16 setembro 2025

Resistência democrática ativa

Ato reúne frente ampla “Em Defesa da Democracia e da Soberania Nacional”
Com presença do vice-presidente Geraldo Alckmin, ato em São Paulo reuniu lideranças de diferentes visões ideológicas, movimentos e personalidades religiosas e artísticas para uma celebração da resistência democrática.
Cezar Xavier/Vermelho  

Nesta noite de segunda-feira (15) — Dia Internacional da Democracia —, o Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Tuca) foi palco de um encontro simbólico: o 12º ato do movimento Direitos Já!, intitulado “Em Defesa da Democracia e da Soberania Nacional”. Com a presença de centenas de pessoas, o evento reuniu lideranças políticas, religiosas, jurídicas, intelectuais, artistas e movimentos sociais em um chamado suprapartidário, plural e cidadão pela preservação das instituições democráticas brasileiras.

Organizado pelo Fórum pela Democracia – Direitos Já!, idealizado e coordenado por Fernando Guimarães, o ato ecoou como um alerta: a democracia não é herança, é conquista diária. “Ulysses Guimarães dizia: ‘A história nos consagrará se servirmos e nos repudiará se desertarmos’. Nós não desertamos. E não desertaremos”, afirmou.

“A democracia é um solo onde floresce a justiça e a paz”

A abertura foi marcada por uma forte lembrança histórica: as sombras da ditadura militar, que ceifou vidas, calou vozes e feriu a pátria. Mas também pela celebração da resistência popular — na semana em que a trama golpista foi punida pelo STF com a condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e militares aliados.

O manifesto lido por Guimarães foi incisivo: denunciou tentativas de ingerência externa — especialmente a pressão do ex-presidente norte-americano Donald Trump, que impôs tarifas de 50% às exportações brasileiras em defesa de condenados por golpe — e classificou tais atos como “agressões à soberania nacional”.

Conforme o texto, “a família Bolsonaro e parlamentares aliados que apoiam essa ingerência cometem atos de traição aos interesses do Brasil”. O manifesto também rejeitou qualquer anistia aos responsáveis pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023: “Sem anistia. Sem impunidade. A justiça deve seguir seu curso.”

PUC: espaço de memória e resistência

O reitor da PUC-SP, Vidal Serrano Nunes, destacou o papel histórico da universidade como espaço de resistência. Serrano também homenageou o Supremo Tribunal Federal, especialmente o ministro Zanin, ex-aluno da PUC: “Nossas instituições funcionam — e devem ser defendidas.”

Laís Hera, presidente do Centro Acadêmico 22 de Agosto da PUC-SP — nome que homenageia a data da invasão da universidade pela ditadura em 1977. Com voz firme e emocionada, Laís lembrou o martírio dos estudantes que, naquele dia, preferiram se jogar das varandas a serem capturados pelos agentes do regime militar.

Almino Affonso imprescindível

O ato também prestou uma homenagem a Almino Affonso, ex-ministro da Educação no governo João Goulart, exilado político por 12 anos, parlamentar combativo e um dos arquitetos da redemocratização brasileira — aos 96 anos, ainda na luta.

Com voz firme, lucidez aguçada e discurso contundente, Almino lembrou os tempos do exílio, a invasão da PUC em 1977 e a importância da ONU como guardiã da paz mundial — criticando duramente os países que “desrespeitam e esquecem” o organismo internacional.

Ao final, Bianca Borges, presidenta da UNE, entregou-lhe um buquê de flores. Guimarães citou Bertolt Brecht: “Há homens que lutam um dia e são bons. Há homens que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há homens que lutam toda a vida. Esses são imprescindíveis. Almino, você é imprescindível.” 

Bianca lembrou que a UNE — com 88 anos de história — nasceu nas lutas pela soberania nacional e contra a ditadura: “Nascemos da campanha ‘O petróleo é nosso’. Nascemos do combate à ditadura. Nunca abandonamos as ruas. Estivemos nas ruas contra Bolsonaro, pelo seu encarceramento, e agora contra qualquer anistia. A educação é nosso caminho para um Brasil soberano — porque é ferramenta de emancipação e combate às desigualdades.” 

Lembrando a invasão da PUC em 1977 — evento que batiza seu antigo centro acadêmico —, Bianca se conectou à luta histórica dos estudantes à urgência do presente:

Sua fala veio como um grito de guerra para os jovens: “Os jovens devem tomar as ruas novamente. Só através de um movimento estudantil grande e forte que a gente pode aprofundar ainda mais a democracia brasileira e o Estado Democrático de Direito.” 

Alckmin: “Traidor da Constituição é traidor da pátria”

O discurso do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que encerrou o evento com uma fala contundente, citando o líder histórico da Constituição, Ulysses Guimarães. “Traidor da Constituição é traidor da pátria.” 

