, negacionismo contamina desde as redes sociais até a gestão pública

Catástrofe no Rio Grande do Sul mostra que negacionismo climático permeia comportamentos governamentais e estimula desinformação, potencializando riscos à população
Priscila Lobregatte/Vermelho


 

Há um mês, o Brasil vê, atônito, o Rio Grande do Sul sendo tomado por fortes enchentes que devastaram boa parte de seu território, deixando um rastro de destruição, mortes e sofrimento. A tragédia, como tantas já ocorridas dentro e fora do país, é resultado direto da sanha capitalista, que avança sem escrúpulos sobre a vida. Nascido das entranhas do sistema, o negacionismo climático tem tido papel central na destruição do planeta. E no RS, sua digital também é visível. 

Nos tempos atuais, o negacionismo cumpre com ao menos duas funções estratégicas. Habilmente, esconde a culpa dos verdadeiros responsáveis pelos mais variados crimes ambientais e, por outro, ofusca, com teorias conspiratórias e completamente fantásticas, os olhos de uma parte da sociedade suscetível a argumentos desse tipo e cotidianamente alimentada por fake news. 

No caso da tragédia do Rio Grande do Sul, a responsabilidade é, sobretudo, da visão neoliberal que prega o Estado mínimo, o enxugamento da máquina e a austeridade fiscal a qualquer custo, ainda que isso possa significar o corte de recursos importantes para a prevenção de catástrofes, o sucateamento de empresas que administram sistemas anti-enchente e a destruição da legislação ambiental, colocando em risco a vida de milhares de pessoas. 

Símbolo desse pensamento foi a declaração dada pelo governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), de que, mesmo diante de estudos alertando para a possibilidade de o estado enfrentar problemas ambientais severos, o governo vivia “outras pautas e agendas”. 

Nesse teatro trágico, o negacionismo climático também atua com desenvoltura e, em alguns casos, está até “institucionalizado”. É o caso, por exemplo, de Ricardo Gomes (PL), vice-prefeito de Porto Alegre — cidade fortemente atingida pelas inundações. Além do cargo no Executivo municipal, ele é apresentador e colaborador direto da produtora de extrema-direita Brasil Paralelo, uma das que mais propaga conteúdos negacionistas. 

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Entre outras conexões bastante questionáveis da produtora com setores empresariais e o vice-prefeito, a Agência Pública apontou, em reportagem recentemente publicada, que “a Brasil Paralelo tem diversas produções que colocam em dúvida a existência do aquecimento global, minimizam o impacto do agronegócio no meio ambiente e criticam ambientalistas”.

E continua lembrando que um dos documentários da produtora “nega o crescente desmatamento no país durante o governo Jair Bolsonaro e aponta reivindicações de ONGs e indígenas como parte de uma conspiração global para frear o agronegócio brasileiro”.  

No caso do governo de Eduardo Leite, críticos de várias áreas vêm apontando a falta de empenho da atual gestão tanto no que diz respeito à proteção ambiental quanto na preparação do estado para a crise climática — considerando que o território é suscetível, ao mesmo tempo, a secas e a chuvas extremas —, além, de como dito antes, ter ignorado alertas de cientistas e instituições públicas sobre as enchentes, feitos há anos. 

Com tantos apontamentos desprezados ao longo dos anos, alguns feitos pela própria instituição, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) enviou, no final de abril, carta ao governador reafirmando os riscos, já levantados, que as mudanças climáticas poderiam trazer ao estado.

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Diante de tantas informações, “ou se mexem ou se declaram de vez negacionistas climáticos e continuam nessa bolha opaca de onde só enxergam com as lentes da economia”, disse, ao Brasil de Fato, Heverton Lacerda, presidente da Agapan, sobre o documento. 

Vale destacar que, segundo dados do Ministério de Integração e de Desenvolvimento Regional, entre 2013 e 2023, o Rio Grande do Sul foi o estado mais atingido por eventos climáticos extremos no Brasil, com mais de 2,7 mil decretações de situação de emergência e de estado de calamidade. 

Leite — que embora tenha flertado com o bolsonarismo sempre procurou se colocar como um político moderno —, rebateu as acusações de negacionismo durante entrevista ao Roda Viva: “Não tenho nenhuma pretensão de ser mito ou salvador da pátria, mas insisto: não erramos por omissão, negligência ou negacionismo, esse governo respeita as questões ambientais”. 

Desinformação e negacionismo

Como se não bastassem governantes que flertam com o negacionismo — para não falar dos vários deputados e vereadores gaúchos bolsonaristas adeptos da mesma crença —, a situação é ainda pior graças às redes sociais. Desde que a tragédia do RS começou, uma enorme gama de notícias falsas surgiram, boa parte delas atreladas a esse tipo de “pensamento”. 

Segundo estudo feito pela NetLab (Laboratório de Estudos da Internet e Redes Sociais) da UFRJ, as narrativas difundidas durante a crise buscam: “(1) afirmar que a resposta governamental tem sido insuficiente; (2) negar a relação entre os eventos e as mudanças climáticas; (3) inserir a tragédia nas pautas morais e em teorias da conspiração; (4) inflar o papel de seus aliados na resposta à crise; e (5) se beneficiar da tragédia através de autopromoção, pedidos de doação e fraudes”. 

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No que diz respeito ao negacionismo, pontua: “também chama atenção as ações de alguns grupos de mídia que disseminam o negacionismo climático ao promoverem arrecadações e organizarem doações. É o caso da produtora Brasil Paralelo” — novamente ela —, “que se destaca no conspiracionismo ambiental, e da Revista Oeste, que tem disseminado desinformação e publicou em 05/05 uma coluna de Ricardo Felício negando as causas antropogênicas das mudanças climáticas”. 

Conforme apontou a pesquisa, parte dos conteúdos usados nas redes alega que o desastre não tem relação com a ação humana; outros pregam que seria um “castigo divino”. Uma dessas postagens, inclusive, fez uma associação racista e preconceituosa ao relacionar as enchentes ao fato de o RS ter muitos adeptos de religiões de matriz africana e que por isso, Deus estaria “punindo o estado”.

Absurdos e fantasias à parte, o negacionismo e as fake news já mostraram seu poder destruidor em mais de uma ocasião — vale citar como exemplo seus efeitos sobre a pandemia de Covid-19. Neste mesmo sentido, o  levantamento conclui que “ao influenciar a política nacional por meio da disseminação online, a desinformação climática se tornou um dos principais motores da tragédia”. 

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