30 setembro 2025

Injustiça tributária

Classe média paga 2,3 vezes mais Imposto de Renda do que os super-ricos
Estrato médio gasta 9,85% da sua renda com IR, alíquota que é de 4,34% sobre os mais abastados. Nesta quarta (1º), projeto do governo que reduz disparidade será votado na Câmara
Pricila Lobregatte/Vermelho  

A classe média média brasileira — cuja renda anual varia de R$ 79,2 mil a R$ 475,2 mil — paga 9,85%, da alíquota efetiva média de Imposto de Renda. O percentual é 2,3 vezes maior do que os 4,34% pagos de IR, em média, pelos super-ricos, que têm ganhos anuais superiores a R$ 5 milhões.

A alíquota efetiva é a parcela da renda total realmente paga de IR pelo contribuinte. Hoje, quem ganha menos destina proporcionalmente uma fatia muito maior de sua renda para pagar o IR do que os mais ricos. Os dados são do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), divulgados pela BBC Brasil.

De acordo com levantamento feito pela entidade, os super-ricos passaram a pagar menos impostos entre 2007 e 2023, enquanto a classe média teve uma parte maior do seu salário abocanhado pelo IR no mesmo período.

Em 2007, os endinheirados pagavam uma alíquota efetiva de 6,9%, próxima ao que a classe média desembolsava naquele ano, 6,3%, o que já era injusto. Mas, 16 anos depois, essa disparidade piorou: os super-ricos passaram a pagar 4,34%, enquanto a classe média foi para quase 10%. No caso de quem está abaixo da classe média, com ganhos de até R$ 79,2 mil anuais, o percentual é de 2,66% — em 2007, era de 0,2%.

A queda no que é pago pelos mais abastados ocorre porque, de acordo com o Sindifisco, boa parte dos ganhos dessa fatia advém de dividendos, que são isentos de IR.

O auditor fiscal Dão Real, presidente do Sindifisco Nacional, explicou que na comparação entre 2020 e 2023, o valor auferido com lucros e dividendos saltou 43% e as rendas totais, 31%, ou seja, “a renda isenta cresce mais do que o crescimento normal das rendas totais”.

Enfrentando as distorções

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem tentando enfrentar essa e outras distorções contidas no sistema tributário brasileiro, apesar das dificuldades impostas pela pressão dos que defendem os privilegiados — e a si mesmos.

Nesta quarta-feira (1º), deverá ocorrer a votação, na Câmara dos Deputados, do projeto enviado pelo governo, em março, que estabelece a isenção do IR para quem recebe até R$ 5 mil mensais. Hoje, também por iniciativa do atual governo, quem recebe até dois salários mínimos (pouco mais de R$ 3 mil) já é isento.

Além disso, estão previstos descontos escalonados para quem recebe de R$ 5 mil até R$ 7,3 mil.

Na ponta oposta, fica estabelecida a cobrança dos que têm renda mais alta e que correspondem a 0,2% dos contribuintes mais ricos do país, com salário mensal de pelo menos R$ 50 mil – ou R$ 600 mil por ano. Deste valor em diante, a alíquota vai aumentando gradativamente até atingir 10% para rendas a partir de R$ 1,2 milhão por mês. A alíquota não valerá para quem já paga 27,5% de IR.

O imposto mínimo para os super-ricos possibilitaria, segundo o governo, custear a redução do IRPF para 14,5% da população.

Amplo apoio

Ainda que distante de um processo mais profundo de justiça tributária, a proposta avança no combate às desigualdades e vem agradando boa parte da população, o que pode ajudar no convencimento da maioria dos parlamentares, sobretudo considerando que em um ano haverá eleições.

Em abril, pesquisa Datafolha mostrou que 76% dos brasileiros apoiavam a proposta, contra apenas 20% que a rejeitavam.

Há alguns meses, o tema tem sido tratado com maior peso pelo governo e sua base nas redes sociais. Vídeos feitos com inteligência artificial e outros tipos de conteúdo passaram a explicitar o desequilíbrio que existe no sistema tributário, mostrando que pobres e classe média carregam os mais ricos nas costas.

Além disso, conforme mostrou o colunista Lauro Jardim, de O Globo, com o impulso dos setores que apoiam a medida, o assunto voltou a tomar as redes às vésperas da votação na Câmara. No X, por exemplo, as expressões “rico taxado” e “povo isento” figuram nas primeiras posições dos assuntos mais comentados no Brasil, assim como termos relacionados estão entre os principais de outras redes, como o Instagram e o Facebook.

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Leia também: Resistência democrática ativa https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/resistencia-democratica-ativa.html 

Postei nas redes

A esposa admite se candidatar à presidência e depois recua. O filho que se apresenta candidato desde já diz que só admite abrir para um dos irmãos. E o ex-presidente vê definhar seu prestígio no ralo das pretensões familiares. 

Enquanto isso, leia o discurso de Lula na ONU https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/lula-democracia-soberania-e-combate-fome.html 

Minha opinião

Centrão pendular
Luciano Siqueira 
instagram.com/lucianosiqueira65  

Especula-se que facções das mais ativas do Centrão estariam adotando uma meia embreagem na tendência a apoiar uma candidatura presidencial de direita ou centro-direita, e agora admitem uma reaproximação com o presidente Lula.

As razões determinantes seriam, concomitantemente, o fortalecimento recente do governo e da figura do presidente em contraste com a anemia fratricida da extrema direita bolsonarista.

Incoerência? Precisamente, não. O chamado centro político, aqui e mundo afora, ora se aproxima das correntes mais progressistas, ora se alia à direita. Sua trajetória é naturalmente pendular. 

No Brasil sempre foi assim. Basta lembrar que Michel Temer se tornou vice-presidente na chapa de Dilma Rousseff precisamente por liderar o MDB (então PMDB) que empalmava grupos conservadores influentes e ativos. 

Na crise que sobreveio, não vacilou em se apoiar na extrema direita para o golpe parlamentar que o levou à presidência da República.

De tal modo que, a se confirmar a movimentação centrista atual, fortalecem-se as forças do campo democrático e progressista empenhadas na pretendida reeleição de Lula. 

É o jogo de forças — tão natural como incontornável. Mesmo quando as forças populares alcançam ascenso na cena política e se apoiam em grandes movimentações na base da sociedade. sempre será necessário atrair o centro político, pelo menos em parte, para enfraquecer, isolar e derrotar o adversário principal.

