O QUE FALTA PARA A REFORMA URBANA ACONTECER?
(do Estatuto da Cidade ao Estatuto da Metrópole)
George Câmara*
Quando abordamos a Reforma Urbana, estamos falando do DIREITO À CIDADE, do princípio da função social da cidade e da propriedade no contexto urbano, para garantir o bem-estar de seus habitantes, conforme previsto na Constituição Federal, ao tratar da Política Urbana.
O crescimento brusco e desordenado das maiores cidades brasileiras agravou sobremaneira a qualidade de vida de seus moradores, trazendo, mantendo ou aprofundando graves problemas, como exclusão e desigualdade social, crise habitacional, segregação espacial, degradação ambiental, violência urbana e rebaixamento da qualidade dos serviços básicos prestados à população, entre outros. Dilemas que se expressam no cotidiano das pessoas e na gestão pública.
Porém esse modelo de cidades propiciou elevados ganhos para o capital, sobretudo o seu setor especulativo imobiliário, que, com o caos, soube tirar proveito diante da miséria aí instalada. Por mais paradoxal que pareça, grandes fortunas foram feitas, no Brasil, nos últimos 60 anos, explorando serviços e especulando com o uso do solo urbano. Riqueza para poucos, extrema pobreza para a ampla maioria do povo.
Cabe lembrar do fenômeno da “mais-valia” urbana (elevação adicional do preço de imóveis a partir da chegada de obra ou serviço no seu entorno). Ou da valorização de terrenos e prédios pertencentes a financiadores de campanhas eleitorais em Municípios e Estados brasileiros, contemplados com grandes obras nas suas proximidades. No contexto urbano, essa é uma marca do reino do mercado, impressão digital de uma mão não tão invisível.
A urbanização rápida e desordenada produziu nossas cidades e metrópoles. Ao abordar a “cidade caótica”, o geógrafo Milton Santos destaca:
“Com diferença de grau e de intensidade, todas as cidades brasileiras exibem problemáticas parecidas. Seu tamanho, tipo de atividade, região em que se inserem, etc. são elementos de diferenciação, mas, em todas elas, problemas como os do emprego, da habitação, dos transportes, do lazer, da água, dos esgotos, da educação e saúde são genéricos e revelam enormes carências. Quanto maior a cidade, mais visíveis se tornam essas mazelas. Mas essas chagas estão em toda parte.” (Milton Santos, “A urbanização brasileira”).
Para regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal (Política Urbana), foi aprovada a Lei nº 10.257, em 10/07/2001 - o Estatuto da Cidade. Em seu artigo 1º, “estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental”.
O Estatuto da Cidade traçou as diretrizes gerais da Política Urbana e definiu os principais instrumentos para a sua implementação, mas a correlação de forças existente em favor dos interesses do capital impediu a sua efetivação. Passados quase quinze anos, surge o Estatuto da Metrópole (Lei 13.089, de 12/01/2015), estabelecendo importantes parâmetros legais a serem implementados pelo poder público, no contexto metropolitano.
Assim, a vida vem demonstrando que não faltam leis, mas sim a sua efetivação, dando concretude, no cotidiano das pessoas, aos direitos já conquistados, produto de muitas batalhas. A história de todos os povos reafirma, a cada dia, que depois da luta pelo direito formal, vem a luta pelo direito material. O respeitado jurista alemão Ihering nos ensina que:
“O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos indivíduos.” (Rudolf von Ihering, “A luta pelo direito”).
Cabe às pessoas que vivem nas cidades e regiões metropolitanas, a construção da luta pela efetivação de seus direitos a uma vida digna, para fazer valer aquilo que já está na lei. Os instrumentos de luta vão do voto consciente à fiscalização dos mandatários, das reuniões de bairros às amplas manifestações de rua, entre tantas outras ações. Afinal, direito não é coisa que cai de pára-quedas.
*Ex-vereador pelo PCdoB em Natal
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