31 outubro 2022

Repercussão internacional

Imprensa internacional destaca papel de Lula na reconstrução do país.
Veículos de diversos países noticiaram a vitória do ex-presidente sobre a extrema-direita e o desafio de resgatar a democracia brasileira no pós-Bolsonaro. Leia aqui https://bit.ly/3zsX32w

 

Desemprego global

Mercado de trabalho global continuará se deteriorando, diz OIT

Novo relatório da Organização Internacional do Trabalho alerta para aumento do desemprego e da desigualdade; conflito na Ucrânia e outras crises estão ameaçando a recuperação em todo o mundo.
ONU News

 

De acordo com um novo relatório da Organização Internacional do Trabalho, OIT, as perspectivas para o mercado de trabalho no mundo pioraram nos últimos meses. A tendência é que as vagas de emprego diminuam.

A 10ª edição do “Monitor da OIT sobre o Mundo do Trabalho” constata que a piora das condições do mercado laboral está afetando tanto a criação de emprego quanto a qualidade.  Segundo a agência, já existem dados que sugerem uma grande desaceleração do setor.

Aumento da desigualdade

Em muitos países, o aumento da inflação está causando a queda dos salários reais, afetando mais os grupos de baixa renda que já tiveram suas economias reduzidas durante a crise da Covid-19.

Para a OIT, é provável que as desigualdades no mercado de trabalho aumentem, contribuindo para o aumento da disparidade entre países desenvolvidas e em desenvolvimento.

De acordo com o documento, “um conjunto de crises múltiplas e sobrepostas, agravadas pela guerra na Ucrânia e subsequentes efeitos negativos, se formaram ao longo de 2022, impactando profundamente o mundo do trabalho”.

Os efeitos estão sendo sentidos por meio da inflação nos preços de alimentos e energia, diminuição dos salários reais, crescente desigualdade, redução das opções de políticas e aumento da dívida nos países em desenvolvimento.

Uma desaceleração no crescimento econômico também reduzirá a demanda por trabalhadores, pois a incerteza e a piora das expectativas afetam as contratações.

Possível solução

O diretor-geral da agência, Gilbert F. Houngbo, afirmou ser preciso um forte compromisso com iniciativas como o Acelerador Global de Empregos e Proteção Social da ONU, que criaria 400 milhões de empregos e estenderia a proteção social aos quatro bilhões de pessoas que atualmente estão desprotegidas".

Além de um fim rápido do conflito na Ucrânia, conforme exigido nas resoluções do Conselho de Administração da OIT, que contribuiria ainda mais para melhorar a situação global do emprego.

Segundo ele, “enfrentar esta situação global de emprego profundamente preocupante e impedir uma desaceleração significativa do mercado de trabalho global exigirá políticas abrangentes, integradas e equilibradas, tanto nacional quanto globalmente”.

O diretor-geral da OIT afirma que é preciso a “implementação de um amplo conjunto de ferramentas políticas, incluindo intervenções nos preços dos bens públicos; a recanalização de lucros inesperados; fortalecimento da segurança de renda por meio da proteção social; aumento do apoio ao rendimento; e medidas direcionadas para ajudar as pessoas e empresas mais vulneráveis”.

Número de horas trabalhadas

No início de 2022, o número de horas globais trabalhadas estava aumentando, particularmente nas ocupações mais qualificadas e entre as mulheres. No entanto, isso foi impulsionado pelo crescimento dos empregos informais, colocando em risco a tendência de formalização que vinha ocorrendo há 15 anos.

A situação foi se agravando ao longo do ano e no terceiro trimestre de 2022 as estimativas da OIT são de que o nível de horas trabalhadas tenha ficado 1,5% abaixo dos níveis pré-pandemia, totalizando um déficit de 40 milhões de empregos em tempo integral.

Conflito na Ucrânia

Além do terrível custo humanitário, a guerra na Ucrânia teve um impacto negativo dramático na economia e no mercado de trabalho do país. A OIT estima que o emprego em 2022 será 15,5%, ou 2,4 milhões de empregos, abaixo do nível pré-conflito de 2021.

Essa projeção não é tão baixa quanto a estimativa da OIT em abril de 2022, logo após o início do conflito, de que 4,8 milhões de empregos seriam perdidos. A mudança positiva é consequência da redução do número de áreas da Ucrânia sob ocupação ou com hostilidades ativas. No entanto, esta recuperação parcial do mercado de trabalho é modesta e altamente frágil.

De acordo com o relatório, o grande número de deslocados internos e refugiados à procura de emprego na Ucrânia e em outros lugares aumenta os desafios e provavelmente criará pressão para baixo nos salários.

Ucranianos refugiados e desempregados

O estudo estima que 10,4% da força de trabalho total do país antes da guerra está agora refugiada em outros países. Esse grupo de 1,6 milhão é majoritariamente de mulheres, muitas delas tendo trabalhado anteriormente nos setores de educação, saúde e assistência social.

Uma pesquisa recente descobriu que, até agora, 28% dos refugiados ucranianos pesquisados ​​encontraram emprego assalariado ou autônomo em seus países de acolhimento.

Os efeitos do conflito estão sendo sentidos nos mercados de trabalho dos países vizinhos, o que pode levar à desestabilização política e do mercado de trabalho nesses países. Na Ásia Central e em todo o mundo, eles estão se refletindo em preços mais altos e mais voláteis e no aumento da insegurança alimentar e da pobreza.

Medidas a serem tomadas

O relatório apela para que o diálogo social seja utilizado para criar as políticas necessárias para combater a recessão do mercado de trabalho. Mas que essas medidas não devem apenas reagir à inflação, e sim centrar nas implicações mais amplas para o emprego, as empresas e a pobreza.

O relatório também alerta contra o aperto excessivo de políticas, que poderia causar danos indevidos a empregos e renda em países avançados e em desenvolvimento.

Leia também: É tempo de encruzilhadas: barbárie total ou garantir Moradia, Educação e Saúde para todos https://bit.ly/3UbisFw

Números da vitória

Confira os números da eleição 2022 que sagrou Lula presidente.
Lula obteve mais de 60 milhões de votos, maior votação da história, e venceu em 13 estados. Também ganhou proporcionalmente no Nordeste e venceu em todos os estados da região individualmente. Leia aqui https://bit.ly/3NuT1g0

 

Ocaso

Bolsonaro segue em silêncio 24 horas depois do resultado oficial de eleição. Luzes apagadas no Alvorada. Cenas do ocaso de um déspota.

Nem tudo o que reluz é ouro https://bit.ly/3n47CDe     

Humor de resistência: Gilmar

 

Gilmar

Atenção tanto vale que esclarece https://bit.ly/3n47CDe


Aquecimento global

Até 2050, todas as crianças devem estar expostas a alta frequência de ondas de calor

Os mais novos, que são mais frágeis a temperaturas altas, serão amplamente afetados mesmo no melhor cenário climático
Phillippe Watanabe, Folha de S. Paulo

 

Até 2050, todas as crianças do mundo devem estar expostas a elevadas frequências de ondas de calor. As mais de 2 bilhões que existirão naquele ano sofrerão com a constância do evento extremo mesmo no melhor cenário climático possível, ou seja, se o planeta conseguir chegar perto de cumprir os compromissos acordados, o que, no momento, parece improvável de acontecer.

É o que aponta o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que, na última quarta (26), publicou um relatório sobre a situação das crianças (menores de 18 anos) em decorrência da crise climática. Com o título "O ano mais frio do resto de nossas vidas", a entidade estima que, atualmente, cerca de 559 milhões de crianças no mundo já estão expostas a uma elevada frequência de ondas de calor —o que é caracterizado por 4,5 ou mais registros desse evento extremo.

Estima-se que, em 2020, 1 a cada 4 crianças enfrentava elevada frequência de ondas de calor. No mesmo ano, as Américas e a Europa registravam os percentuais mais elevados de crianças expostas a uma elevada frequência de ondas de calor, enquanto a Ásia tinha o maior número absoluto.

Segundo o Unicef, medidas de mitigação e de adaptação são urgentes.

As crianças, especialmente as mais novas, estão entre os grupos mais vulneráveis à crise climática. Os pequenos têm mais dificuldade para regular a temperatura corporal. Isso sem considerar os impactos das altas temperaturas sobre a saúde mental e emocional das crianças.

"O mundo precisa, urgentemente, investir na construção de resiliência e na adaptação de todos os sistemas dos quais as crianças dependem para, assim, dar conta dos desafios da rápida mudança climática", afirma Catherine Russell, diretora-executiva da Unicef.

Segundo o relatório, as crianças nas áreas mais ao norte do planeta serão as que enfrentarão a situação mais dramática no aumento da severidade das ondas de calor. Os pesquisadores estimam que, em 2050, cerca de metade de todas as crianças da África e da Ásia viverá exposta continuamente a temperaturas extremamente altas —segundo o Unicef, quando 83 dias ou mais por ano registram mais de 35°C.

Atualmente, 1 a cada 3 crianças no mundo vive em países com cerca de 83 dias ou mais por ano de temperatura acima de 35°C. A exposição a temperaturas extremamente altas já atinge áreas do Oriente Médio, Áfricas do Norte e Central, o sul da Ásia e partes da América Latina e da Austrália, o que dificulta rotinas básicas diárias e leva crianças a situações de doença e morte.

As regiões que, em 2020, tinham as maiores exposições de crianças a temperaturas extremamente altas são a África e a Ásia, o que deve se manter até 2050.

O documento aponta que, no mundo, as ondas de calor matam cerca de meio milhão de pessoas por ano. Entre os riscos à saúde associados ao aumento de temperatura estão alergias, insolação e estresse térmico, maiores níveis de asma e de risco condições respiratórias crônicas, aumento de doenças cardiovasculares, risco de doenças transmitidas por mosquitos, baixo peso ao nascer, subnutrição e diarreia.

O relatório afirma que em regiões já costumeiramente quentes as temperaturas podem rapidamente chegar a níveis letais. Os autores dão como exemplo a Índia e o Paquistão, onde, em março deste ano, foram registradas temperaturas superiores a 40°C, o que levou a mortes, quedas de energia, incêndios e perdas de colheitas.

O Brasil também é citado por, em agosto de 2021, ter registrado temperaturas extremamente altas por diversos dias, como no Mato Grosso, que chegou a 41°C.

Acordo de Paris, do qual o Brasil faz parte, determina que os países reduzam suas emissões para, preferencialmente, conter o aumento da temperatura global média em até 1,5°C.

Leia também: Mudanças climáticas: - verdades ou falácias? https://bit.ly/3Cghod7

Milton Nascimento

Os 80 anos de Milton Nascimento, a vida e a MPB. Feliz de uma nação que pode comemorar os 80 anos de um artista tão peculiar com um talento inigualável. Leia mais https://bit.ly/3NjEzHn

Vencemos

Vitória da democracia, vitória do povo!

Nossa geração, que resistiu nos anos de chumbo, está de alma lavada.

A gente se encontra em várias trincheiras https://bit.ly/3vhYCww

China: comércio exterior

Comércio internacional chinês de bens e serviços aumenta 10% em setembro

Diário do Povo online

 

A exportação e a importação do comércio internacional chinês de bens e serviços atingiram em setembro 4,2833 trilhões de yuans (US$ 615,2 bilhões), um aumento anual de 10%, informou a Administração Estatal de Divisas na sexta-feira.

Do total, a exportação de bens somou 2,1291 trilhões de yuans, e a importação,1,6454 trilhão de yuans, resultando em um superávit de 483,7 bilhões de yuans.

A exportação de serviços foi de 213,1 bilhões de yuans, e a importação, de 295,7 bilhões de yuans, resultando em um déficit de 82,6 bilhões de yuans.

Entre os principais itens, a exportação e a importação de serviços de transporte somaram 185,4 bilhões de yuans; a de outros serviços de negócios, 89 bilhões de yuans; a de serviços de viagens, 81,3 bilhões de yuans; e a de serviços de telecomunicações, computadores e informação, 51,7 bilhões de yuans.

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Arte é vida: Jules Bastien-Lepage

 

Jules Bastien-Lepage

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Truculência

Sinceramente, se fosse o atual presidente da República um cidadão civilizado, estaríamos todos apreensivos porque ainda não se pronunciou sobre as eleições de ontem. Mas do jeito que ele é, isso faz parte da paisagem.