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Convergência necessária e possível https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/minha-opiniao_15.html 

Sylvio: contorcionista

Constrangedora a imagem do governador Tarcísio de Freitas dando entrevista sobre a "proteção" dos filhos 02 e 03 de Bolsonaro. Ele pratica um contorcionismo político impressionante, esgueirando-se em estar junto e seguir as ordens de seu chefe e mentor Bolsonaro e ter que não comparecer a posse do ministro Fachin na presidência do Supremo. Ora defende a anistia, para depois se recolher a fim não se comprometer. Se diz candidato à presidência e em seguida afirma que disputará a reeleição para o  governo de São Paulo. Na verdade, seu comportamento lembra o Samba do Crioulo Doido do saudoso Stanislaw Ponte Preta.

Sylvio Belém 

Postei nas redes

Desemprego em 5,6% até agosto corresponde à menor taxa da série histórica. A mídia dominante destaca, mas não reconhece o mérito do governo Lula. Por quê? 

Mergulhar fundo para avançar na superfície https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/11/meu-artigo-no-portal-da-fundacao.html 

29 setembro 2025

Palavra de poeta

Arte de amar
Manuel Bandeira      

Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma,
A alma é que estraga o amor.
Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma.
Só em Deus — ou fora do mundo.

As almas são incomunicáveis.

Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.

[Ilustração: Catarina Pignato]

Leia também: "As Sem-Razões do Amor", poema de Carlos Drummond de Andrade https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/palavra-de-poeta_77.html 

Walter Sorrentino opina

Da Segunda Guerra à era Trump: desafios históricos da soberania brasileira
Texto retoma ataques nazistas e o cenário atual para mostrar como industrialização, democracia e força popular traçam os caminhos da autonomia brasileira
Walter Sorrentino/Portal Grabois www.grabois.org.br   

Do ataque nazista às agressões de Trump: a luta pela soberania 

A agressão sofrida pelo Brasil na Segunda Guerra Mundial, quando submarinos alemães afundaram 32 navios mercantes e mataram 1.081 brasileiros entre fevereiro e agosto de 1942, foi um ponto de virada. O país, sob o governo de Vargas no Estado Novo, até então mantinha relações com a Alemanha e debateu-se entre a neutralidade, defendida por generais como Góes Monteiro e Eurico Dutra, e o alinhamento aos Aliados, bandeira do chanceler Oswaldo Aranha.

Ruy Castro em Trincheira Tropical, relata como o clamor popular, inflamado pelos afundamentos, foi decisivo:

“Provocaram, sem querer, algo muito importante: a volta às ruas da opinião pública brasileira.”

Da guerra à industrialização: a soberania em disputa

A pressão das ruas levou o Brasil à guerra, com os Aliados, resultando na criação da FEB, na visita do presidente Roosevelt em 1943 e na conquista estratégica da Usina de Volta Redonda, base para a industrialização nacional.

Diz Ruy Castro: 

“Não era fácil romper com a Alemanha, como se pode pensar. O fato é que os afundamentos de navios geraram imensa ira popular [e] provocaram, sem querer, algo muito importante: a volta às ruas da opinião pública brasileira (negrito meu). Grupos agora se formavam, promoviam reuniões, lançavam manifestos e discutiam política nos cafés, restaurantes, esquinas.” 

O resto é conhecido: o Brasil formou com os Aliados na guerra com grande apoio popular, o presidente Roosevelt dos EUA visitou o país em 1943, foi formada a Força Expedicionária Brasileira, que combateu na Itália, e foi descortinado o passo gigantesco pela industrialização nacional, pela visão de estadista de Getúlio Vargas, ao conquistar na aliança com Roosevelt a siderurgia nacional em Volta Redonda, hoje Usina Presidente Vargas – a maior indústria siderúrgica do Brasil e da América Latina.

A derrota do nazifascismo abriu caminho também para a redemocratização no Brasil, mas a eleição de 1946 levou ao poder o general Dutra, que alinhou o país aos EUA na Guerra Fria, cassando o PCB em 1947, que havia obtido expressivo crescimento nas urnas. O episódio histórico revela um desafio permanente: a dificuldade de sustentar um caminho soberano e a autonomia estratégica frente a vulnerabilidades externas. 

O fato histórico é que naquela quadra histórica, a questão da nação teve acolhimento e clamor na sociedade. Esse legado ressoa ainda hoje, quando o Brasil é alvo de ataques neofascistas de Donald Trump e de setores internos que a ele se associaram, numa flagrante traição nacional. 

Multipolaridade e os desafios da soberania no presente

O contexto hoje é de um mundo em transição para a multipolaridade, que abre janelas de oportunidade para um novo ciclo de desenvolvimento soberano no Brasil. O subdesenvolvimento e a condição semiperiférica do Brasil nas cadeias globais de produção seguem presentes, em um contexto muito competitivo no mundo.

Lições incontornáveis da história indicam que Democracia e Soberania são indissociáveis. O destino colocou hoje a luta contra as forças golpistas internas e externas no mesmo campo de enfrentamento.

A soberania é a substantivação da democracia, porque é condição para o desenvolvimento e elevação do padrão de vida dos brasileiros. É preciso construir maior autonomia estratégica do país. Isso é um projeto, exige um plano nacional, seja na dimensão contingente — o conflito com os EUA pode escalar —, seja no plano estrutural, com reformas que deem um vetor consistente e persistente à nação. 

O reposicionamento das alianças internacionais sob o governo Lula indica uma direção. No plano concreto, consolidar esse caminho dependerá da capacidade de transformar a consciência de nação, de soberania nacional em projeto político viável, ligando-a à democracia e ao progresso social. Há quanto tempo não se fala de nação no cotidiano da sociedade, na mídia, na literatura? É um preço que se pagou pela dependência ao neoliberalismo cosmopolita (supostamente progressista) que grassou nas quatro últimas décadas.

No plano social e político, isso reclama reconstruir uma maioria social no país com apoio da mobilização popular, e base para uma maioria política. A indignação com ataques à soberania é combustível formidável. Sem força popular, o ciclo progressista que já alcançou a quinta vitória presidencial não se sustenta e o Brasil não pode se dar ao direito de ser “areia solta”, como dizem os chineses, que o vento leva aonde quiser e não para onde é necessário.

Walter Sorrentino é presidente da Fundação Maurício Grabois e vice-presidente nacional do PCdoB.

