Na cena política,
placas tectônicas se movem https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/minha-opiniao_4.html
A construção coletiva das idéias é uma das mais fascinantes experiências humanas. Pressupõe um diálogo sincero, permanente, em cima dos fatos. Neste espaço, diariamente, compartilhamos com você nossa compreensão sobre as coisas da luta e da vida. Participe. Opine. [Artigos assinados expressam a opinião dos seus autores].
05 agosto 2025
Postei nas redes
04 agosto 2025
Minha opinião
Agora em prisão domiciliar
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Terá sido uma provocação mal calculada ou absoluta indisposição em lidar com a legalidade institucional?
O fato é o STF determinou a
prisão domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro por descumprimento das
restrições legais antes estabelecidas.
Pesou sobretudo a fala,
ainda que breve, aos manifestados reunidos no Rio de Janeiro, domingo, via
telefonema ao filho senador.
Em seu
despacho, o ministro Alexandre de Moraes mencionou a evidência pública de que o
ex-presidente usou redes sociais de filhos e aliados para driblar as medidas
cautelares e incentivar ataques ao Supremo e à soberania nacional.
A decisão
estabelece que Bolsonaro deva cumprir prisão domiciliar em sua residência
usando tornozeleira eletrônica, além de proibido de receber visitas, salvo de
familiares próximos e advogados.
A decisão
do STF eleva mais ainda a temperatura do confronto do capitão reformado com a
Justiça praticamente as vésperas do julgamento do processo a que responde perante
o STF, juntamente com outros envolvidos na frustrada trama golpista.
Pagou para
ver – e o que está “vendo” não lhe é nada agradável.
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Palavra de poeta
Cantada
Ferreira Gullar
Você é mais bonita que uma bola prateada
de papel de cigarro
Você é mais bonita que uma poça d’água
límpida
num lugar escondido
Você é mais bonita que uma zebra
que um filhote de onça
que um Boeing 707 em pleno ar
Você é mais bonita que um jardim florido
em frente ao mar em Ipanema
Você é mais bonita que uma refinaria da Petrobras
de noite
mais bonita que Ursula Andress
que o Palácio da Alvorada
mais bonita que a alvorada
que o mar azul-safira da República Dominicana
Olha,
você é tão bonita quanto o Rio de Janeiro
em maio
e quase tão bonita
quanto a Revolução Cubana
[Ilustração: Di Cavancanti]
Leia também um poema de Mia Couto https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/palavra-de-poeta_29.html
Geopolítica em ebulição: perspectivas
Geopolítica em ebulição: EUA em crise, BRICS em alta e o Brasil no jogo
O
império em crise: os EUA estão perdendo o controle? BRICS e Sul Global: o novo
centro do mundo? China, guerras e disputas: como o mundo está se reorganizando.
O papel do Brasil nesse tabuleiro.
Veja também: O mundo em transição e a atualidade da luta pelo socialismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/o-mundo-em-transicao-e-atualidade-da.html
EUA em declínio
Decadência do império americano
O MAGA é um grito de pânico de um império em decadência, tentando congelar o tempo e restaurar um mundo não mais existente. O complexo industrial americano hoje não compete com os carros elétricos chineses, com os semicondutores de Taiwan, ou com a engenharia robótica da Coreia
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*/A Terra é Redonda
1.
A crise americana contemporânea representa o desespero de Donald Trump e de parte da elite política e econômica dos EUA com a percepção de declínio irreversível da hegemonia norte-americana, em um mundo incapaz de aceitar mais, sem questionamento, a ordem do pós-guerra. Ela garantiu aos EUA o privilégio exorbitante de dominar a moeda, o crédito, o consumo e a narrativa global.
Donald Trump, na realidade, demonstra um pânico imperial: o medo da decadência americana. O desespero dele é o desespero do Império americano decadente, tal como já aconteceu com o romano, o chinês – auge com a dinastia Ming (1368-1644), depois da queda da dinastia Mongol, iniciada em 263 – e o britânico, se olha no espelho do século XXI e não se reconhece mais como potência incontestável.
Durante 1980 anos, os EUA desfrutaram do chamado por Valéry Giscard d’Estaing chamou de “privilégio exorbitante”: a capacidade de emitir a moeda de reserva global (o dólar) sem lastro produtivo correspondente, financiando déficits colossais com a confiança alheia na compra dos títulos de dívida pública americana. Em resumo, os EUA consomem o não produzido por si próprio e gastam o não arrecadado em tributos – e quem financia esse privilégio é o resto do mundo!
Esse arranjo funcionou porque o dólar era tido como porto seguro global. Os títulos do Tesouro dos EUA (Treasuries) eram comprados por Bancos Centrais do mundo inteiro como ativos de reserva supostamente imunes ao risco.
A indústria americana dominava o valor agregado, enquanto o Sul Global exportava commodities baratas e importava valores caros. Mas agora, a revolução comunista da China virou uma revolução consumista, com o barateamento dos antes considerados “bens-de-luxo” (ou bens de consumo capitalista), e essa engrenagem está em processo de erosão histórica.
A nova divisão internacional do trabalho desponta porque o mundo está exaurido de tanto financiar os Estados Unidos. Enquanto os EUA tentam manter seu padrão de consumo e militarismo com base em emissão de papel-moeda e dívidas, o Sul Global reage: China, Índia, Brasil e Rússia criam acordos bilaterais em moedas locais; reservas internacionais começam a ser diversificadas com RMB, ouro e até criptoativos soberanos; o BRICS amplia discussões sobre alternativas ao dólar para financiamento e comércio.
Infraestruturas como Pix, Drex, CIPS, UPI e e-CNY oferecem tecnologia de ponta para pagamentos baratos e instantâneos, em sistemas públicos e gratuitos não possuídos pelos EUA. A ironia é brutal: o império inventor do cartão de crédito e o dólar digitalizado não tem Pix, Drex ou DrexCoin, enquanto o Sul Global lidera a revolução dos pagamentos em tempo real.
2.
A mudança na tecnologia industrial é ilustrada pela fuga da Ford diante o mercado brasileiro e a BYD adquirindo sua fábrica na Bahia, ampliando-a e modernizando-a. A ironia é maior quando se observa o significado da sigla BYD: Build Your Dreams, em português se traduz como “Construa Seus Sonhos”. A empresa BYD é uma fabricante chinesa de carros elétricos e híbridos, e atua também em outras áreas como eletrônicos, energia renovável, baterias e transporte ferroviário.
O complexo industrial americano, outrora vanguarda da revolução fordista, hoje não compete com os carros elétricos chineses, com os semicondutores de Taiwan, ou com a engenharia robótica da Coreia.
A revolução fordista refere-se à introdução e disseminação do Fordismo, um sistema de produção em massa idealizado por Henry Ford. Ele revolucionou a indústria automobilística e a produção industrial em geral no século XX.
Esse sistema era caracterizado pela aplicação da linha de montagem semiautomática, pela padronização de produtos e processos e pela especialização do trabalho. Resultava em grande aumento da produtividade e na redução dos custos de produção.
A inovação mais marcante foi a linha de montagem. Trouxe o trabalho até o operário, em vez de o operário se deslocar, reduzindo o tempo e a complexidade de cada atividade produtiva. Baseou-se na produção de grandes volumes de produtos idênticos. Permitiu uma fabricação eficiente e barata de automóveis.
Os operários passaram a ser especialistas em uma única, ou poucas ações, na linha de montagem. Isso aumentou a eficiência, mas também tornou o trabalho repetitivo. Os operários eram alienados do resultado e atuavam como autômatos.
Como tais, a revolução robótica em linha de montagem significa a integração de robôs avançados e sistemas automatizados em processos de produção industrial, aumentando a eficiência, precisão, velocidade e segurança. É impulsionada por inovações como inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina (machine learning) e a Internet das Coisas (IoT).