Alckmin fez um balanço implacável dos retrocessos do governo anterior nas áreas da Saúde, da Educação, do Meio Ambiente e na Economia, contaminadas pelo negacionismo científico, cortes de recursos, pelo desmatamento e incompetência na gestão macroeconômica.

Alckmin deixou um recado aos que atentaram contra a democracia: “Imaginem se quem tentou um golpe teve vencido a eleição… E mesmo fora do poder, continuando trabalhando contra o Brasil, espalhando notícias falsas lá fora para prejudicar nossa economia. Não pode haver delito maior para um político.” 

Partidos de todas as cores unidos: “Fascismo em ascensão exige mobilização” 

Líderes partidários subiram ao palco com discursos curtos, mas de grande densidade política. Representando a presidenta nacional do PCdoB, Luciana Santos, Walter Sorrentino subiu ao palco para fazer um dos discursos mais incisivos da noite, transformando o ato num verdadeiro escudo cívico contra qualquer tentativa de anistia aos golpistas. “Celebramos uma grande sentença — a primeira em 136 anos de República contra golpistas. Mas isso continua sendo um ato de mobilização.” 

Conforme Sorrentino, “a anistia, nesse contexto, não é pacificação. A anistia é para acirrar os ânimos nas instituições, dentro do Congresso, contra o Supremo. A anistia é para estimular golpistas. A anistia é para apoiar Trump, que agride o país. Isso não é pacificação — é guerra.” 

Edinho Silva, presidente nacional do PT, também destacou a condenação de Bolsonaro: “Na semana passada, a democracia obteve uma vitória. Mas não vencemos nosso principal inimigo: o fascismo está em ascensão no mundo – e no Brasil. Trump é o maior líder fascista do século 21. O Brasil pode ser exemplo para o mundo – mas só se nos mobilizarmos.” 

A deputada federal Erika Hilton (SP) representou o PSOL: “Estamos num momento feliz da nossa história — mas ainda vivemos numa simulação democrática. Não há democracia plena enquanto as crianças negras morrem no caminho da escola, enquanto travestis são atacadas a pedradas, enquanto há fome num país tão rico”, afirmou. “Aqueles que louvam a tortura, que enaltecem figuras como Brilhante Ustra, agora têm um lugar reservado: a cadeia. Estamos ansiosos para ver o camburão baixar na porta de Bolsonaro — pela democracia, pelos mortos da pandemia, por toda a a covardia que ele praticou.” 

Em vídeo, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede Sustentabilidade), reforçou: “A luta não terminou. Vivemos tempos de radicalização, fake news e ingerência externa. Mais do que nunca, precisamos de vigilância democrática”.

“A democracia não é abstrata”, disse o ministro Wellington Dias (Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome). “Só na democracia é possível tirar o Brasil do mapa da fome. Só na democracia é possível reduzir a pobreza. Só na democracia é possível construir igualdade.”

Sérgio Leite, representando o Fórum das Centrais Sindicais (CUT, Força Sindical, UGT, CTB, CSB, Nova Central), afirmou: “Uma delegação das centrais está agora na OMC, defendendo nossa soberania contra o ‘tarifaço’ americano. Esse 15 de setembro é dia de comemoração: vencemos uma tentativa de golpe. E vamos colocar na cadeia quem atentou contra a democracia. O Brasil é dos brasileiros!” 

Sérgio Fausto, diretor-executivo do Instituto Fernando Henrique Cardoso, fez um reconhecimento estratégico: “Ganhamos uma partida, mas não o campeonato. A próxima batalha é contra a anistia. Ela não passará no Congresso — e, se passar, será barrada pelo STF. Mas precisamos disputar isso na sociedade.” 

Num gesto histórico, Clóvis Carvalho (ex-ministro da Casa Civil de FHC) e José Dirceu (ex-ministro da Casa Civil de Lula) dividiram o mesmo palco — e o mesmo microfone demonstrando que a democracia não tem dono — tem defensores. “Nosso próximo desafio é mudar o Congresso em 2026. identificar quem não pode voltar — como Hugo Motta — e levar os jovens que decidem que vão mudar o país,” disse Carvalho. 

José Dirceu, por sua vez, fez um balanço histórico: “Vencemos a ditadura várias vezes: em 65, nas ruas, na resistência armada, em 74 com o MDB, em 78 nas greves, na Constituinte, em 2018 e agora, derrotando os golpistas no STF. Mas temos que defender Lula — porque ele representa o Estado e a soberania — e mudar o Congresso em 2026.” 

O recado foi uníssono: as eleições de 2026 serão decisivas. O Senado Federal é a última trincheira institucional contra o retrocesso. E para garantir a sua defesa, o campo democrático — de esquerda, centro e direita — precisa se unir em torno de, no máximo, duas candidaturas por estado, evitando divisões que beneficiam a extrema direita.