Ilustração: Releitura da bandeira do Brasil feita com roupas. Obra intitulada “Bandeira de Farrapos”, Exposição Mulheres, Artistas e Brasileiras, no Palácio do Planalto, Brasília (DF), em 31/03/2007. Foto: Palácio do Planalto/Flickr

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A urgência de um projeto nacional para além de 2026 https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/xvi-congresso-em-debate.html

Abraham Sicsú opina

Infernal: índices na saúde
A padronização de índices transforma saúde em números absolutos, reduz o prazer de viver e favorece a lógica mercantil em detrimento do bem-estar humano
Abraham B. Sicsú/Vermelho 

Evitar o sofrimento passa, necessariamente, pela busca do avanço no conhecimento. Isso fez, ainda faz, com que a humanidade aumentasse, em muito, a expectativa de vida. Mundos previsíveis, mundo controlável, assim pensam os profissionais da área.

Lembro da minha infância, quando uma pessoa de 60, ou mesmo 50 anos, era considerado um velho, quase um fenômeno da natureza. Hoje, muitos passam dos cem, verdade que não se pode negar. A questão que fica é saber com que qualidade de vida. 

Os ensinamentos antigos nos mostram que as pessoas, todas, procuram, como indispensáveis para uma vida digna, duas coisas: segurança que permita não viverem em sobressaltos, não viverem sempre com medo; e prazer que dê sentido a existência, que nos permita procurar alcançar a felicidade. Qualidade de vida, obrigatoriamente, tem como requisitos esses dois aspectos, não se deve esquecer.

Nesse contexto, surge a sociedade atual, sociedade dos especialistas, das soluções rápidas, com profissionais que não têm “dúvidas”. Saúde vira números, vira índices que não podem ser refutados.

Saudades da época dos médicos da família, que conheciam a vida dos pacientes, a de seus familiares, que ponderavam com sabedoria os sinais que porventura aparecessem. Saudades do clínico geral, quase em extinção, que dedicava horas para lhe escutar, para saber detalhes que eram importantes para um bom diagnóstico de suas dores, de seus sofrimentos.

 Hoje tudo tem que ser muito rápido, a mercantilização da saúde exige rotatividade, não se pode perder tempo. Nada melhor que indicadores que se tornam verdades absolutas. Saúde virou “matemática”, inquestionável em um mundo do exato.

Meu pai era diabético. Numa época em que existiam poucos e muito caros produtos dietéticos. Em que se tomava, diariamente, injeção de insulina na barriga. Vida sacrificada, difícil. Naquela época o índice de glicose para ser considerado doente era de 126. A indústria, de produtos dietéticos e também a farmacêutica, evoluiu muito, melhorou significativamente as condições para os pacientes.

Começa o processo. Passa-se o índice para 113, depois para 100 e agora 99. O que isso significa?

Grande parte da população é estigmatizada com a pexa de diabéticos. Cortam-se os doces, os açúcares, exige-se que se façam exercício, em geral exercícios em excesso, evitem o sedentarismo.

Inclui-se um contingente populacional enorme no consumo de produtos diet, as fitness se tornam o setor mais lucrativo da vida urbana, a indústria farmacêutica agradece.

Pelo menos temos os salgadinhos. Ledo engano. Lembro de nosso mais famoso cardiologista, anos atrás, declarar que para os idosos a pressão arterial 15 por 9 não seria um grande mal. Lembro quando se era parabenizado por ter uma pressão 13 por 9 ou 12 por 8. Você era exemplo de ser saudável.

Agora, isso passa a ser um indicador de possível grande problema. O índice estabelecido, este mês, para ser pré hipertenso é 12 por 8. Corte-se o sal, mais exercícios para diminuir o peso, evitem-se as bebidas alcoólicas e os tira gosto que dão sentido às tardes de sábado. Evidentemente, mais uns remedinhos, umas pilulazinhas para onerar seu bolso e para aumentar os já estratosféricos lucros das farmacêuticas.

Fica a boa comida, os pratos gostosos, as lingüiças e os cozidos com algumas especiarias e carnes especiais, as feijoadas e as dobradinhas, as costelinhas de porco e os ensopados de frutos do mar. Qual nada. Leio nos jornais. Mexeram no índice do colesterol dito ruim. Para arrochar um pouco mais. Pratos gordurosos e muito temperados proibidos. Alimentação só a dita saudável, saladas insossas e pratos veganos. Uma tristeza. Não há saída.

Hoje, vejo todos os idosos com suas caixinhas de remédios. Preparadas pelos filhos, esposas, cuidadores carrascos, para nada esquecer. Com subdivisões para os dias da semana, para os almoços e jantares. Não podem falhar. A cada refeição um número significativo de produtos que as farmacêuticas inventam e os médicos ratificam.

Onde fica o prazer? Sem dúvida, viveremos mais, mas, em que situação? Aumentam as angústias, aumenta os problemas mentais, ansiedade e depressão são corriqueiras no mundo de hoje. E, o pior, aceitamos passivamente e ainda agradecemos.

Os sábios nos ensinavam, segurança e prazer são fundamentais.  Aprendamos o que sempre soubemos. Não somos eternos. Teremos um fim, obrigatoriamente. Tomemos cuidados claro, sem, contudo, deixar de dar sentido aos momentos de alegria. Transgridamos um pouco, não viremos reféns de um mundo governado por números. Retornemos ao humanismo na saúde.  Saúde só faz sentido na busca da felicidade.

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A urgência de um projeto nacional para além de 2026 https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/xvi-congresso-em-debate.html

Humor de resistência

 

Gilmar

Leia sobre as similaridades políticas e ideológicas de Trump com o nazismo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/02/trump-e-o-nazismo.html 

Livre pensar

"O silêncio é sábio e edificante quando fruto da sabedoria e da paciência; porém angustiante quando produto da frustração e da mágoa." (Inácio Bento) 

Operação insidiosa das big tech https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/operacao-insidiosa-das-big-tech.html 

Conferência Nacional das Mulheres

Não há democracia plena sem a voz das mulheres, diz Lula na 5ª Conferência
Ao abrir nova edição do evento, que não acontecia há dez anos, presidente destaca que “o autoritarismo não apenas odeia, mas também teme as mulheres”
Priscila Lobregatte/Vermelho   

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou, nesta segunda-feira (29), em Brasília, da abertura da 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres (CNPM). Em sua fala, Lula destacou o retorno do evento depois de dez anos de interrupção, ocorrida após o golpe contra Dilma Rousseff e a ascensão da extrema direita. “Não há democracia plena sem a voz de todas mulheres”, afirmou.

“Nada disso nasceu por geração espontânea ou concessão do governo. Vocês nunca receberam nada de mão beijada. Todas as conquistas foram resultado de muita luta ao longo da história e da vida de vocês: do direito ao voto até a construção de espaços de diálogo e articulação com o governo, a exemplo desta conferência. Tudo isso existe porque vocês lutaram e foram capazes de construir”, disse Lula.

