23 julho 2025

Minha opinião

Para além do “economicismo governamental”*
Luciano Siqueira/Portal Grabois
instagram.com/lucianosiqueira65 


Óbvio que na luta política o conteúdo do discurso é essencial. Sempre foi - sobretudo, agora em que a luta no terreno das ideias alarga fronteiras antes inimagináveis, mantendo uma linha muito tênue entre a verdade e a mentira.

Como se sabe, a recente ascensão da extrema direita no Brasil se deu sob circunstâncias sócio-políticas muito peculiares e através da prática da luta no terreno das ideias inspiradas na noção de “pós-verdade”. 

Dito de maneira mais direta, construindo um verdadeiro "universo paralelo" com a adesão de milhões de brasileiros e brasileiras estimulados em seus instintos mais primários e em seus preconceitos mais retrógrados. 

A consciência política não deriva da espontaneidade 

A sofisticação dos meios de comunicação e a informação circulante em tempo real dificultam forjar nas massas da população consciência esclarecedora.

A chamada “guerra cultural” ocupa precisamente isso: garantir a hegemonia cultural da elite dominante (1).

No seu tempo, Lênin insistiu em que o conflito de interesses entre trabalhadores e patrões na esteira de formas primárias de insatisfação dos que vivem do trabalho não seria suficiente para caracterizar a luta de classes propriamente dita. 

Daí o imperioso dever militante de correlacionar os fatos do cotidiano com a luta geral por um novo poder político em dimensão nacional (2). 

É a articulação entre o particular e o geral de modo a contribuir para que o cidadão comum possa compreender as razões da exploração a que está submetido e vislumbrar a possibilidade de superar a luta política por um novo Estado sob a hegemonia dos trabalhadores.

O discurso governamental 

À semelhança do que Lenin caracterizou como "economicismo" no movimento dos trabalhadores de então, por assim dizer despolitizado e movido quase que exclusivamente pelas pautas imediatas, o discurso das forças de esquerda em governos democráticos e sob as condições da dominação capitalista, vale dizer, nos limites do Estado de direito democrático burguês, não pode, sob nenhuma hipótese, se cingir exclusivamente às políticas públicas setoriais e conquistas parciais eventualmente conquistadas pela população. 

Na prática, esses limites resultam na perda da independência política e no rebaixamento a um reformismo estreito e inconsequente, que busca apenas por pequenas reformas graduais, em vez da transformação estrutural da sociedade.

No Brasil de nossos dias, isso significa rebaixar a ação governamental, que aborda quase exclusivamente o horizonte imediato.

É o discurso das "entregas", que pouco ou quase nada claro.

Diferentemente, é preciso situar cada conquista - da inauguração de um posto de saúde na comunidade à lei que isenta os que ganham até R$ 5 mil mensais do recolhimento de Imposto de Renda - como conquista e não dádiva.

Entretanto, no ciclo da redemocratização pós-ditadura militar, que tem com um dos seus elementos mais visíveis a ocupação de governos nos três níveis federativos por partidos de esquerda, o PT principalmente, incluindo conquistas da presidência da República, o discurso largamente dominante expressa uma espécie de "economicismo governamental".

Essa é uma das marcas das gestões de esquerda, inclusive de parte dos gestores comunistas - como registra Nádia Campeão em seu estudo sobre a experiência do PCdoB e da esquerda em gestões municipais (3).

Lula, um passo adiante

A “guerra das tarifas” recém-desencadeada pelo presidente norte-americano Donald Trump, associada à defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro, surge como oportunidade de elevação do conteúdo e do tom do discurso do governo.

A defesa da soberania nacional vem à tona com força, verbalizada pelo próprio presidente da República e agregando segmentos para além da frente ampla que governa.

Há certa mudança de setores de classe em razão de que uma tarifa de exportação de 50% anunciada pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros terá impactos severos sobre a indústria, o agronegócio e o mercado de trabalho, resultando inclusive numa queda expressiva das exportações e consequente redução do PIB.  

A resposta firme do governo e a mobilização do empresário dos setores afetados em certa medida propiciaram a aproximação (ainda que temporária) com setores da elite dominante.

Por tabela, demarca campos com a extrema direita entreguista, o bolsonarismo em particular, e ainda dá a oportunidade de que se desvende com claro o papel da oligarquia financeira na interferência do programa de transferência nacional com qual o governo está comprometido. 

Nessas afirmações, faz-se natural, e necessária, a explicitação de diferenciações no interior da frente ampla, dando azo a que se expressem percepções distintas da natureza dos conflitos presentes e de diferentes rumores para o desenvolvimento nacional.

Assim, o arco-íris que compõe a frente governamental encontra a oportunidade de se fazer transparente aos olhos da maioria, sem quebrar a unidade em torno do programa de governo pactuado.

Partidos situados à esquerda - o PCdoB em particular, em razão do seu propósito programático - são chamados a contribuir na conquista de um passo futuro do governo liderado por Luis Inácio Lula da Silva. Para além do “economicismo governamental”.

*Publicado no Portal Grabois www.grabois.org.br cm o título 'Guerra das tarifas é oportunidade para elevar o discurso do governo para além do 'economicismo'  

Referências

(1)  Aldo Arantes: Domínio das mentes: do golpe militar à guerra cultural

(2)  Vladmir Ilitch Ulianov Lênin : O que fazer? Problemas candentes do nosso movimento

(3)  Nádia Campeão: Cidades Democráticas - A experiência do PCdoB e da esquerda nas prefeituras

[Se comentar, identifique-se]

Apenas uma face da guerra institucional  https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/07/minha-opiniao_17.html 

Nenhum comentário: