23 setembro 2025

Lula na ONU: Brasil independente e altivo


Na ONU, Lula denuncia sanções, condena genocídio em Gaza e defende democracia
Em discurso de 18 minutos na Assembleia Geral da ONU, Lula criticou sanções unilaterais, reafirmou soberania, defendeu combate à fome, cobrou reforma multilateral e destacou multipolaridade
Lucas Toth/Vermelho

 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) abriu nesta terça-feira (23) a 80ª Assembleia Geral da ONU com um discurso de confronto contra as sanções unilaterais e de defesa da democracia brasileira. 

Afirmou que “atentados à soberania, sanções arbitrárias e intervenções unilaterais estão se tornando regra” e classificou como “inaceitável” a agressão contra a independência do Judiciário.

Em 18 minutos, Lula percorreu temas internos e globais. Defendeu que “diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos a autocratas e àqueles que os apoiam: nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis”.  

Apresentou conquistas como a saída do país do Mapa da Fome, disse que a COP30 será a “COP da verdade” e denunciou que “nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza”.

O presidente vinculou a crise do multilateralismo ao enfraquecimento da democracia e disse que “quando a sociedade internacional vacila na defesa da paz, da soberania e do direito, as consequências são trágicas”. 

Pediu mudanças nas prioridades globais para reduzir gastos militares e reforçou que “a única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza”.

Lula também homenageou Pepe Mujica e o papa Francisco, elogiou judeus que se opõem à punição coletiva contra palestinos e afirmou que “o século 21 será cada vez mais multipolar. Para se manter pacífico, não pode deixar de ser multilateral”. 

Soberania e democracia

Lula abriu seu discurso dizendo que “os ideais que inspiraram os fundadores da ONU em São Francisco estão ameaçados como nunca estiveram em toda a sua história”. Segundo ele, “existe um evidente paralelo entre a crise do multilateralismo e o enfraquecimento da democracia”.

O presidente afirmou que “a agressão contra a independência do Poder Judiciário é inaceitável” e acusou setores externos de tentar manipular a política interna brasileira. 

“Essa ingerência em assuntos internos conta com o auxílio de uma extrema direita subserviente e saudosa de antigas hegemonias. Falsos patriotas arquitetam e promovem publicamente ações contra o Brasil. Não há pacificação com impunidade”. protestou.

Ao se referir à condenação de Jair Bolsonaro, Lula disse que “há poucos dias, e pela primeira vez em 525 anos de nossa história, um ex-chefe de Estado foi condenado por atentar contra o Estado Democrático de Direito”. 

Reforçou que “foi investigado, indiciado, julgado e responsabilizado pelos seus atos em um processo minucioso” e que “teve amplo direito de defesa, prerrogativa que as ditaduras negam às suas vítimas”.

“Seguiremos como nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela”, declarou, em um recado direto contra as pressões vindas de Washington.

Combate à fome e à pobreza

Lula destacou que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome em 2025, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, em tradução para o português). 

“Foi com orgulho que recebemos a confirmação de que o Brasil voltou a sair do Mapa da Fome neste ano de 2025”, disse. Mas ressaltou que a situação mundial continua grave. “Ainda há 670 milhões de pessoas famintas. Cerca de 2,3 bilhões enfrentam insegurança alimentar”, lamentou.

Ele afirmou que “a única guerra de que todos podem sair vencedores é a que travamos contra a fome e a pobreza” e lembrou a criação da Aliança Global contra a Fome, lançada no G20 com o apoio de 103 países.

Para Lula, é necessário “reduzir os gastos com guerras e aumentar a ajuda ao desenvolvimento; aliviar o serviço da dívida externa dos países mais pobres, sobretudo os africanos; e definir padrões mínimos de tributação global, para que os super-ricos paguem mais impostos que os trabalhadores”.

O presidente também vinculou democracia e justiça social: “A pobreza é tão inimiga da democracia quanto o extremismo.”