A fala fez referência às conquistas obtidas em seu primeiro governo — entre as quais a criação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, em 2003 — e mais recentemente, a partir de 2023, a instituição do Ministério das Mulheres; a aprovação da Lei da Igualdade Salarial; os programas de combate ao feminicídio e a todas as formas de violência contra as mulheres; o retorno de políticas de inclusão social e iniciativas como o programa de dignidade menstrual.

A abertura contou com as ministras mulheres do atual governo: Márcia Lopes (Mulheres); Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais); Luciana Santos (Ciência, Tecnologia e Inovação); Anielle Franco (Igualdade Racial); Esther Dweck (Gestão e Inovação); Simone Tebet (Planejamento); Marina Silva (Meio Ambiente); Cultura (Margareth Menezes); Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Macaé Evaristo (Direitos Humanos), além da primeira-dama, Janja da Silva, governadoras, prefeitas, parlamentares e lideranças sociais femininas.

Retomada pós-retrocesso

Ao abordar o retorno da conferência, Lula lembrou que a quinta edição acontece após o intervalo involuntário de uma década. “Foram dez anos de retrocessos em tudo o que havíamos conquistado; dez anos de sucessivas tentativas de calar a voz das mulheres; de institucionalizar o silêncio que as mulheres enfrentam todos os dias em casa, no trabalho, em todos os ambientes em que lutam para serem ouvidas”, salientou Lula.

Lula afirmou, ainda, que “não há democracia plena sem a voz de todas as mulheres: pretas, brancas, indígenas, do campo e da cidade; trabalhadoras, domésticas, empresárias, profissionais liberais que trabalham fora ou se dedicam a cuidar da família. Mulheres que cumprem dupla ou às vezes até tripla jornada de trabalho. As mães solo, as avós que cuidam de seus netos sozinhas; mulheres que se mobilizam e vão às ruas lutar não apenas por seus direitos, mas também em defesa da democracia e contra todas as formas de injustiça”.

O presidente também recordou que o golpe contra Dilma Rousseff “serviu não apenas para derrubar a primeira mulher a governar esse país, mas também uma tentativa de calar milhões de vozes femininas porque o autoritarismo não apenas odeia, mas também teme as mulheres”.

De lá para cá, ressaltou, “estruturas de proteção foram desmontadas; discursos preconceituosos, violentos e carregados de ódio ecoaram do mais alto escalão da República, fazendo das mulheres um de seus alvos preferidos”.

Ao falar dos esforços do governo para a superação das desigualdades de gênero, ponderou que além das políticas focadas nas mulheres, elas são também priorizadas em outras iniciativas. De acordo com os dados do governo, elas são 84% dos beneficiários do Bolsa Família; 63% da população atendida pelo Farmácia Popular; 85% das linhas subsidiadas do Minha Casa, Minha Vida; 65% dos estudantes bolsistas do ProUni e 59% das matrículas na educação superior.

“Somente com pluralidade e transversalidade seremos capazes de construir políticas públicas que respeitem e acolham todas as formas de viver e existir”, acrescentou, salientando também a importância da participação dos estados e municípios nesse tipo de política.

Lula também citou exemplos de brasileiras que abriram caminhos para as mulheres e fizeram o país avançar em várias áreas. Entre elas, Maria Felipa, Maria Quitéria e Joana Angélica, fundamentais para a consolidação da independência do Brasil no 2 de Julho da Bahia; Chiquinha Gonzaga, que abriu espaço para as mulheres na música ao se tornar a primeira regente feminina numa orquestra no Brasil e Maria Carolina de Jesus, que se tornou umas das principais vozes da literatura negra brasileira.

Apontou, ainda, o papel de Nísia Floresta, pioneira no ensino de meninas; Bertha Lutz, fundamental na conquista do voto feminino e na inclusão das mulheres na ciência e na política; Lélia Gonzalez, ativista, filósofa e antropóloga, referência nos debates de gênero, raça e classe; a jogadora Marta, referência mundial do futebol; Ana Maria Magalhães, autora do livro “Um Defeito de Cor”, primeira mulher negra eleita para a ABL e Marta Suplicy, que inovou ao falar sobre sexualidade na TV.

Fazendo uma alusão à primeira-dama, Janja da Silva: “Quero terminar com uma frase que a Janja diz muito: o futuro da humanidade é feminino. Portanto, se preparem, pois mais dia, menos dia, vocês vão estar governando este planeta e eu espero que vocês governem muito mais com o coração do que com a cabeça, porque o coração é sempre mais sensato do que a razão”. Ao concluir, entoou: “Marielle vive entre nós”.

Novas medidas 

Durante a abertura da 5ª CNPM, o presidente Lula ainda assinou novas medidas voltadas às mulheres. O primeiro foi o Projeto de Lei 386/23, que altera a CLT, estendendo a licença maternidade, que passa a ser de até 120 dias após alta hospitalar do recém-nascido e de sua mãe.

Outra iniciativa foi a proposta de alteração da Lei 8.213/1991, que amplia o prazo de recebimento do salário-maternidade, e a sanção da Lei 853/19, que institui a Semana Nacional de Conscientização sobre os Cuidados com as Gestantes e as Mães (com ênfase nos primeiros mil dias, da gestão até o segundo ano de vida do bebê).

Sonho coletivo

Na abertura do evento, a ministra das Mulheres, Márcia Lopes, destacou: “O Brasil voltou, as mulheres voltaram”. Referindo-se às presentes, disse: “Cada uma de vocês traz consigo a força da sua trajetória e a potência das lutas que nos unem”.

Márcia também lembrou que “hoje celebramos um momento histórico, um marco nas lutas do movimento organizado das mulheres. Tentaram nos calar, mas não conseguiram. Esta conferência é a realização de um sonho coletivo, que sonhamos e construímos juntas, que ganhou vida graças à mobilização que percorreu todo o Brasil”.

Márcia também salientou que os debates realizados durante a conferência têm o papel de apontar diretrizes para o Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, que servirá como um guia para o governo federal, bem como para estados e municípios.

5ª Conferência

A 5ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres se estende até a quinta-feira (1º), em Brasília, e tem como tema “Mais Democracia, Mais Igualdade, Mais Conquistas para Todas”.

O evento é organizado pelo Ministério das Mulheres e tem a expectativa de reunir cerca de quatro mil participantes, que se dividem em 1.191 representantes das Conferências Livres; 2.336 das Conferências Estaduais e Distrital; 240 do governo brasileiro e 64 conselheiras nacionais, além de painelistas, observadoras e convidadas.