Evidência disso é a BYD ter ultrapassado a Tesla do bilionário financiador da campanha de Trump na produção de elétricos. A China lidera a produção de painéis solares, baterias, inteligência artificial aplicada à indústria e infraestrutura 5G. Enquanto isso, os EUA gastam mais em armas e guerras em vez de investir em infraestrutura e inovação civil. E querem o resto do mundo ainda o financiar!
3.
Daí a reação desesperada por meio de tarifas, muros de segregação e fake news como o MAGA (Make America Great Again), um slogan político americano popularizado por Donald Trump. O tempo não é reversível!
Donald Trump, como expressão política do declínio, não oferece um novo projeto produtivo para os EUA, inclusive porque sua reindustrialização não é desejada pela maioria dos trabalhadores em serviços urbanos, mas sim um projeto reacionário de contenção do desenvolvimento do resto do mundo.
Tarifaços sobre o Brasil, a China, o Canadá, o México etc., guerra cambial e tecnológica disfarçada de “defesa nacional”, sabotagem de instituições multilaterais como OMC, ONU, FMI (quando perdem o controle sobre elas) e a propagação do medo e da mentira como política de Estado darão “certo”?!
O MAGA é, na verdade, um grito de pânico de um império em decadência, tentando congelar o tempo e restaurar um mundo não mais existente. O Brasil, se mantiver a visão social-desenvolvimentista estratégica, nas próximas eleições, poderá aproveitar o vácuo de legitimidade do dólar para propor mecanismos de compensação regional e infraestrutura monetária autônoma como o Drex e redes BRICS.
Defenderá sua soberania industrial e energética, rompendo com a lógica de subordinação cambial e tecnológica. Estimulará uma política de inovação produtiva voltada ao Sul Global, em vez de reproduzir a lógica extrativista exportadora.
Mas, para isso, precisa abandonar “o complexo de vira-lata monetário” do quinta-coluna Capachonaro e a submissão doutrinária aos “mercados” do Norte Global. Terá de criminalizar os vendilhões da pátria, isto é, pessoas capazes de sem pudor traírem o interesse nacional, o patrimônio ou a soberania do seu país em troca de benefícios pessoais ou familiares, econômicos ou políticos.
Evidentemente, o dólar não cairá de um dia para o outro — mas já está caindo em legitimidade. O colapso do “privilégio exorbitante” dos EUA não será uma explosão súbita, mas sim um declínio gradual e desordenado, marcado por crises cambiais recorrentes, evasão de reservas dos EUA, busca por alternativas de liquidação comercial e reserva de valor em outras moedas e ativos confiáveis.
O desespero de Donald Trump é apenas o sintoma mais explícito de um império americano decadente diante o império chinês. Este está se reerguendo justamente por deixar de ser exclusivista e autossuficiente como se imaginou no passado. Os EUA temem não mais controlar o valor da moeda mundial, nem a narrativa da verdade, nem a perspectiva do futuro.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). [https://amzn.to/4dvKtBb]
Foto: Pamela Marie
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Geopolítica da inteligência artificial https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/inteligencia-artificial-na-cena-global.html
Humor de resistência
Leia também: Uma oposição surreal https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/03/minha-opiniao_3.html
Minha opinião
Placas tectônicas em movimento
Luciano Siqueira
Não é exatamente um "fato fortuito" semelhante aos que Karl Marx mencionou em algumas de suas análises políticas, a exemplo dos “acontecimentos inesperados” que, a seu ver, possibilitaram que Bonaparte ascendesse ao poder, em sua obra "O 18 de Brumário de Luís Bonaparte".
Entretanto,
o tarifaço de Donald Trump produz a aceleração do movimento de placas
tectônicas no sentido de melhorar a dura correlação de forças na qual opera
governo Lula 3.
Tanto
pelos estragos econômicos que produz, como pelo evidente envolvimento de
elementos do bolsonarismo no minoritário coro que aplaude a subversão do padrão
das relações comerciais entre os dois países, carimbado com a tentativa de
interferir no poder judiciário brasileiro.
Ao modo
de um round de renhida luta de boxe, Lula sai das cordas e passa à ofensiva.
Cumpre o
papel que ele cabe na defesa das instituições democráticas e da soberania do
país.
Articula-se
com agentes econômicos hostis ao governo para a ação comum.
Na outra
extremidade, o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus acólitos esperneiam com desavergonhado
discurso pro norte-americano combinado com a esdrúxula apelação à suspensão dos
processos em curso no STF, que apuram a conjura golpista.
Mais: aos
olhos de parcelas crescentes da população a distinção entre defensores da nação
versus capachos dos EUA mostra-se nítida.
Quais as
consequências políticas desse enredo, em médio prazo?
Cedo para
responder. Acompanhamos o curso dos acontecimentos.
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A esquerda e as forças progressistas diante de novos
desafios https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/walter-sorrentino-opina_22.html
Postei nas redes
Absurdo que gente que se diz patriota ostente bandeiras dos EUA em manifestações de rua em apoio a Bolsonaro e em favor do tarifaço de Trump contra o Brasil.
A esquerda e às forças progressistas diante de novos desafios https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/walter-sorrentino-opina_22.html
Operação insidiosa das big tech
Ofensivas de Trump apenas vulgarizam o que as big tech já fazem desde sempre
O investimento das big tech em think tanks, grupos de pesquisa em universidades privadas, conferências de privacidade de dados e outros espaços de debate sobre tecnologia criam um ambiente de promoção da ignorância e esquecimento sobre o histórico e o presente antidemocrático das big tech
Juliane Cintra e Tarcizio Silva/Le Monde Diplomatique
É 2012 e pesquisadores do Facebook realizam experimento de manipulação psicológica com algoritmos e chocam-se ao perceberem que esqueceram que a plataforma foi criada para ranquear estudantes de forma misógina. É 2015: pesquisadoras identificam que recursos do Facebook ocultaram mobilizações do Black Lives Matter. É 2017: massacres em Myanmar levam à fuga de centenas de milhares – Anistia Internacional aponta papel da promoção algorítmica do ódio. É 2018, o escândalo da Cambridge Analytica reforça o poderio das big tech em influenciar eleições. É 2021, funcionários da Google e Amazon protestam contra o Projeto Nimbus, que oferece IA e infraestrutura digital ao apartheid israelense. É 2025: ferramenta Grok exalta Hitler no X, antigo Twitter. Caso relembra o célebre Tay B ot da Microsoft, que fez o mesmo no Twitter em 2016.
É janeiro de 2025: Mark Zuckerberg (Meta), Sam Altman (OpenIA), Elon Musk (X), Sundar Pichai (Google), Jeff Bezos (Amazon) e Peter Thiel (Palantir) participam da posse de Donald Trump, costuram novos contratos e abandonam compromissos de fachada – nunca realmente cumpridos – ligados à sustentabilidade, diversidade e transparência. No Brasil, a Advocacia Geral da União realiza audiência pública em reação à repentina mudança de termos de uso das plataformas. As empresas não enviam representantes.
Junho de 2025. Brasil lança, com pouca escuta da sociedade civil, versão atualizada “Plano Brasileiro de Inteligência Artificial” que inclui diversas menções positivas a empresas como OpenIA e, apesar de incluir menções à “redução da dependência externa”, as ações e investimentos são eclipsados pela enormidade de gastos que o país tem com as big tech. Só em 2024, foram R$ 10 bilhões gastos em ferramentas, softwares e serviços de nuvem que, ainda, vulnerabilizam dados de brasileiros. Pouco antes, o ministro da Fazenda se reuniu com representantes da Amazon e da Nvidia para levar um plano de incentivos fiscais para construção de data centers no Brasil. Brasileiros ainda não conhecem as condições do plano.
Chegamos a agosto de 2025 e a vulgaridade das ofensivas de Trump tem parceiros e beneficiários muito evidentes. Em declaração cheia de desinformação, a Casa Branca afirmou que a motivação para taxar desproporcionalmente o Brasil inclui as supostas ações do país para “tiranicamente e arbitrariamente coagir empresas dos EUA a censurar discurso político, desplataformizar usuários, entregar dados sensíveis ou mudar suas políticas de moderação”.
