Em um gesto para lá de
simbólico, o presidente provisório Michel Temer solicitou retirar do texto das
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) os trechos que faziam referência à
distribuição de renda, ao fortalecimento dos programas sociais e à execução de
políticas redistributivas como objetivos ou compromissos de sua política
fiscal. O interino formaliza, assim, algo já cristalino em discursos e ações:
governa para uma elite, sem preocupação com a redução da gritante desigualdade
no país.
Por Joana
Rozowykwiat, do Portal Vermelho
“É até coerente [a
retirada dos trechos da LDO], à medida que o governo manifesta uma espécie de
rompimento com os governos de coalizão de classe anteriores. Podemos defini-lo
como um governo classista, voltado aos interesses dos proprietários do capital,
dos donos do dinheiro”, avaliou o professor de economia da Unicamp, Márcio
Pochmann.
No dia 23 de maio,
Temer enviou ao Congresso o projeto de LDO, propondo a alteração da meta fiscal
de 2016. De acordo com reportagem de O Estado de S. Paulo, o texto - que
elasteceu o déficit fiscal, estimando-o em R$170,5 bilhões, o maior da história
- mantinha algumas passagens formuladas pela equipe econômica da presidenta
eleita Dilma Rousseff.
“Um oficio
encaminhado à Comissão Mista de Orçamento, responsável por analisar e votar a
proposta orçamentária antes de ela ir a plenário, pelo ministro do Planejamento
em exercício Dyogo Oliveira no dia 7 de julho, porém, propunha alterações no
texto encaminhado originalmente”, diz o Estadão.
O ministro
solicitou então a retirada de todas as expressões relacionadas ao combate às
desigualdades do anexo IV do projeto de lei, que trata as metas fiscais. O texto do
projeto de lei, com as alterações do adendo, foi aprovado pela comissão no
último dia 14.
Antes se lia:
"o objetivo primordial da política fiscal do governo é promover a gestão
equilibrada dos recursos públicos, de forma a assegurar a manutenção da
estabilidade econômica, o crescimento sustentado, a distribuição da renda e a
prover adequadamente o acesso aos serviços públicos universais".
O trecho modificado
ficou assim: "o objetivo primordial da política fiscal do governo é
promover a gestão equilibrada dos recursos públicos, de forma a assegurar a
manutenção da estabilidade econômica, o crescimento sustentado e prover
adequadamente o acesso aos serviços públicos".
Em outra passagem,
o documento destacava ser compromisso da política fiscal promover a melhoria da
gestão fiscal, com vistas a implementar políticas sociais redistributivas
(...)", algo também suprimido na nova versão.
Rasgando a Constituição
- de novo - Em um país que é ainda
dos mais desiguais do planeta, a mudança sinaliza a falta de compromisso com
algo impresso na Constituição do país. A Carta define como um dos objetivos
fundamentais da República “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais”.
Ao analisarem os dados
das declarações de imposto de renda de pessoas físicas, os economistas Sérgio
Gobetti e Rodrigo Orair, constatam, por exemplo, que 71.440 pessoas (0,3% dos
declarantes ou 0,05% da população economicamente ativa) concentram 14% da renda
total e 22,7% de toda riqueza declarada em bens e ativos financeiros.
Embora muitos
especialistas apontem limitações no combate às desigualdades nos governos Lula
e Dilma, é inegável que houve avanços nessa direção. Inúmeras organizações
internacionais reconhecem o esforço ocorrido nas gestões petistas para a
inclusão social, a redução da pobreza e a melhoria da renda das classes mais
baixas.
Relatório da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado no ano passado,
mostrava o Brasil como país que apresentou sinais promissores de redução das
desigualdades sociais. Algo que o governo Temer dá sinais claros de que deixará
de ser prioridade.
Pochmann: uma volta ao
passado - O economista Márcio
Pochmann avaliou que a mudança no texto da LDO é no sentido de adequar-se, na
verdade, à realidade do governo, que desde o início contraria o nome dado à
plataforma de Temer, Ponte para o Futuro. “Estamos diante de um governo que faz
as pazes com o Brasil do passado”, disse.