De acordo com a organização, as etapas preparatórias, realizadas desde abril de 2025, mobilizaram mais de 156 mil brasileiras em conferências municipais, estaduais, regionais, distrital e em encontros livres e temáticos nas 27 Unidades da Federação.

Nessa edição, será priorizada a discussão de temas como o enfrentamento às desigualdades sociais, econômicas e raciais; o fortalecimento da participação política das mulheres; o enfrentamento à violência de gênero; políticas de cuidado e autonomia econômica e articulação intersetorial entre governo e sociedade civil.

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Devagar com andor que tem muito chão pela frente https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/minha-opiniao_25.html

Previdência social: drama e desesperança

O caminho da previdência social desde a Constituição Federal de 1988
Trajetória da previdência social brasileira partiu de uma promessa de solidariedade social e chegou ao cenário de desesperança atual.
Ariane Mantovan da Silva, Sandra dos Santos Brumatti, Gabriel Sousa Nunes/Le Monde Diplomatique 

Constituição Federal de 1988 é destacada costumeiramente por um anseio de basilar um Estado de bem-estar social ao Brasil, fortemente influenciado pelo espírito de redemocratização que o país vivia naquele momento, previdência social incluso (Farah, 2001). Neste sentido, o sistema de seguridade social aventado entre os artigos 193 e 204 se notabiliza como um dos elementos mais expressivos de sua proposta de consagração de direitos sociais, eis que cria um sistema universalista que une saúde, assistência e previdência social sob o manto da “ordem social” (Brasil, 1988). 

Como ponto de partida, a escolha de constituir um sistema público de repartição garantiu que o financiamento dos benefícios da previdência não estaria condicionado ao exato montante de contribuição anterior, consolidando o sistema em uma solidariedade atuarial, onde os trabalhadores ativos financiam os benefícios dos trabalhadores aposentados e, consequentemente, são cobertos pela geração futura. Este aspecto está intimamente ligado à visão universalista de direitos que a Carta Magna consolidou, onde a aposentadoria não estaria condicionada à contribuição, mas seria garantida como um direito e dever do Estado aos seus cidadãos. Deste modo, o texto proposto pelos constituintes foi redigido com as condições para aposentadoria partindo do tempo de trabalho do cidadão, e não de sua contribuição.  

Os constituintes visaram atuar de maneira equitativa sob as desigualdades entre o meio urbano e o meio rural e de gênero, prevendo a redução de cinco anos para aposentadoria das trabalhadoras urbanas e dos trabalhadores rurais. Assim, o texto original da Constituição previa duas espécies de aposentadoria: uma que se concentrava no requisito da idade e outra no tempo de trabalho. 

Dessa forma, exigia-se 65 anos de idade para os trabalhadores urbanos e 60 anos para as trabalhadoras na aposentadoria por idade, enquanto, no meio rural, a exigência era de 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres. Além disso, também era possível se aposentar com 35 anos de tempo de serviço, no caso dos homens, e 30 anos, no caso das mulheres. Destaca-se ainda a redução de cinco anos na idade mínima exigida para professores da educação infantil, ensino fundamental e médio, sendo o benefício estendido em mais cinco anos às professoras (Brasil, 1988). 

A seguir um quadro-resumo das regras de aposentadoria inscritas na Constituição Federal em sua redação original:  

Todavia, os anos 1990 apresentariam óbices à efetivação das políticas de welfare state que a Carta Magna propunha (Farah, 2001). Mobilizando o contexto brasileiro de crise financeira estatal, o sistema previdenciário passou a sofrer uma crítica que permearia os argumentos pela sua reforma nos próximos 35 anos: a previdência seria elemento de desequilíbrio das contas públicas. Os Governos Collor (1990-1992) e Itamar (1992-1994) estariam mais próximos da agenda neoliberal que ascendeu na América Latina nesse período, e passariam a criticar os avanços de direitos sociais propostos pela CF/88, alegando estarem à frente da capacidade estatal de provê-los. 

Apesar das críticas neoliberais e o atraso na aprovação de leis [1] que tratariam do custeio e benefícios previdenciários, o sistema previdenciário foi capaz de resistir neste período inicial, sendo inclusive capaz de se manter incólume na Revisão Constitucional de 1993. Seria no Governo FHC que os ciclos de retrocessos neoliberais se iniciariam: o mote do governo eleito em 1994 passaria a promover a estabilização macroeconômica do país, e, para sustentar os ajustes fiscais que o governo buscava, o financiamento da seguridade social passaria a ser atacado e diminuído, em medidas de Desvinculação dos Recursos da União – DRU [2] (Tobaldini & Suguihiro, 2011) que aumentavam a discricionariedade do governo em efetuar gastos públicos, ao passo que reduzia a sua capacidade de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, entre eles o da previdência. 

Contudo, seria com a Emenda Constitucional nº 20/1998 que o regime da previdência social teria sua até então mais profunda alteração, especialmente pelas alterações nos critérios de acesso (Silva, 2024). A despeito da resistência enfrentada no Legislativo (Jard da Silva, 2020), o Governo FHC logrou sucesso na aprovação da Emenda que modificou os seguintes pontos: 

  • Extinguiu a possibilidade de solicitação de aposentadoria proporcional para homens e mulheres, em que os contribuintes antecipavam sua aposentadoria ao custo de diminuírem o seu valor de benefício a um valor proporcional ao seu tempo de serviço. 
  • Alterou de tempo de serviço/trabalho para tempo de contribuição como critério de acesso na concessão da aposentadoria. 
  • Facilitou para que alterações relacionadas a regra de concessão e critérios de pagamento previdenciários fossem definidos por normas infraconstitucionais e não mais por PECs. 
  • Constitucionalização da previdência privada, apesar de já ser anteriormente regulada pela Lei Federal nº 6.435/77, trazendo maior segurança jurídica. Foi incorporada de forma complementar ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), voltada a maior parte dos trabalhadores e ao Regime Próprio da Previdência Social (RPPS), destinado aos servidores públicos efetivos. 
  • Excluiu os professores universitários da regra especial que reduzia em 5 anos o tempo de serviço (agora contribuição) para aposentadoria. 

Neste sentido, o Governo FHC representa um marco na transição do sistema da previdência social em direção a um modelo contributivo e securitário, especialmente pela nova exigência de 35 e 30 anos de tempo de contribuição para homens e mulheres, respectivamente. Além disso, cabe destacar como a flexibilização nas exigências para alteração previdenciária, permitiu que não fosse mais necessário formar coalizões legislativas amplas para aprovação de Emendas Constitucionais que alterassem a Previdência, respaldando que a Lei nº 9.876/1999 fosse instituída pelo Governo FHC (Silva, 2024).  