O Brasil sofre de síndrome de Estocolmo com as big tech – o triste fenômeno psicológico quando vítimas de sequestro ou abuso desenvolvem sentimentos positivos e de dependência com seus agressores. As evidências do papel das big tech e capital financeiro sedento por usar tecnologias digitais e IA para aprofundar explorações parecem ser ignoradas por políticas públicas, ao mesmo tempo que a sociedade civil organizada não consegue espaço para participar – ou ao menos ter acesso a informações que deveriam ser transparentes.
As más decisões do Estado brasileiro sobre as big tech não acontecem num vácuo. Tais empresas são muito mais sofisticadas para incidir politicamente que a expressão mais agressiva do trumpismo deixa transparecer. Parte expressiva do Congresso Nacional brasileiro tem sido capturada pela influência dessas corporações, que contam com acesso privilegiado aos espaços decisórios e conseguem pautar a agenda legislativa em favor de seus interesses.
O abuso de poder econômico de grupos como Meta, Alphabet e Microsoft se manifesta não só na pressão sobre parlamentares, mas também na influência exercida sobre outros atores no campo da governança das tecnologias digitais. O investimento das big tech em think tanks, grupos de pesquisa em universidades privadas, conferências de privacidade de dados e outros espaços de debate sobre tecnologia criam um ambiente de promoção da ignorância e esquecimento sobre o histórico e o presente antidemocrático das big tech e o que representam.
Nesse contexto, o avanço da regulamentação das plataformas de redes sociais no Brasil, muitas vezes alardeado como censura prévia, aparece atravessado pelo lobby e pressão do setor privado, escancarando como seu poder se infiltra nas instituições e corrói a capacidade de defesa de um processo democrático efetivo.
Os impactos negativos da ofensiva de Trump a tantos setores brasileiros diferentes e os decorrentes benefícios de apoio ao governo federal na opinião pública, assim como a fragilização da confiança nos Estados Unidos, abrem uma janela de oportunidade ímpar. Agentes públicos, sociedade civil e pesquisadores acadêmicos, assim como o empresariado nacional responsável, podem tomar melhores decisões que reconheçam que o problema vai muito além de Trump – e que precisamos de um imaginário tecnológico de futuro que inclua soberania digital de forma significativa.
Juliane Cintra é jornalista, mestra em direitos humanos e coordenadora do projeto Nanet.
Tarcizio Silva é comunicador, doutor em ciências humanas e sociais e consultor do projeto Nanet.
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Unir o Brasil para rechaçar ataque de Trump https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/palavra-do-pcdob_11.html
Palavra de poeta
FASES
Maurílio Rodrigues*
No começo, na infância,
Todas as coisas juntas estão.
Uma alegria, uma esperança,
O amor materno,
Mais do que o pai.
Tudo é novidade,
Tudo é infinito e bonito.
Os tempos passam,
E logo chega a verdade.
As dores do mundo,
O choque de realidade.
Nesta balança da vida,
O amadurecimento pesa,
E a infância passa a ser leve.
Sobram inconformidades,
E muitas saudades.
[Ilustração: Pierre August Renoir]
*Médico cardiologista, poeta Leia também um poema de Mario Benedetti https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/palavra-de-poeta-mario-benedetti.html
Insegurança & crime organizado
Como o crime desorganizado aumenta a sensação de insegurança no Brasil
Análise das diferenças entre crime organizado e desorganizado, seus efeitos no Brasil e propostas para reduzir a insegurança
José Carlos Pires/Portal Grabois www.grabois.org.br
A violência na sociedade brasileira é resultado, entre outros fatores, da ação do crime organizado por meio das diversas organizações criminosas. Entre elas o Primeiro Comando da Capital (PCC), o Comando Vermelho (CV) e, muitas vezes, pela ação do crime desorganizado. O crime organizado e o crime desorganizado têm natureza diversas. Contudo, em determinado contexto, existem conexões entre ambos, principalmente nos territórios das periferias das cidades brasileiras ocupados pelo crime organizado.
O que diferencia o crime desorganizado do crime organizado
O termo “crime organizado” refere-se a atividades criminosas planejadas, estruturadas e realizadas por grupos com uma hierarquia clara e divisão de tarefas, que geralmente envolvem atividades como tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e outras situações. Essas organizações atuam com planejamento, uso de inteligência, controle de territórios. Por possuírem uma estrutura complexa, são mais difíceis de desmantelar.
Já o termo “crime desorganizado” refere-se a atos criminosos que não seguem uma estrutura hierárquica ou planejada, muitas vezes, são realizados de forma impulsiva e violenta, por indivíduos isolados ou em pequenos grupos. Essa forma de criminalidade cria diretamente a sensação de insegurança pública, pois gera um ambiente de imprevisibilidade, medo e insegurança na população.
Entre os principais tipos de crimes desorganizados destacam-se o homicídio doloso, homicídio culposo em decorrência do trânsito, roubos e furtos diversos (celulares, residência, carga de pequeno monte), roubos e furtos de veículos, estelionato, violência contra as mulheres (física, psicológica, patrimonial), homofobia, racismo estrutural, perturbação do sossego. Essas ações, muitas vezes rotineiras, criam um ambiente de imprevisibilidade, medo, insegurança, que afasta a convivência pacífica e aumenta o medo na população.
Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, relativo ao ano de 2024 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ocorreram 44.127 mortes violentas intencionais, representando uma taxa de 20,8 por 100 mil habitantes, 1.492 vítimas de feminicídios e 3.870 vítimas de tentativa de feminicídios, 87.545 vítimas de estupro, sendo que 76,8% das vítimas de estupro eram de vulneráveis. Além disso, houve 917.748 roubos e furtos de aparelhos de celulares no Brasil.
Estratégias para reduzir a violência causada pelo crime desorganizado
Por isso, para o enfrentamento do crime desorganizado de forma eficaz e efetiva é necessário adotar uma abordagem sistêmica, integrada e perene que envolve ações dos entes federados – União, Estados, Distrito Federal e os Municípios – por meio da atuação dos órgãos de Segurança Pública, Polícia Federal, Polícias Militar e Civil, Guarda Municipal, os órgãos de Poder de Polícia Administrativa, fiscalização de trânsito, comércio, postura, vigilância sanitária, do uso de tecnologia para a produção de dados, conhecimento e informações para o trabalho de inteligência na prevenção e repressão à criminalidade, a implementação de pol&i acute;ticas sociais de prevenção à violência, trabalho de zeladoria, a garantia de iluminação pública de qualidade e o fomento à participação da sociedade.
Dentre as várias medidas para a prevenção e o enfrentamento do crime desorganizado, o fortalecimento do sistema de inteligência policial é fundamental para antecipar ações criminosas e identificar os fatores que aumentam a explosão no números de atos impulsivos. Além disso, a implementação de políticas públicas de prevenção social específicas nas áreas de educação, cultura, esporte, lazer, qualificação profissional, geração de emprego e renda para os grupos de maior vulnerabilidade social é decisiva para reduzir fatores que impulsionam o crime desorganizado.
Outro aspecto importante é o fortalecimento das redes de proteção às vítimas, especialmente jovens, mulheres, grupos LGBTQIA+ e comunidades das periferias das cidades, além da adoção de políticas de combate a qualquer tipo de discriminação. Os programas de mediação de conflitos, ações educativas e promoção de ambientes de convivência também contribuem para a prevenção e o enfrentamento da violência e do crime desorganizado. Por isso, a intervenção social e o diálogo com lideranças locais são estratégias essenciais para a formação de um ambiente mais justo e sustentável.