Regulação digital

Lula usou parte do seu tempo para debater a regulamentação digital e criticou a disseminação de ódio e desinformação pelas redes. “As plataformas digitais têm sido usadas para semear intolerância, misoginia, xenofobia e desinformação. A internet não pode ser uma terra sem lei”, disse.

“Regular não é restringir a liberdade de expressão. É garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim no ambiente virtual”, disse, rebatendo as críticas a regulamentação.

Segundo o presidente, ataques à regulamentação “servem para encobrir interesses escusos e dar guarida a crimes, como fraudes, tráfico de pessoas, pedofilia e investidas contra a democracia”.

Lula lembrou que “com orgulho, promulguei na última semana uma das leis mais avançadas do mundo para a proteção de crianças e adolescentes na esfera digital” e defendeu governança global para a inteligência artificial. 

“Para mitigar os riscos da inteligência artificial, apostamos na construção de uma governança multilateral em linha com o Pacto Digital Global aprovado neste plenário no ano passado”, afirmou.

América Latina e Caribe

Lula usou parte de seu discurso para falar diretamente da região, num momento em que os Estados Unidos intensificam ações militares no Caribe sob o pretexto de combater o tráfico. 

Recentemente, embarcações foram bombardeadas por forças americanas em áreas próximas à Venezuela, fato interpretado em Brasília como uma demonstração de força que ameaça a estabilidade regional.

“Na América Latina e Caribe, vivemos um momento de crescente polarização e instabilidade. Manter a região como zona de paz é nossa prioridade”, disse Lula. 

“Somos um continente livre de armas de destruição em massa, sem conflitos étnicos ou religiosos”, afirmou.

Em referência indireta à Casa Branca, Lula disse que não cabe importar para o continente lógicas de guerra externa e que a cooperação deve substituir a repressão e criticou abertamente a prática de ataques militares sem respaldo legal. 

“Usar força letal em situações que não constituem conflitos armados equivale a executar pessoas sem julgamento”, declarou, em referência às ações norte-americanas no Caribe. 

Segundo Lula, a resposta efetiva ao narcotráfico não está em bombardeios, mas na cooperação internacional para reprimir a lavagem de dinheiro e limitar o comércio de armas.

Sem citar Washington de forma direta, Lula lembrou que países latino-americanos não dispõem de arsenais nucleares e que a prioridade deve ser fortalecer o direito e a democracia, não reproduzir práticas de intervenção. 

“Não temos armas de destruição em massa, não temos disputas religiosas ou étnicas. O que precisamos é de diálogo, de justiça e de instituições fortes”, afirmou.

Ao mencionar países vizinhos, reiterou que “a via do diálogo não deve estar fechada na Venezuela” e defendeu que “o Haiti tem direito a um futuro livre de violência”. 

Também criticou a política norte-americana de isolamento. “É inadmissível que Cuba seja listada como país que patrocina o terrorismo”, disse. Para Lula, medidas unilaterais apenas fragilizam a paz regional e servem de combustível para instabilidades políticas.

Conflitos internacionais

Lula também usou o discurso para debater os conflitos em diferentes partes do mundo, defendendo soluções políticas e condenando o uso desproporcional da força. 

O presidente falou sobre a guerra na Ucrânia, destacou a necessidade de negociações que considerem as preocupações de segurança de todas as partes e elevou o tom contra a ofensiva israelense em Gaza, que classificou como genocídio.

Ao tratar da guerra na Ucrânia, Lula afirmou que “todos já sabemos que não haverá solução militar” e reforçou a necessidade de buscar caminhos de negociação. 

Segundo ele, “é preciso pavimentar caminhos para uma solução realista, levando em conta as legítimas preocupações de segurança de todas as partes”. 

O presidente mencionou iniciativas como a da União Africana e a do Grupo de Amigos da Paz, formado por Brasil e China, como instrumentos capazes de ajudar a reabrir o diálogo.

Na sequência, voltou-se ao Oriente Médio e elevou o tom contra a ofensiva de Israel. 

“Nada, absolutamente nada, justifica o genocídio em curso em Gaza”, disse Lula, em uma das falas mais contundentes de sua intervenção. 