A lei supracitada fixou o chamado fator previdenciário para as aposentadorias por tempo de contribuição, que na prática, desestimulou esse canal de solicitação da aposentadoria e praticamente impôs a aposentadoria por idade mínima por criar barreiras para a obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição com benefício integral. Em última instância, cabe destacar como esta reforma previdenciária e as vindouras passaram a criar regras de transição para os novos entrantes no mercado de trabalho, visando não lesar integralmente os trabalhadores vigentes ao alterar as regras com o jogo em andamento. Este aspecto, somado às novas e complexas regras de acesso à aposentadoria, passaram a tornar progressivamente o processo de solicitação da aposentadoria menos intuitivo e a compreensão do cidadão sob seus direitos menos claros, dificultando seu acesso (Silva, 2024). 

A despeito da eleição de um governo progressista amalgamado na luta da classe trabalhadora contra a ditadura, a sucessão do governo tucano não poupou o sistema previdenciário de passar por nova reforma. Encaminhada no início do Governo Lula, as Emendas Constitucionais nº 41/2003 e 47/2005 estiveram focadas em reformar o RPPS, o Regime de Previdência para os servidores públicos efetivos de todos os entes federativos, mantendo mobilizado os mesmos argumentos anteriormente utilizados na década de 90 pelos governos neoliberais sobre custo fiscal e envelhecimento da população como justificativa (Silva, 2024).  

Desta maneira, essa reforma foi mais focalizada que a anterior e logrou sucesso a se aproveitar da heterogeneidade da classe trabalhadora (Costa; Estanque; Fonseca; Da Silva, 2020), ao fomentar sua divisão e diminuir sua resistência pelo suposto “privilégio” dos servidores públicos em comparação aos trabalhadores urbanos e rurais enquadrados no RGPS anteriormente reformado (Silva, 2024), com destaques a: 

  • Extinção da integralidade (o benefício previdenciário seria o valor do último salário do servidor desde que estivesse no cargo há +5 anos e fosse do setor público a +10) da aposentadoria no serviço público, tendendo a diminuir o valor recebido do beneficiário ao passar a calcular a média das suas contribuições; 
  • Estabelecimento do teto para o valor dos benefícios no RPPS seria o mesmo do RGPS; 
  • Instituiu a contribuição previdenciária para os servidores inativos. 

Destaca-se que essa reforma da previdência social, contrária ao papel do Estado erigido no período constitucional e à luta da classe trabalhadora, tornou-se tão controversa que gerou um racha interno no PT e a criação de um novo partido (PSOL) por parlamentares expulsos da legenda (Memorial da Democracia, s.d.). 

Na esteira de seus antecessores, o Governo Dilma mobilizava a crise fiscal para preconizar a necessidade de uma reforma previdenciária profunda. A presidente no início de 2016 sinalizou que a Previdência precisaria ser revista, em razão da média de idade de aposentadoria no Brasil estar na casa dos 55 anos (Campos, 2016), o que gerava déficits que, para serem compensados, drenavam recursos de outras políticas sociais.  

A primeira alteração substancial foi a constituição da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), que abria espaço para constituição da previdência privada aos servidores públicos federais, um legado do seu governo antecessor (Jard da Silva, 2018). A partir da flexibilização proporcionada pela EC nº 20/98 do Governo FHC de que alterações no cálculo dos benefícios e critérios de acesso previdenciários poderiam ser efetuadas por meio de leis infraconstitucionais, a presidenta e sua base aprovaram as Leis nº 13.134/2015, 13.135/2015 e 13.183/2015 (Silva, 2024).  

No aspecto geral, houve também mudanças consideráveis na pensão por morte, que deixou de ser vitalícia para todos os dependentes do falecido, tendo sido criada uma tabela de duração das pensões a partir da idade do cônjuge. Os filhos mantiveram o direito ao benefício até os 21 anos de idade, salvo em caso de invalidez ou deficiência grave. Ademais, a concessão do benefício passou a ser condicionada a, no mínimo, um ano e meio de contribuição do falecido e dois anos de casamento/união estável do cônjuge para recebimento do benefício (Silva, 2024). 

Como tendência contrária aos avanços sobre os direitos previdenciários dos cidadãos, merece destaque a Lei 13.183/2015, que instituiu a fórmula 85/95. A fórmula 85/95 permite aos trabalhadores e trabalhadoras não estarem sob a égide do fator previdenciário ao aposentar-se por tempo de contribuição, desde que a soma da idade e tempo de contribuição fosse de 85 para mulheres e 95 para homens, o que aumentaria o valor do benefício por tornar seu cálculo 100% da média dos 80% maiores salários de contribuição (Silva, 2024). 

Os Governos Temer e Bolsonaro foram um marco na radicalização do processo de neoliberalização no país, e com efeito, tiveram marcos ainda mais profundos na reforma da Previdência social. O Governo Temer buscou emplacar a PEC nº 287/2016 para reforma da previdência, na esteira do seu projeto de reformas gerenciais do estado brasileiro que já havia tido sucesso no campo trabalhista, com o teto de gastos e na Reforma do Ensino Médio, sem sucesso por perder força política no final do mandato (Silva, 2025). 

Como principal ponto de crítica ao projeto do governo pela sua nocividade, ressalta-se a exigência de 49 anos de contribuição ao regime previdenciário para gozo do benefício integral. Este ponto somado a idade mínima de 65 anos para acesso a aposentadoria, tornava necessária que o trabalhador iniciasse sua vida ativa formalizado aos 16 anos para recebimento do valor integral da aposentadoria (Silva, 2025). Também foi proposto: 

  • Fim da aposentadoria por tempo de contribuição sem uma idade mínima; 
  • Remoção da distinção da idade mínima para aposentadoria entre trabalhadores urbanos e rurais, além de homens e mulheres; 
  • O aumento do tempo mínimo de contribuição para 25 anos, e alteração do cálculo para pensão por mortes removerem o pagamento das cotas por dependente do falecido (50% da média salarial +10% por dependente); 
  • Alteração do cálculo da aposentadoria para recebimento do valor integral de 51% da média de contribuição + 1% por cada ano contribuído; 
  • Desvinculação do valor dos benefícios ao salário-mínimo e; 
  • Aumento da idade de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de 65 para 70 anos. 