A implementação de políticas sociais de prevenção a violência deve estar articulada a iluminação pública de qualidade, atuação dos órgãos de Segurança Pública no patrulhamento ostensivo preventivo com relação de proximidade com a comunidade – realizando a ronda escolar, a Patrulha Maria da Penha –, a proteção sistêmica do patrimônio ambiental e cultural na prevenção e repressão à violência e à criminalidade a partir do planejamento operacional.
Por que o enfrentamento do crime desorganizado exige políticas amplas e sociais
O enfrentamento da violência e da criminalidade é desafio complexo, multifatorial, que depende da atuação coordenada, integrada, sistêmica e perene dos entes federados, bem como a participação efetiva da sociedade visando a defesa dos Direitos Humanos, a garantia do pleno exercício da cidadania, a ordem pública e a construção da paz social. Tudo isso já está contemplado na Lei Federal nº 13.675/2018, que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e dispõe, em seu artigo 2º, que: “A segurança pública é dever do Estado e responsabilidade de todos, compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, no âmbito das competências e atribuições legais de cada um”.
A construção da paz social nos territórios urbanos e rurais das cidades brasileiras está vinculada a realização de ações que vão além da repressão policial e do Direito Penal. É preciso promover o desenvolvimento territorial, melhorar as condições de moradia, saúde, educação e oportunidades econômicas, criando uma rede de proteção social que minimize as razões de conflito e violência.
A prevenção e o enfrentamento do crime desorganizado são fundamentais para garantir a segurança pública efetiva nos territórios dos municípios brasileiros e contribuir para o pleno funcionamento das funções sociais das cidades, para o desenvolvimento econômico, social e ambiental do Brasil. Para tanto, são necessárias ações estratégicas, como a elaboração de um Plano de Segurança Pública, como instrumento de governança da Política de Segurança Pública e de implementação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), constituído por um diagnóstico situacional destinado a identificar as causas e os tipos de crimes desorganizados presentes nos diversos territórios municipais, além da definição de diretrizes, objetivos, metas e ações adequ adas, visando à construção da paz social.
José Carlos Pires é advogado, membro da efetivo da Comissão Especial de Segurança Pública da OAB/SP, da Coordenação Estadual da ADJC-SP, mestre em Desenvolvimento de Negócios e Inovação; especialista em Gestão Pública Municipal; consultor em Segurança Pública; autor dos livros Segurança Pública Uma Inovação na Gestão, Sistema Único de Segurança Pública no âmbito municipal e Organizador dos Livros Violência, criminalidade, Segurança Pública e Segurança Pública; Integração, Inteligência e Prevenção; Gestor de Segurança Pública no Município de Jundiaí – SP de 2013/2016.
Ilustração: Maxim Hopman
Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 23 jul. 2025.
BRASIL. Lei Federal nº 13.675, de 11 de junho de 2018. Institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS). Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13675.htm. Acesso em: 23 jul. 2025.
KOPITTKE, A. Manual de Segurança Pública Baseada em Evidências. Passo Fundo: Conhecer, 2023.
MARIANO, B. Segurança Pública: o calcanhar de Aquiles da esquerda e do campo democrático. Avaré: Editora Contracorrente, 2024.
NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL – ONU BR. Agenda 2030. 2015. Disponível em:
https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: 23 jul. 2025.
LOZANO, A.; PIRES, J. C.; SCÁRDUA, M. Segurança Pública: integração, inteligência e prevenção. Jundiaí: Editora Fibra & Edições Brasil, 2025.
PIRES, J. C. Violência, criminalidade e segurança pública: estratégias para garantir a ordem pública, o pleno exercício da cidadania e a construção da paz social. Jundiaí: Editora Fibra & Edições Brasil, 2023.
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Veja: crime organizado & milícias https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/seguranca-publica-crime-organizado-e.html
Segurança Pública, crime organizado e milícias
Postei nas redes
Governadores de direita pretensos pré-candidatos à presidência da República não compareceram às manifestações bolsonaristas de ontem. Abandonando barco?
Duas cenas marcantes https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/minha-opiniao_18.html
Urariano Mota opina
A vergonha
Para Fux, o que importa é receber o prêmio de Trump e assemelhados
Urariano Mota
Para situar o sinuoso agir do ministro Luiz Fux, do STF, uma notícia de julho deste 2025:
“Trump suspendeu os vistos de oito dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Dias Toffoli, Cristiano Zanin, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Inclusive o do Procurador-Geral da República, Paulo Gonet”.
Depois, em 30 de julho, o déspota dos Estados Unidos utilizou a chamada Lei Magnitsky: todos os eventuais bens de Alexandre de Moraes nos EUA estão bloqueados, assim como qualquer empresa que esteja ligada a ele. O bravo ministro também não pode realizar transações com cidadãos e empresas dos EUA — usando cartões de crédito de bandeira americana, por exemplo. O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, mencionou diretamente uma suposta “caça às bruxas” tendo o ex-presidente Jair Bolsonaro como alvo por parte do ministro.
Esses acontecimentos geraram no digno ministro Flávio Dino esta declaração:
“Minha solidariedade pessoal ao ministro Alexandre de Moraes. Ele está apenas fazendo o seu trabalho, de modo honesto e dedicado, conforme a Constituição do Brasil. E as suas decisões são julgadas e confirmadas pelo colegiado competente (Plenário ou 1ª Turma do STF)”.
Ficaram fora da lista de perseguição de Trump contra a justiça brasileira os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Luiz Fux. Tirando André Mendonça e Nunes Marques, dois indicados por Bolsonaro, fiéis ao golpista, surpreende a ausência de Luiz Fux da medida arbitrária. E pelo visto, ficou bem feliz pelo reconhecimento do governo dos Estados Unidos.
Mas, surpresa mesmo é o silêncio de Fux diante da sua desonrosa exclusão.
No seu voto em 21/07/2025:
“Verifico que a amplitude das medidas impostas (da tornozeleira a Bolsonaro) restringe desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares.
Deveras, mesmo para a imposição de cautelares penais diversas da prisão, é indispensável a demonstração concreta da necessidade da medida para a aplicação da lei penal e sua consequente adequação aos fins pretendidos. À luz desses requisitos legais, não se vislumbra nesse momento a necessidade, em concreto, das medidas cautelares impostas”.
Mas antes, contra Lula, o tortuoso ministro Fux votou contrário. Em setembro de 2018, ele censurou um pedido de entrevista de Lula, feito pela Folha de S. Paulo. A autorização para a conversa com a colunista Mônica Bergamo já havia sido dada pelo então ministro Ricardo Lewandowski, mas foi revertida por Fux.
Na época — e prestem atenção às curvas da retórica — Fux disse que a liberdade de imprensa é algo que poderia ser relativizado e não pode ser alçado a um “patamar absoluto incompatível com a multiplicidade de vetores fundamentais estabelecidos na Constituição”. Que belo atestado moral.
Vergonha.
Diante disso, eu me lembrei da grandeza e dignidade de Tchekhov. Quando Máximo Gorki foi eleito membro honorário da Academia de Ciências, mas teve sua posse impedida pelo czar, Tchekhov protestou contra e se demitiu da Academia. Sim, é claro que Trump não é o czar, embora se porte como tal, e os ministros do STF perseguidos não são Górki, nem muito menos – longe de mim comparar estaturas literária e ética – Fux é Tchekhov. Mas o caso me vem pelo exemplo da dignidade histórica.
Para Fux, o que importa é receber o prêmio de Trump e assemelhados. Em lugar de se sentir desonrado pelo silêncio diante da agressão, o ministro parece estar feliz por poder visitar a Disneylândia. Vergonha é artigo que não se vende na feira.