O presidente descreveu a tragédia humanitária ao afirmar que “ali, sob toneladas de escombros, estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o Direito Internacional Humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente”.

Lula responsabilizou países ocidentais por permitirem a continuidade dos ataques. “Esse massacre não aconteceria sem a cumplicidade dos que poderiam evitá-lo”, declarou, destacando o uso da fome como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações palestinas. 

Para o brasileiro, a sobrevivência do povo palestino depende do reconhecimento de sua soberania. 

“O povo palestino só sobreviverá com um Estado independente e integrado à comunidade internacional”, afirmou.

O presidente ainda criticou o veto que barrou a adesão plena da Palestina às Nações Unidas e condenou a decisão de impedir a participação do líder palestino no plenário. 

“É lamentável que o presidente Mahmoud Abbas tenha sido impedido pelo país anfitrião de ocupar a bancada da Palestina nesse momento histórico”, disse.

Clima e Amazônia

A crise climática também esteve no centro do discurso de Lula, apresentada como um desafio urgente e incontornável para a comunidade internacional. 

“O ano de 2024 foi o mais quente já registrado” disse Lula, acrescentando que “a COP30, em Belém, será a COP da verdade”. Para ele, a conferência será o momento de provar se a comunidade internacional está disposta a cumprir os compromissos assumidos.

Ao detalhar as metas do Brasil, o presidente afirmou que “o Brasil se comprometeu a reduzir entre 59% e 67% suas emissões, abrangendo todos os gases de efeito estufa e todos os setores da economia”.

Ele ressaltou que países em desenvolvimento enfrentam a mudança do clima ao mesmo tempo em que lidam com pobreza, desigualdade e falta de acesso a tecnologias limpas.

Lula defendeu que a transição energética não pode repetir o modelo predatório que marcou a exploração de recursos naturais nos últimos séculos. 

“Já reduzimos pela metade o desmatamento na região nos dois últimos anos. Erradicá-lo requer garantir condições dignas de vida para seus milhões de habitantes”, afirmou ao falar sobre a Amazônia.

Para reforçar esse compromisso, anunciou um novo mecanismo de financiamento internacional. 

“Fomentar o desenvolvimento sustentável é o objetivo do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que o Brasil pretende lançar para remunerar os países que mantêm suas florestas em pé”, disse. 

Na visão do presidente, não basta negociar metas: é preciso transformar promessas em ação concreta e garantir que a proteção ambiental seja acompanhada de justiça social.

Reforma do sistema multilateral

Lula encerrou o discurso reforçando a necessidade de mudanças profundas na governança internacional. Defendeu que a ONU avance em sua democratização, com um Conselho de Segurança mais representativo e capaz de refletir a realidade do século 21.

Segundo ele, “trata-se de um passo fundamental na direção de uma reforma mais abrangente da Organização, que contemple também um Conselho de Segurança ampliado nas duas categorias de membros”.

O presidente afirmou que o comércio internacional também tem sofrido retrocessos, agravados pelo protecionismo e por medidas unilaterais, em nova inferência à Casa Branca. 

“Poucas áreas retrocederam tanto como o sistema multilateral de comércio”, disse Lula. 

Para ele, “medidas unilaterais transformam em letra morta princípios basilares como a cláusula de Nação Mais Favorecida” e ameaçam o equilíbrio da economia mundial.

Diante desse cenário, reforçou a necessidade de renovar as bases das instituições multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC). 

“É urgente refundar a OMC em bases modernas e flexíveis”, declarou, defendendo que o sistema volte a funcionar com legitimidade e efetividade.

Ao encerrar sua fala, Lula vinculou a reforma da governança internacional ao avanço da multipolaridade. 

“O século 21 será cada vez mais multipolar. Para se manter pacífico, não pode deixar de ser multilateral. A voz do Sul Global deve ser ouvida”, afirmou, destacando o papel do Brasil e de outros países emergentes na construção de uma ordem internacional mais justa.

Leia na íntegra o discurso de Lula na ONU https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/09/lula-democracia-soberania-e-combate-fome.html 

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