“Ele [Temer] já havia
manifestado que, depois de 2002, tivemos anos muito voltados ao mundo do
trabalho e à questão social. E que agora estaria na hora de ter um governo mais
para empresários. Ele tem sido coerente com esse raciocínio dele”, criticou
Pochmann.
O economista mencionou
como exemplo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que limita o
crescimento dos gastos primários do governo à inflação do ano anterior – o
que deve significar menos verbas para áreas como Saúde e Educação –, e o apoio
a vários projetos “antitrabalhador”, que tramitam no Congresso, caso da
regulamentação da terceirização.
Almeida: coerente com o
projeto do golpe - O líder do PCdoB na
Câmara, deputado Daniel Almeida, tem avaliação semelhante sobre a alteração do
texto da LDO. “Ele está sendo coerente com o projeto do golpe. Não temos mais
dúvidas de que o golpe que está em curso tem como um dos objetivos alterar a
agenda que o Brasil vinha conduzindo nos últimos anos e atacar direitos sociais
e dos trabalhadores. Isso está absolutamente evidente”, disse.
Para o parlamentar, o
governo Temer vai, a cada dia, deixando essa “digital” em todas as suas ações,
“na LDO e em outras decisões. É uma mudança coerente com o projeto que têm
adotado e revela o risco que o país e, especialmente, as populações mais
pobres, os beneficiários de políticas públicas, estão correndo”, alertou.
Ignorando os efeitos na
economia - Ao suprimir a redução
das desigualdades de seus objetivos, Temer ignora, inclusive, o impacto que a
justiça social pode ter sobre a própria economia. Um estudo do Fundo
Monetário Internacional (FMI), publicado no ano passado, afirma que o
crescimento da desigualdade social tem impacto negativo sobre a economia
mundial e propõe que os países adotem políticas de distribuição de
renda.
"[A desigualdade]
pode concentrar poder político e econômico nas mãos de poucos ricos e ter
implicações significantes para o desenvolvimento e para a macroestabilidade
econômica", acrescenta o estudo.
"Você não precisa
ser altruísta para apoiar políticas que elevem a renda dos pobres e da classe
média. Todos vão se beneficiar dessas medidas, porque elas são essenciais para
gerar um crescimento mais alto, mais inclusivo e mais sustentável”, disse uma
insuspeita Christine Lagarde, diretora-gerente do FMI, em junho de 2015.
O governo Temer já
sinalizou também para o corte ou redução da abrangência de programas e
políticas sociais. Anunciou medidas como a “revisão” de benefícios de
auxílio-doença e aposentadoria por invalidez e aponta para "focar" o
Bolsa Família nos 5% mais pobres da população, o que deve significar uma
redução drástica no número de famílias atendidas.
Segundo o Instituto de
Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), a cada R$ 1,00 gasto com o programa de
transferência de renda, R$ 1,78 são adicionados ao PIB. "Isso ocorre
porque a família pobre costuma gastar uma parcela maior de sua renda mensal do
que outras classes econômicas. Em consequência, chega-se ao cálculo de que os
R$ 27,6 bilhões gastos em 2015 com transferências aos benefiiciários gerou
incremento de R$ 49,2 bilhões no PIB nacional do mesmo ano", atesta
documento do IPEA.
Justificando - Produrado pelo Estadão, o Ministério do
Planejamento afirmou que o anexo IV da LDO “não é o local adequado para se
estabelecer as políticas sociais programáticas do governo federal”. Segundo a
pasta, esses temas deveriam ser tratados no “Anexo de Metas e Prioridades”.
“Neste sentido, os
ajustes solicitados pelo Ministério do Planejamento visam adequar o texto do
Anexo de Metas Fiscais para que ele esteja mais aderente ao seu propósito que é
definir a política fiscal, garantido a sustentabilidade da dívida e a
trajetória de longo prazo”, alegou o Ministério em nota.
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