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Leia: Ronald Freitas: Soberania inegociável https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/ronald-freitas-opina.html
Humor de resistência
“O Brasil exige respeito e não cederá às pressões de Trump” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/lula-no-new-york-times.html
Editorial do 'Vermelho'
Governo Lula enfrenta com êxito ataque de Trump
Posição firme, respaldada por ampla convergência patriótica, enfrenta afronta à soberania nacional, mas confronto será duro e está apenas no começo
Ediorial do "Vermelho"
A ordem executiva impondo ao Brasil tarifa de 50% assinada por Donald Trump, instrumento que dá ao presidente dos Estados Unidos poder de tomar decisão individual, é essencialmente uma farsa. Foi anunciada também a inclusão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, na lista de autoridades sancionadas pela Lei Global Magnitsky, que pune estrangeiros considerados autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
As medidas, divulgadas em 30 de julho, são uma afronta à soberania nacional e aos princípios do direito internacional, um ataque à democracia e às instituições brasileiras. O próprio inspirador da Lei Global Magnitsky, Willian Browder, disse, em entrevista à BBC Brasil, que ela não foi criada para ser usada para vinganças políticas. “O uso atual da Lei Magnitsky é puramente político e não aborda as questões de direitos humanos para as quais ela foi originalmente elaborada. E, como tal, é um abuso das intenções da lei”, afirmou.
O Brasil é o país mais taxado, mesmo com uma lista de quase 700 exceções, que excluem 43% do valor de itens brasileiros exportados para os Estados Unidos. Escapam do tarifaço itens como derivados de petróleo, ferro-gusa, produtos de aviação civil e suco de laranja. Contudo, carnes, café e pescado não escaparam, bem como produtos do setor de máquinas e equipamentos.
A medida, originalmente marcada para esta sexta-feira, 1º de agosto, foi adiada para o dia 6 de agosto. Até lá pode haver mais mudanças. Apesar das exceções, a ordem de Trump é extremamente danosa à economia nacional. Afeta o desenvolvimento nacional, enfraquecendo empresas, quebrando cadeias produtivas e gerando desemprego.
As duas medidas também atestam, uma vez mais, que as tarifas têm motivação que vai muito além da esfera comercial. No caso da retaliação ao ministro Alexandre de Moraes, o que está em questão é o Poder Judiciário, que cumpre seu dever constitucional ao defender o Estado Democrático de Direito no julgamento, já em fase final, de Bolsonaro e seus cúmplices, implicados em graves delitos contra a ordem democrática e os interesses nacionais. Por isto, defender o STF, nesta hora, é uma tarefa democrática, patriótica de primeira grandeza.
As razões de fundo desse ataque de Trump são a tentativa de reverter o declínio da hegemonia dos Estados Unidos diante do prestígio e da ascensão da China. O primeiro objetivo é impor domínio completo sobre os países da América Latina e Caribe. Para isso, o Brasil é peça-chave, pelo tamanho de sua economia e por sua importância geopolítica.
Trump planeja ter no Brasil um governo subserviente, vassalo, objetivo que tenta alcançar nas eleições de 2026. Desde que ele enviou, pela internet, carta ao presidente Lula, em 9 de julho, com suas alegações comerciais e políticas para justificar a taxação, os campos dos verdadeiros patriotas e dos traidores da pátria têm sido bem demarcados.
Bolsonaro e seu clã, o Partido Liberal (PL) – que abriga as principais lideranças políticas do golpismo e dos traidores da pátria – se desmascararam como base política de apoio aos ataques de Trump. Em particular, Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente de extrema-direita, que, de maneira escancarada, se apresenta como agente do presidente estadunidense. Uma espécie de metralhadora giratória contra seu próprio país. Por isto, deve ser cassado sem demora pela Câmara dos Deputados. E se por os pés em solo pátrio precisa ir direto à cadeia.
O governo do presidente Lula alcançou êxito parcial ao enfrentar as afrontas de Trump, mas a ofensiva vai além do seu recuo parcial. Lula demonstrou altivez e coragem política, atitude registrada na chamada de sua entrevista ao jornal The New York Times ao dizer que “ninguém desafia Trump como o presidente do Brasil”. “Tenham certeza de que estamos tratando isso com a máxima seriedade. Mas seriedade não exige subserviência”, disse o presidente brasileiro.
O governo tem adotado a tática acertada de unir, na defesa dos interesses do Brasil, um amplo leque econômico e político, as instituições, setores da imprensa, as organizações do povo e dos trabalhadores, com ações de esclarecimentos em pronunciamentos do presidente e em notas públicas. Na batalha da comunicação, tem se manifestado de forma a deixar nítida a verdade dos fatos.
Além do governo, partidos políticos, movimentos sociais e centrais sindicais têm assumido posições firmes e amplas. A iniciativa da União Nacional dos Estudantes (UNE) de convocar as manifestações deste 1º de agosto rapidamente teve adesão de outros setores populares – como a Frente Povo sem Medo e a Frente Brasil Popular –, numa jornada em defesa da soberania e da democracia no Brasil, com parte dos atos nas proximidades de consulados dos Estados Unidos. Com a história da República demonstra, o povo nas ruas coma bandeira brasileira nas mãos é fator decisivo neste tipo de confronto.
A ascensão desse amplo movimento de defesa dos interesses do país, com o governo Lula na liderança, cumprindo seu papel constitucional, aglutinando e movimentando os setores patrióticos, democráticos, populares, deve ser impulsionada e fortalecida. O Brasil precisará dessa força na evolução da luta.
Os êxitos do governo e da aliança patriótica devem ser ressaltados, mas o confronto será duro e longo, sobretudo pelos bons resultados das pesquisas em ralação à postura do presidente Lula. A batalha atual é apenas uma de muitas que virão. Daí a importância de seguir unindo e mobilizando o país. As jornadas deste 1º de agosto devem ser vistas como a largada dessa longa caminhada.
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Leia também: Para além do “economicismo governamental” https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/minha-opiniao_5.html
Fotografia
03 agosto 2025
Palavra de poeta
Sinal de ti
Sophia de Mello Breyner Andresen
Não darei o Teu nome à minha sede
De possuir os céus azuis sem fim,
Nem à vertigem súbita em que morro
Quando o vento da noite me atravessa.
Não darei o Teu nome à limpidez
De certas horas puras que perdi,
Nem às imagens de oiro que imagino
Nem a nenhuma coisa que sonhei.
Pois tudo isso é só a minha vida,
Exalação da terra, flor da terra,
Fruto pesado, leite e sabor.
Mesmo no azul extremo da distância,
Lá onde as cores todas se dissolvem,
O que me chama é só a minha vida.
[Ilustração: Werner Peiner]
Veja: Ivan lins, 'Saindo de mim' https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/ivan-lins-saindo-de-mim.html
Minha opinião
Telefone ontem e hoje
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65
Em 10 de março se completaram 149 anos desde que Alexander Graham Bell fez a primeira transmissão elétrica do som entre dois extremos no que veio a se denominar telefone.
Extraordinária invenção, não há quem discorde.
Hoje, a genial criação do cientista meio escocês, meio canadense atingiu
patamar superior no sempre sofisticado smartphone.
Mas me permitam um escorrego conservador: sinto saudade do tempo em que
o telefone era só isso mesmo: telefone.
Era uma beleza! A partir do primeiro alô, a gente conversava e se
entendia.
Hoje não tem apenas um alô para começar o diálogo, num lugar próximo ou
do outro lado do mundo. Uma parafernália de informações e sinais me deixa atônito
e, apesar dos anos acumulados de manuseio da geringonça, frequentemente
atrapalhado.
Isso sem falar que tudo que ele diz, oferece ou pede fica arquivado e
você não pode nem se desculpar dizendo que não sabia...
Então, se quem tem atividade intensa precisa manter o foco para garantir
a eficiência, lidar com o smartphone e o WhatsApp e afins é uma exigência.
Prometo que continuarei tentando.
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'A outra noite', uma crônica de Rubem Braga https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/uma-cronica-de-rubem-braga.html
Lula nas redes
"Sempre estivemos abertos ao diálogo. Quem define os rumos do Brasil são os brasileiros e suas instituições. Neste momento, estamos trabalhando para proteger a nossa economia, as empresas e nossos trabalhadores, e dar as respostas às medidas tarifárias do governo norte-americano."