Apesar dos esforços do Governo Temer, sua proposta de reforma da previdência social não foi aprovada devido à falta de apoio político necessário no legislativo para a aprovação da PEC. A mudança viria com a PEC 06/2019 do Governo Bolsonaro, que propôs uma alteração mais profunda e estrutural: a transição do sistema de repartição para o de capitalização. Para minimizar os custos de transição, seria implementado o sistema de capitalização nocional, no qual as contas individuais e a rentabilidade seriam mantidas de forma virtual, formando uma poupança para recebimento de benefício futuro (Silva, 2025). Essa reforma representava uma ruptura com o modelo de solidariedade estabelecido na Constituição de 1988, que aproximaria o sistema brasileiro ao modelo chileno da época – que seria um dos elementos de maior crítica por parte dos protestantes no Chile no mesmo período (Montes, 2020).  

No entanto, a transição para a capitalização não foi aprovada e a desvinculação do reajuste do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e de outros benefícios do salário-mínimo que havia sido proposta também não avançaram (Silva, 2025). Mesmo assim, a reforma de 2019 teve sucesso em: 

  • Aumentar a idade mínima de aposentadoria para mulheres; 
  • Exigir 40 anos de contribuição para recebimento do valor integral da aposentadoria; 
  • Mudar o cálculo do auxílio-doença não vinculada ao trabalho que deixou de ser 100% da média dos 80% maiores salários de contribuição para 60% da média mais 2% a cada ano de contribuição que exceder 15 anos para mulher e 20 anos homem, tendendo a diminuir o valor pago; 
  • Mudar o cálculo da pensão por morte, que deixou de pagar 100% do valor recebido do falecido para 50% do valor do benefício, acrescido de 10% por dependente. 

Ressalta-se como as alterações criadas pela Reforma geraram regras de transição e pedágio que complexificaram ainda mais a compreensão dos cidadãos sob seus direitos, e, o processo de formação da Reforma apontaram como a clareza nas informações não eram preocupações do governo. O governo e, especialmente o então Ministro da Economia Paulo Guedes, foram criticados por não apresentarem os estudos técnicos e dados sobre como cada proposta de mudança iria contribuir para a economia prometida de R$ 1 trilhão com a reforma. (G1, 2019; Silva, 2024). 

Em suma, independentemente do ciclo político vivenciado pelo país após a redemocratização – seja no período neoliberal dos anos 1990, no ciclo progressista dos anos 2000 ou na ascensão da extrema-direita após o golpe de 2016 –, a previdência tem sido constantemente tratada como financeiramente inviável e prejudicial ao financiamento de outras políticas sociais. 

Contudo, é incorreta a compreensão fatalista de que esses ataques ao regime previdenciário são inevitáveis. É fundamental destacar que este é um tema com grande potencial para unir a classe trabalhadora em resistência aos ataques. Em diversos momentos, alterações foram obstruídas pela ação política nas ruas, e não apenas pela via institucional, como evidenciado pela Greve Geral de 2017. Para isto, é fundamental ser ativo e bem-informado.  

Ariane Mantovan da Silva é doutoranda em em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC e pesquisadora vinculada ao Grupo Política, Políticas Públicas e Ação Coletiva (3PAC/UFABC) do CNPQ. Colaboradora da Escola Preparatória para a Pós-Graduação em Humanidades (Pós-Graduar/UFABC). Mestre em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC. Possui especialização lato sensu em Direito de Família e Sucessões e Direito Processual Civil, além de mais de 7 anos de experiência como advogada previdenciarista, com graduação em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2017). 

Sandra dos Santos Brumatti é Mestre e Doutoranda em Políticas Públicas pela Universidade Federal do ABC (UFABC). Pesquisa sobre reforma da previdência na América Latina. Pesquisadora vinculada ao grupo Política, Políticas Públicas e Ação Coletiva (3PAC/UFABC), do CNPQ. Pesquisadora vinculada ao grupo de pesquisa Eleições e Processo Decisório, do CNPQ. Colaboradora da Escola Preparatória para a Pós-Graduação em Humanidades (Pós-Graduar/UFABC). Graduada em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2001), com especialização pela Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (GVLaw), em Previdência Complementar. Advogada com mais de 20 anos de atuação na área de previdência complementar. 

Gabriel Sousa Nunes é graduando em Ciências e Humanidades e Políticas Públicas. Multiplicador de políticas afirmativas desde 2021. Atua há 3 anos em um serviço social autônomo construindo políticas públicas que apoiem o microempreendedor paulistano. 

[1] Leis nº 8.212/91 e 8.213/91 

[2] ECR nº 01/1994; ECs nº 10/1996, 17/1997, 27/2000, 42/2003, 56/2007, 27/2000, 42/2003 e 56/2007. 

Referências 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituiçao/Constituiçao.htm

CAMPOS, Ana Cristina. Dilma diz que Brasil vai ter que encarar reforma da Previdência. Agência Brasil, Brasília, 11 jan. 2016. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-01/dilma-diz-que-brasil-vai-ter-que-encarar-reforma-da-previdencia. Acesso em: 20 ago. 2025. 

COSTA, Hermes C.; ESTANQUE, Elísio; FONSECA, Dora; DA Silva, Manuel C. Poderes sindicais em debate: desafios e oportunidades na Autoeuropa, TAP e PT/Altice. Coimbra: Almedina/CES. 2020 – Capítulo I (pp. 19-47) 

FARAH, Marta. Parcerias, novos arranjos institucionais e políticas públicas no nível local de governo. Revista de Administração Pública, v. 35, n. 1, 2001. 

JARD DA SILVA, Sidney. Sindicalismo e reforma da previdência na América Latina: executivo, legislativo e sindicatos na Argentina e no Brasil.  Santo André: EdUFABC, 2020, 236 p. 

JARD DA SILVA, Sidney. Bancada sindical, política previdenciária e processo decisório no governo Dilma. Revista Brasileira De Ciências Sociais, 33(98), e339810, 2018. https://doi.org/10.1590/339810/2018 

MEMORIAL DA DEMOCRACIA. Dissidência do PT cria o Psol. Memorial da Democracia. Disponível em: https://memorialdademocracia.com.br/card/dissidencia-do-pt-cria-o-psol

MONTES, Rocío. Chile retoma protestos contra sistema privado de pensões criado na ditadura de Pinochet. El País, São Paulo, 16 jul. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-07-16/chile-retoma-protestos-contra-sistema-privado-de-pensoes-criado-na-ditadura-de-pinochet.html. Acesso em: 20 ago. 2025. 

SILVA, Ariane Mantovan da. Aposentadoria das mulheres e reforma da previdência: uma análise do debate legislativo da EC nº 103/2019. 2024. 120 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas e Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal do ABC, Santo André, 2024. 

SILVA, Ariane Mantovan da, et al. Um golpe, duas reformas: previdência social nos governos Temer e Bolsonaro. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA, 22., 2025, São Paulo. São Paulo: Sociedade Brasileira de Sociologia, 2025.  