Destaques internacionais

O ato recebeu mensagens de apoio de redes internacionais progressistas, reforçando que a luta ecológica brasileira além das fronteiras.

O evento ganhou dimensão internacional, com a leitura de uma mensagem oficial do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, lida por António Almeida e Silva, vice-presidente da Casa de Portugal em São Paulo.

“A democracia é movida pela vontade do povo, por suas vozes, suas escolhas e sua participação. Ela floresce quando os direitos humanos e as liberdades fundamentais de todos são respeitados — especialmente dos mais vulneráveis”, afirmou Guterres, destacando sua própria experiência vivendo sob ditadura em Portugal e ajudando a reconstruir a democracia. 

Em vídeo enviado especialmente para o ato, o filósofo Francis Fukuyama, professor de Stanford, alertou: “Vivemos um período de grande estresse para a democracia. Nas últimas duas décadas, vimos o avanço de poderes autoritários e movimentos populistas que ameaçam o Estado de Direito. O Brasil é um dos líderes em demonstrar a funcionalidade da democracia na América Latina. Os EUA, infelizmente, perderam seu papel de liderança. A solidariedade internacional entre defensores da democracia é essencial.”

Em vídeo, também celebraram a coragem brasileira de punir o golpismo, quando outros hesitaram, Rui Tavares, deputado português e fundador do Partido Livre, Sidney Kennedy-Delvey, deputado norte-americano e co-presidente da bancada do Brasil no Congresso dos EUA, a coordenadora global da Aliança Progressista, Machris Cabreros (que reúne mais de 120 partidos em todos os continentes), Gabriela Rivadeneira, ex-presidente da Assembleia Nacional do Equador e fundadora da Internacional Feminista (atualmente exilada no México), o sindicalista Oliver Röpke, presidente do Comitê Econômico e Social Europeu; e Fábio Porta, deputado italiano pelo Partido Democrático, que parabenizou as instituições brasileiras.

Para Francisco Assis, deputado do Parlamento Europeu, “o Brasil tornou-se um exemplo mundial. Resistiram a um autocrata, revitalizaram a democracia e lutaram pela soberania nacional. No Brasil, não se decide apenas o futuro do país — decide-se, de certa forma, o destino da humanidade.” 

Arte como resistência: Leona Cavalli e Marisa Orth em cena

A atriz Leona Cavalli trouxe poesia e fúria: “Enquanto um mundo morre — com guerras, ódio, autoritarismo —, outro nasce. E esse novo mundo só pode nascer da arte, da cultura, da liberdade. Porque a arte só existe com criatividade. E a criatividade só existe com liberdade. E a liberdade só existe com democracia.” 

Citando Erasmo de Roterdã (século XVI), Leona fez um paralelo contundente com os tiranos contemporâneos: “Erasmo dizia: o tirano é aquele que se acha o único com poder, razão e força. Condena os atos humanos, despreza a ciência, a saúde do povo, e ainda usa o nome de Deus em vão. Se fosse eleição, você elegeria alguém assim?” 

A atriz Marisa Orth emocionou a todos com uma memória pessoal: “Minha mãe me trouxe aqui, criança, para ver o Chico Buarque. Era proibido cantar ‘Apesar de Você’. Ele só podia tocar. Mas quando começou a tocar, todo mundo cantou. Eu achei esquisito que o cantor não cantasse. No colo dela, vi uma lágrima escorrer no rosto da minha mãe. Nunca esqueci. Isso aconteceu aqui. E estou muito feliz de estar aqui hoje — para que isso nunca mais aconteça.”

Ecumenismo político: fé e democracia caminham juntas

Um dos momentos mais emocionantes foi a saudação ecumênica, com representantes de diversas tradições religiosas — católicos, evangélicos, espíritas, muçulmanos, judeus, terreiros de matriz africana — unidos em defesa da liberdade religiosa como pilar democrático. O momento solene do Hino Nacional, interpretado pelo pastor Marcos Valadão e acompanhado ao piano por Johnny Boy, reforçou a unidade espiritual.

Estiveram representados: Dom Odilo Scherer, por vídeo, reforçando que “a democracia é frágil e precisa ser constantemente defendida”; Rabino Alexandre Leone, Imã Mohammed Al-Bukai, Frei Davi (Educafro), Pastor Ariovaldo Ramos (Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito), Juliana Balduíno (Quilombo da Parada), entre outros.

Inúmeras outras lideranças e personalidades religiosas, políticas artísticas e sociais discursaram ou compareceram para prestigiar o ato, que durou mais de três horas e encerrou animado com todos cantando Apesar de Você, de Chico Buarque.

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O artigo de Lula no The New York Times https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/lula-no-new-york-times.html

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