Leia: Ronald Freitas:
Soberania inegociável https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/ronald-freitas-opina.html
Inteligência Artificial na cena global
Geopolítica da inteligência
artificial — Competição, cooperação e o poder dos Estados
Professora
do Centro de Estudos Americanos da Universidade Fudan, Cai Cuihong argumenta
que “a cooperação internacional em IA pode não apenas promover a inovação e a
aplicação tecnológica, mas também fornecer novos ímpetos e ideias para a
solução de problemas globais”. O artigo faz parte da série de traduções de
especialistas chineses do Centro de Estudos Avançados Brasil China (Cebrac)
Cai Cuihong/Blog do Renato
Competição e Cooperação Internacional em Inteligência
Artificial sob a Perspectiva das Relações de Poder entre Estados – O ano de
2023 marcou um momento crucial para que a inteligência artificial (IA) se torne
profundamente inserida nas relações internacionais. Do ponto de vista técnico,
o rápido desenvolvimento da IA generativa não apenas proporciona novos
recursos e capacidades para as trocas internacionais entre países, mas também
traz novos riscos e desafios à segurança nacional. Em termos de temas, a IA
criou uma série de novas agendas para as relações internacionais, como
segurança, ética e desenvolvimento, que precisam ser aceleradas no âmbito da
governança global. Formalmente, a competição e a cooperação internacionais em
IA estão evoluindo rapidamente e diferentes relações de poder levam os países a
seguir diferentes caminhos de competição ou cooperação, dando origem a diversas
formas de interação internacional em IA. Portanto, análises abrangentes da
influência da IA na aquisição, posse e expectativa de poder nacional, e
discussões sobre a lógica de poder por trás da competição e cooperação
internacionais em IA, podem fornecer novas ideias para resolver o dilema da
competição internacional, promover a cooperação internacional em IA e aprimorar
a governança global.
Influência
da IA na Estratégia Nacional de Poder
Como uma tecnologia emergente estratégica e holística, a
IA está se desenvolvendo rapidamente, o que não apenas proporciona novas
capacidades e meios para o país em nível técnico, mas também traz profundas
mudanças nos domínios político, econômico e de segurança internacionais. A
forma como a IA afeta a estratégia de poder entre os países tornou-se um dos
focos dos estudos de relações internacionais.
Primeiramente, da perspectiva da aquisição de poder, os
custos e benefícios de “punição”, “recompensa” e “regulamentação” foram
seriamente afetados, o que mudou completamente a estratégia nacional de
obtenção de poder. A influência da IA na aquisição de poder estatal é
complexa e profunda. Por um lado, a tecnologia de IA tem a função de
empoderamento digital e inteligente, o que pode reduzir significativamente o
custo da aquisição de poder estatal. Com o auxílio da tecnologia inteligente, o
Estado pode perceber e julgar a situação estratégica em tempo real e exercer o
poder com mais eficiência. Desde 2018, a Agência de Projetos de Pesquisa
Avançada de Inteligência dos Estados Unidos (IARPA) e seus escritórios afiliados
iniciaram dezenas de projetos de IA, incluindo o projeto Mercury de previsão
automática de eventos políticos, que melhorou significativamente sua
superioridade informacional e capacidade de tomada de decisão em inteligência.
Por outro lado, a tecnologia de IA criou um novo campo de confronto de poder e
forneceu um novo suporte para a interação de poder entre países. Como uma
tecnologia geral, a interação de poder da IA pode gerar efeitos de contágio
vitais e aumentar os ganhos de poder em outros campos. Por exemplo, na crise da
Ucrânia, os Estados Unidos e suas empresas científicas e tecnológicas impuseram
poder punitivo à Rússia por meio de sanções, bloqueios, evacuações, etc., o
que, como apontado por Thea Kendler, Secretária Assistente de Comércio dos EUA,
“não apenas dificultou o acesso da Rússia à tecnologia digital de ponta, mas
também tornou impossível para sua indústria de defesa, departamentos militares
e de inteligência obterem a maioria dos produtos fabricados no Ocidente,
minando assim sua força militar”. A IA é, portanto, considerada uma
tecnologia-chave, subversiva e estratégica.
A IA traz mudanças na dinâmica de custo-benefício da
aquisição de poder, o que torna possível para mais países usarem três tipos de
poder de forma flexível, ou seja, punição, recompensa e regulação. Este é um
novo fenômeno diferente da geopolítica tradicional.
Primeiro, no que diz respeito ao poder punitivo, que é
quase vinculado aos principais países na geopolítica tradicional, a aquisição
de poder frequentemente requer força e controle, dando origem a conceitos
estratégicos como “poder de controle do mar” e “poder de controle da terra”. No
campo da IA, países e até mesmo atores não estatais sem grande força militar
podem exercer influência por meio de ataques cibernéticos, guerra de informação
ou controle de fluxos de dados e algoritmos. A aquisição dessa capacidade não
depende inteiramente da força militar tradicional ou agregado econômico, mas
mais da inovação científica e tecnológica, talento e aplicação engenhosa de
estratégia e tática.
Em segundo lugar, com o rápido desenvolvimento da IA, as
maneiras pelas quais os países usam os meios de recompensa para fazer os outros
obedecerem são cada vez mais diversificadas, e o custo está diminuindo
rapidamente. Isso ocorre porque a disseminação e a replicação da tecnologia
digital não aumentarão os custos, mas sim aumentarão o valor ao envolver mais
usuários. Portanto, a lei econômica tradicional da receita marginal decrescente
não é totalmente aplicável ao campo digital onde a IA está localizada. A julgar
pela interação real de poder entre os países, a recompensa na forma de suporte
técnico, compartilhamento de dados, assistência econômica, etc., tem custo
quase zero para os países que obtêm poder. Isso fará com que países com
tecnologia relativamente atrasada se tornem dependentes da assistência técnica
de países avançados, resultando em novas desigualdades nas relações
internacionais.
Finalmente, o poder regulatório na IA não só está mais
intimamente combinado com meios punitivos e recompensadores, mas também tem um
impacto de longo alcance. Por um lado, o poder regulatório pode fornecer uma
estrutura de implementação mais “legítima” para meios punitivos e
recompensadores por meio de padrões internacionais, acordos técnicos e códigos
de conduta. Por exemplo, desde 2019, os Estados Unidos e a Europa revisaram o
Acordo de Wassenaar para incluir tecnologias de dupla utilização e tecnologias
emergentes na lista de controle, o que oferece mais possibilidades para esforços
conjuntos para exercer poder por meios punitivos, como bloqueios, sanções e
embargos. Por outro lado, diferentemente do campo tradicional, os meios
regulatórios no campo da IA têm uma influência de longo alcance sobre o
poder. Atualmente, a IA está basicamente no estágio de nascente desenvolvimento
tecnológico. Uma vez que um determinado país estabeleça uma regulamentação
forte sobre outro, ele pode exercer poder estrutural, de modo que o receptor do
poder fique diretamente para trás na onda de desenvolvimento tecnológico,
dificultando assim a conquista de uma posição dominante na futura revolução
tecnológica. A imposição de poder pode não apenas moldar os padrões e normas
técnicas internacionais, mas também determinar a direção e a velocidade do
desenvolvimento tecnológico, afetando assim a competitividade econômica e a
posição estratégica entre os países. Portanto, a aplicação de meios
regulatórios em IA desempenha um papel importante na formação da futura ordem
internacional.