TOBALDINI, Renata Teixeira de Castro; SUGUIHIRO, Vera Tieko. A desvinculação de recursos da união – DRU e o (des)financiamento da seguridade social brasileira. In: CIRCUITO DE DEBATES ACADÊMICOS, 1., 2011, Londrina. Anais do I Circuito de Debates Acadêmicos. Londrina: UEL, 2011. 

REFORMA da previdência pode render economia de até R$ 1,3 trilhão em 10 anos, diz Guedes. G1, 23 jan. 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/01/23/reforma-da-previdencia-pode-render-economia-de-ate-r-13-trilhoes-em-10-anos-diz-guedes.ghtml. Acesso em: 20 ago. 2025.  

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O artigo de Lula no The New York Times https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/lula-no-new-york-times.html 

Postei nas redes

Seguramente o principal item da agenda do novo presidente do Superior Tribunal Federal, ministro Edson Fachin, não é nem pode ser o ataque de Donald Trump à instituição. A agenda que interessa ao país é muito mais densa, a começar pela conclusão do julgamento de Jair Bolsonaro e seus comparsas na trama golpista.  

Lula na ONU: Brasil independente e altivo https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/lula-na-onu-brasil-independente-e-altivo.html

Minha opinião

Os famosos e a cesta básica 
Luciano Siqueira
instagram.com/lucianosiqueira65      

Dessas manchetes que vejo de relance sobre assunto que em nada me interessa: cantora Anitta revela as razões do seu retorno ao Brasil depois de morar algum tempo nos Estados Unidos. 

Não li a matéria, não me interessou. Preferi me deter na queda do preço médio da cesta básica no Nordeste.

Literalmente, em publicação do BBB: "A Região Nordeste apresentou a maior redução (-2,98%) no preço da cesta básica do país no mês de agosto, em relação ao mês anterior. Para comprar os 13 alimentos que compõem a cesta básica, o nordestino pagou R$ 643,00, em média.”

Continuo ignorando as razões da mudança de domicílio da famosa cantora — de quem, aliás, jamais ouvi uma canção sequer.

Mas me disponho a examinar melhor esses dados da cesta básica correlacionando-os com os efeitos do tarifaço imposto por Donald Trump e a consequente queda nas exportações de frutas, por exemplo. 

Tudo a ver com as condições de vida do nosso povo e possibilidade de levar consciência social sobre os rumos da economia.

[Ilustração: LS]

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O mundo cabe numa Organização de Base https://lucianosiqueira.blogspot.com/2023/05/minha-opiniao_18.html

Boa notícia

Governo Lula destina R$ 2,5 bilhões para a construção de 899 unidades de saúde
Estruturas vão ampliar a oferta de serviços em 26 estados brasileiros. Iniciativa integra as ações do programa Agora Tem Especialistas 

O Ministério da Saúde anunciou, nesta sexta-feira (26), a liberação de R$ 2,5 bilhões para a construção de 899 novas unidades de atendimento que vão ampliar a oferta de serviços em 26 estados brasileiros. 

De acordo com a pasta, “a medida se soma à chegada de 322 novos médicos especialistas, que começaram a atuar em 156 municípios localizados nas cinco regiões do país”. Ambas as iniciativas integram as ações do Programa Agora Tem Especialistas. 

“Esse é um esforço importante do Agora Tem Especialistas para reduzir o tempo de espera por consultas, exames e cirurgias. A expansão imediata da oferta de serviços, com a mobilização de toda a estrutura pública e privada de saúde do país, vem acompanhada de mais investimento em infraestrutura pelo Novo PAC Saúde. Uma frente estruturante que vai garantir mais serviços de saúde para a nossa população”, afirmou o ministro da Saúde Alexandre Padilha.   

Com isso, a aposta do MS é que a rede pública de saúde passe a contar com mais 100 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e 31 Policlínicas, além de 768 novas Unidades Básicas de Saúde (UBS) voltadas à Atenção Primária que, ao ser qualificada, contribuirá para reduzir a sobrecarga na Atenção Especializada.  

Segundo o Ministério da Saúde, do total de 322 novos médicos especialistas, a maior parte — 212, que representam 65% do total — vai atender os pacientes da rede pública no interior do Brasil, em 24 estados, ampliando o acesso da população ao atendimento médico nas regiões mais desassistidas.    

“Essa é a primeira chamada desta iniciativa inédita do Agora Tem Especialistas, que, pela primeira vez na história do SUS, faz um programa de provimento de médicos especialistas para ampliar o atendimento em hospitais e policlínicas. Com isso, estamos levando médicos especialistas onde há falta desse profissional, para o interior do país, e garantindo o atendimento da população. O objetivo não é colocar mais médicos onde eles já estão, mas levá-los para aonde precisa, para atender quem precisa, reduzindo o tempo de espera no SUS”, salientou Padilha.

Nesta primeira etapa do provimento do programa, o Nordeste — que, historicamente, tem a maior carência de médicos especialistas — recebe o maior número de profissionais: são 188 médicos, que correspondem a 58% do total.

Em seguida, serão contempladas as regiões Sudeste, com 70 profissionais, Norte (40), Centro-oeste (17) e Sul (7). Do total de especialistas, 72% atuarão em áreas classificadas como de vulnerabilidade alta ou muito alta, sendo 22% alocados em municípios da Amazônia Legal.  

Para a distribuição das vagas, foram priorizadas as regiões com número de especialistas abaixo da média nacional e aquelas em que a população precisa se deslocar mais para conseguir atendimento.

Também foi considerada a capacidade instalada para oferta da assistência.  As especialidades com maior número de profissionais são ginecologia (98), anestesiologia (37), otorrinolaringologia (26), cirurgia geral (25) e em diferentes áreas do atendimento oncológico (66).  

Com o objetivo de seguir ampliando a oferta de especialistas, o MS também anunciou incentivos financeiros inéditos para residentes, preceptores, tutores e coordenadores dos Programas de Residência em 20 especialidades médicas, além de enfermagem obstétrica e física médica. Para essa ação, está previsto o investimento de R$ 112 milhões até o fim de 2026.  

Também foram abertas quatro mil bolsas de residências, sendo três mil em especialidades como anestesiologia, radiologia e cirurgia oncológica, além de mil bolsas para especialidades como Saúde da Mulher, Saúde Mental, Enfermagem Obstétrica, dentre outras.  (Priscila Lobregatte/Vermelho)

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Leia: A urgência de um projeto nacional para além de 2026 https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/08/xvi-congresso-em-debate.html