Em segundo lugar, da perspectiva da detenção de poder, a
lacuna entre o poder potencial e o poder real no campo da IA foi gradualmente
superada, mudando assim o método de avaliação dos recursos de poder detidos
pelo Estado. Há uma diferença entre poder potencial e poder real. O poder
realista considera o poder como o ponto de partida da causalidade, que ilustra
a capacidade de mudar as intenções dos outros, enquanto o poder potencial se
refere à possibilidade de transformar recursos em poder real. Dado o alto valor
agregado de recursos de poder, como dados, algoritmos e modelos de IA, e a
avaliação estratégica de IA com visão de futuro em vários países, o poder
potencial é frequentemente considerado um fator de avaliação equivalente ao
poder real. Por exemplo, embora ainda haja uma lacuna no nível de
desenvolvimento da IA entre a China e os Estados Unidos, os EUA sempre
estiveram atentos às capacidades de mercado e inovação da China e acreditavam
que a China poderia explorar sua força para “danificar” o dividendo hegemônico
que os EUA atualmente possuem com base em suas vantagens tecnológicas.
Portanto, observa-se que, no campo da IA, a avaliação das relações de poder
frequentemente inclui uma gama mais ampla de recursos potenciais, o que
apresenta maior incerteza e margem de manobra.
Em terceiro lugar, da perspectiva da evolução do poder, o
nível de competência em IA e os conflitos de interesse entre os países estão em
constante mudança, o que, por sua vez, afeta o estabelecimento de metas
estratégicas nacionais e as expectativas de poder. A formação de relações de
poder tem dois elementos indispensáveis: um é a lacuna no nível de competência
e o outro, o conflito de interesses. No campo emergente da IA, os avanços
tecnológicos e as incertezas de implicações técnicas tornam o relacionamento
entre os países mais complexo. Por um lado, os países têm amplos interesses
comuns nos aspectos macro da segurança da IA, riscos éticos e desenvolvimento e
empoderamento da IA. Por outro lado, como a IA está amplamente inserida em
todos os níveis de segurança nacional e desenvolvimento social, geralmente
existem conflitos de interesse em questões específicas de governança. Esses
dois aspectos tornam a interação de poder entre os países mais complexa.
Tecno-geopolítica:
conheça os motivos por trás dos ataques de Trump à China
Além disso, os países tecnologicamente desenvolvidos
assumem os riscos no estágio inicial e também obtêm vantagem em primeira mão.
Ao mesmo tempo, eles temem que outros países possam se aproveitar da mutação
tecnológica para alcançá-los e superá-los. Eles vinculam estreitamente suas
vantagens tecnológicas à segurança e aos interesses nacionais e, assim,
tornam-se mais sensíveis a mudanças nas relações de poder. Os países que ainda
não estabeleceram vantagens tecnológicas temem uma situação de “o vencedor leva
tudo” por parte dos países desenvolvidos e ficam presos em uma posição passiva.
Mas também buscam usar a incerteza gerada pelo desenvolvimento da IA para
interesses nacionais mais amplos e um status internacional mais favorável.
Esses dois aspectos levam a expectativas de poder mais diversificadas dos
países no campo da IA.
Competição
Internacional em Inteligência Artificial
A competição internacional é um tema mais popular em IA,
mas discussões anteriores se concentraram mais no jogo estratégico dos
principais países, incorporando a IA como um dos subtópicos, ou deram mais
atenção à competição técnica e comercial, em vez de colocá-la sob a ótica da
política internacional. Em 2023, mais formuladores de políticas começaram a demonstrar
interesse nas relações de poder entre os países no campo da IA. Assim, surge a
oportunidade de desconstruir a competição internacional sob a perspectiva do
poder.
Primeiro, a aquisição de poder em IA é mais abrangente e
flexível. Os países frequentemente migram relacionamentos estratégicos em
outros campos para a IA e exploram o poder da IA para alcançar influência
conjunta, o que é chamado de “vinculação de relacionamento”. Isso não é incomum
na competição internacional em IA. Por exemplo, a relação estratégica
antagônica entre os Estados Unidos e o Irã se espalhou para o campo da IA.
Enquanto o exército iraniano recebeu o míssil Abu Mahdi equipado com sistema de
orientação por IA, os Estados Unidos também enviaram a Força-Tarefa 99 para
cooperar com seus aliados na região do Golfo, usando IA para prever e defender
ataques de drones do Irã. Além disso, a competição estratégica entre grandes
potências inevitavelmente leva a um “vínculo relacional” no campo da IA. O
congressista americano Mike Volz declarou publicamente que a IA é uma
ferramenta importante para os Estados Unidos realizarem uma competição
estratégica abrangente com a China. Se os Estados Unidos não quiserem perder o
jogo, devem promover vigorosamente o desenvolvimento tecnológico e fortalecer
suas vantagens comparativas e seu controle sobre a China. Nessa perspectiva, a
competição internacional em IA é, em certa medida, a síntese da relação de
poder entre os antagonistas em uma arena mais ampla. A competição em IA não
apenas reflete a disputa no nível técnico, mas também revela profundamente a
dinâmica de poder na estrutura política e econômica global.
Em segundo lugar, na detenção de poder em IA, os recursos
técnicos potenciais de um país podem ser rapidamente transformados em poder substantivo,
e os países naturalmente buscarão acumular poder potencial com base em suas
próprias dotações e transformá-lo ainda mais em poder substantivo. Como a
divisão internacional do trabalho no campo da IA ainda não se formou e as
regras de competição e cooperação estão em fase de geração, os países podem
facilmente entrar em contradições e competição, pois têm diferentes dotações de
fatores e ambientes externos, o que é chamado de “recursos heterogêneos”. Por
exemplo, no processo de negociação e implementação da Lei de Inteligência
Artificial da União Europeia, França e Alemanha, contando com os recursos
inovadores de grandes empresas de IA, como Mistral AI e Aleph Alpha, tiveram
diferenças e competição com a Espanha e outros estados-membros que queriam
fortalecer a definição de padrões e unificar os recursos de mercado, e, assim,
colocaram o tema de “regulamentar ou não os grandes modelos de IA” no topo da
agenda. Isso mostra que países com diferentes recursos potenciais têm
diferentes considerações e expectativas em inovação tecnológica e
fortalecimento regulatório. A divergência e a competição entre a França e a
Alemanha entre outros países da UE são semelhantes às entre os Estados Unidos e
a Europa, ou seja, o confronto entre a “Cultura do Vale do Silício” e o “Efeito
Bruxelas” no campo da IA. Devido à heterogeneidade dos recursos de poder e à
similaridade na capacidade de transformação de recursos, mesmo duas partes com
interesses estratégicos e bases de cooperação comuns inevitavelmente entrarão em
competição em questões-chave, o que afetará o desenvolvimento e a governança da
IA global.
Em terceiro lugar, em termos de expectativa de poder no
campo da IA, os países frequentemente se preocupam com a incerteza do
desenvolvimento e da aplicação da tecnologia que trará riscos e desafios ao seu
status internacional, segurança e interesses. Se um determinado país acredita
que outro país formulou uma estratégia técnica operacional e ameaçadora, isso
pode desencadear competição mesmo sem conflito de interesses, o que é o que
chamamos de “vigilância estratégica”. A atual competição estratégica dos
Estados Unidos com a China em IA é um exemplo disso. Os Estados Unidos
interpretaram erroneamente o Made in China 2025 e definiram a estratégia de
desenvolvimento da China como competitiva, reforçando assim a percepção de
ameaça à política tecnológica chinesa. Os Estados Unidos há muito tempo temem o
enfraquecimento de sua posição hegemônica e o “momento Sputnik” no campo da IA,
por isso permanecem mais atentos e sensíveis. Com a maturidade e a ampla
aplicação da tecnologia de IA, tornou-se uma preocupação comum da comunidade
internacional como a China e os Estados Unidos podem administrar e aliviar a
tensão atual nas relações bilaterais, identificar interesses comuns e evitar
cair em uma nova rodada de confrontos no estilo da Guerra Fria.
Com base nos três aspectos acima, a vinculação de
relacionamentos, a heterogeneidade de recursos e a vigilância estratégica na
competição internacional de IA revelam a complexidade da interação de poder
entre os países. A competição em IA não apenas reflete a busca por
superioridade tecnológica, mas também lança luz sobre a dinâmica de poder
profundamente arraigada na estrutura política e econômica global. Com o rápido
desenvolvimento da tecnologia de IA, mal-entendidos entre países, desconfiança
estratégica e preocupações com o futuro cenário técnico intensificaram a
competição e a tensão. Isso demonstra que a competição internacional em IA não
é apenas uma disputa técnica, mas também profundamente influenciada por
múltiplos fatores.
Cooperação
Internacional em Inteligência Artificial
Sob a influência das relações internacionais de poder,
existem oportunidades de cooperação enquanto os países competem entre si. A
cooperação ajuda a promover o desenvolvimento sólido da IA e a moldar um novo
padrão de desenvolvimento internacional da IA.
Primeiramente, da perspectiva da aquisição de poder da
IA, se um país deseja usar punição, recompensa e regulamentação de forma mais
abrangente e demonstrar seu poder de forma mais eficaz, é provável que se
incline a se envolver em cooperação de capacidades em alguns aspectos, ou seja,
“capacitação conjunta”. Por exemplo, embora a parceria trilateral de segurança
entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália (AUKUS) contenha intenções
maliciosas, sua cooperação em IA incorpora a lógica da capacitação conjunta. Em
2023, o primeiro teste da AUKUS sobre IA e autonomia foi realizado no Reino
Unido, que foi pioneiro no mundo no avanço do uso militar da IA e representou
a colaboração entre Austrália, Reino Unido e Estados Unidos na detecção e
rastreamento de alvos militares. Os três países desejam estabelecer rapidamente
a IA na capacidade militar e alcançar ainda mais a superioridade da IA no
campo militar. Além disso, o projeto Acelerador de Inovação em Defesa do
Atlântico Norte (DIANA), lançado pela OTAN, e o mecanismo de compartilhamento
de dados e inteligência da aliança Five Eyes baseiam-se principalmente na mesma
lógica, ou seja, promover a cooperação internacional em IA com o objetivo comum
de ganho de poder. Apesar disso, a cooperação de “capacitação conjunta” dentro
dessas alianças militares é exclusiva em essência, e o objetivo fundamental é
manter a posição dominante dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais no
campo da IA. A cooperação de “capacitação conjunta” baseada em alianças não apenas
intensificará a desigualdade de poder internacional, mas também criará novos
dilemas de segurança e ameaçará a paz e a estabilidade internacionais.
Em segundo lugar, da perspectiva da detenção de poder da
IA, é fácil para os países se depararem com diferenças e competição em estágios
de desenvolvimento semelhantes, enquanto identificam oportunidades de
cooperação quando há uma certa lacuna em suas capacidades. A relação
cooperativa baseada na diferença de capacidade pode ser resumida como
“complementaridade”. Sob esse modelo, países com tecnologias mais avançadas
podem ajudar países com tecnologias menos avançadas a aprimorar suas
capacidades de IA, fornecendo suporte técnico, assistência financeira ou
treinamento. Ao mesmo tempo, países com fraco conhecimento tecnológico também
podem apoiar projetos de IA em países mais desenvolvidos tecnologicamente,
oferecendo recursos como mão de obra e dados. Por exemplo, a China e a ASEAN
lançaram a Iniciativa Conjunta para o Avanço do Programa de Aprimoramento da Ciência,
Tecnologia e Inovação China-ASEAN, e ambos os lados prometeram fortalecer a
cooperação em setores emergentes, como IA e economia digital. O rápido
desenvolvimento da China e a demanda diversificada dos países da ASEAN criam
oportunidades únicas para a cooperação China-ASEAN. Além disso, esse modo de
cooperação também se reflete na parceria entre a China, os países árabes e
africanos para IA e tecnologia digital. O modo de cooperação complementar
reflete como os países transformam a diferença de recursos de poder na força
motriz da cooperação, em vez da desculpa da competição, mantendo suas
respectivas características culturais e sociais, de modo a lidar conjuntamente
com os desafios globais e estimular o progresso científico e tecnológico.
Terceiro, da perspectiva da expectativa de poder da IA, a
cooperação internacional frequentemente gira em torno de visões compartilhadas
e abstratas, que transcendem o conflito entre interesses nacionais específicos
e objetivos estratégicos e refletem a variabilidade das relações de poder e a
consistência dos interesses gerais. Esse fenômeno pode ser resumido como “visão
abstrata”, que se refere ao consenso de cooperação alcançado por diferentes
países em escala global com base no entendimento e na expectativa comuns do
caminho de desenvolvimento e do objetivo final da IA. O consenso não apenas
promove o intercâmbio e a cooperação em inovação científica e tecnológica, mas
também fornece uma nova ideia e plataforma para a solução de problemas globais
no campo da IA. Guiados pela visão abstrata, os países não permitirão que
conflitos sobre objetivos estratégicos específicos atrapalhem a cooperação
internacional, porque o consenso da visão abstrata se baseia em uma posição
mais ampla, com foco em interesses de longo prazo e objetivos comuns.
Atualmente, com a publicação de documentos como Governing AI for Humanity no
nível das Nações Unidas, os países realizaram uma cooperação diversificada na
solução de desafios globais, como permitir que a IA alcance os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS). Com base nessa visão comum, as Nações Unidas
adotaram uma resolução histórica em março de 2024, que esclareceu o objetivo de
“garantir uma inteligência artificial segura e confiável, que possa beneficiar
o desenvolvimento sustentável inclusivo. Além dos esforços feitos por
mecanismos internacionais convencionais, como as Nações Unidas, para fortalecer
a governança da IA, países ao redor do mundo também estão construindo novos
mecanismos de cooperação em torno da visão de desenvolvimento e segurança. Em
novembro de 2023, 28 países ao redor do mundo e a União Europeia emitiram
conjuntamente a Declaração de Bletchley, que apresentou a primeira declaração
global sobre IA da perspectiva da sobrevivência humana e da segurança do desenvolvimento,
e é considerada uma importante manifestação de solidariedade internacional.
Além disso, think tanks, institutos de pesquisa e empresas científicas e
tecnológicas na China, Estados Unidos, Índia e outros países estabeleceram
conjuntamente a “Rede AI4SDGs” com o apoio das Nações Unidas, formando um
mecanismo de cooperação especializado que se concentra em apoiar países e
regiões subdesenvolvidos e alcançar objetivos de desenvolvimento sustentável
com o auxílio da IA. Esses novos mecanismos de cooperação se concentram nos
desafios globais, permitindo que diferentes países transcendam a divisão
geopolítica e ideológica tradicional, invistam conjuntamente recursos e
conhecimentos, realizem cooperação científica e tecnológica e compartilhem
conquistas tecnológicas.
Portanto, observa-se que, embora haja competição entre os
países no campo da IA, a possibilidade e a necessidade de cooperação existem. A
cooperação internacional em IA pode não apenas promover a inovação e a
aplicação tecnológica, mas também fornecer novos ímpetos e ideias para a
solução de problemas globais. A futura cooperação internacional em IA exige
comunicação e colaboração mais aprofundadas entre governos, organizações
internacionais, instituições de pesquisa científica e empresas, a fim de melhor
utilizar a tecnologia de IA em benefício da humanidade e, ao mesmo tempo,
enfrentar eficazmente os desafios que surgem no processo de desenvolvimento
tecnológico. Nesse processo, a capacitação conjunta, a complementaridade e a
visão abstrata continuarão a desempenhar um papel fundamental e a orientar a
cooperação internacional em IA para uma perspectiva mais ampla.
—————————————
Cai
Cuihong é Professora do Centro de Estudos Americanos da Universidade Fudan.
Artigo publicado originalmente em: Cai Cuihong, “International Competition and
Cooperation in Artificial Intelligence in the Perspective of Interstate Power
Relations”, Contemporary World, No. 5, 2024, pp. 19-24. Tradução: Cebrac.
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Programa China-América Latina projeta autonomia digital https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/chinaamerica-latina-versus-big-techs.html