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Sistema em crise

Harvey: O Comum não é uma miragem
Sistema tenta evitar o colapso. Alia-se com fascistas, mobiliza bancos centrais e captura riqueza coletiva por meio de dívida, guerras e devastação. Mas é tempo de encruzilhadas: barbárie total ou garantir Moradia, Educação e Saúde para todos
David Harvey em entrevista a Estefanía Martínez, na 
Jacobin América Latina | Tradução: Rôney Rodrigues

 

Em todo o mundo, uma gigantesca quantidade de mais-valia é criada através de guerras, expansões extrativistas (e devastadoras) e megaprojetos – totalmente desconectada do bem-estar coletivo e que pode conduzir o mundo a um ponto crítico. É o que aponta o geógrafo britânico David Harvey, professor da Universidade da Cidade de Nova York e agraciado com o Prêmio Vautrin Lud, o Nobel da Geografia, em 1995, e autor de livros emblemáticos como Condição Pós-Moderna e A Produção Capitalista do Espaço.

Mas enquanto recursos são despejados no bolso das elites econômicas, o endividamento explode. Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostra Harvey, apontou que se as dívidas do mundo inteiro fosses somadas e depois divididas pela população global, cada homem, mulher e criança que habitam este planeta teria uma dívida de 86 mil dólares. Ou seja, há um novo apartheid: de um lado os credores e, de outro, os devedores, que cada vez mais perdem renda, trabalho e poder de compra devido a infação. Paralelamente a isso, o sistema capitalista se transmuta. “Agora há Jeff Bezos em vez de Henry Ford”, lembra o geógrafo, o capital já não cria coisas, mas experiências e o neoliberalismo, agora aliado ao neofascismo, longe de estar esgota, firma-se como uma forma de “restauração e contínuo crescimento do poder de classe” – uma classe mesquinha, truculenta e que insiste numa “expansão exponencial” e autofágica de lucros e dividendos. Elon Musk, por exemplo, em apenas um ano ampliou sua riqueza de 25 bilhões para 145 bilhões de dólares.

Como então resgatar o Estado através de governos progressistas, como alguns que retornam ao poder na América Latina, e reorientá-lo para o bem-estar coletivo? Harvey aponta que o conselho de Lênin sobre que fazer, ou seja, destruir o Estado capitalista e implantar outra organização política é impossível no atual momento histórico. Mas isso não significa resignação: é possível tentar transformar alguns de seus aspectos. Em sua análise, os Departamentos do Tesouro e os Bancos Centrais formam a “âncora do poder pró-capitalista dentro do aparelho estatal” – seria imprescindível, portanto, de alguma forma contê-los, e apostar mais nas agências de educação do que nas instituições financeiras.

Isso requer também um planejamento regional, principalmente voltado para o desenvolvimento de tecnologias, a preservação ambiental e a soberania agrícola e alimentar – sem cair na fantasia de se dissociar totalmente do sistema global. “Porque muitas coisas não têm sentido, como o Equador importando tomates da Holanda e aipo da Califórnia”, diz ele. Além disso, três problemas – ou montanhas a serem a serem escaladas no contexto global, como sugere a China – tornam-se preponderante: Moradia, Educação e Saúde – universal e gratuitas.

“Eu ficaria muito feliz se algum governo aparecesse e dissesse ‘foda-se o resto, vamos nos concentrar apenas nessas três coisas [Educação, Moradia e Saúde para todos]’, que é o que Xi Jinping e [Franklin D.] Roosevelt disseram. Por que não pegamos toda a massa de lucro e redirecionamos para essas coisas, algo que só pode ser feito por meio de políticas sociais?”, questiona o geógrafo. “Por que não simplificamos e simplesmente dizemos que essas são tarefas que o Estado vai ter que fazer, que vamos assumir o controle do Estado capitalista para parar a crise atual e reorientar completamente o Estado mediante a realização desses três objetivos?”. [Rôney Rodrigues]

Eu queria voltar à ideia do imperialismo capitalista, não como o imperialismo de uma nação, mas do capital em geral.

Eu realmente não gosto de discutir o imperialismo porque acho que inclui algumas questões muito, muito críticas. E esses problemas nos consumirão se não os controlarmos. Tenho escrito muito recentemente sobre a teoria de Marx da taxa de lucro decrescente e da massa de lucro crescente. Todos prestam atenção no primeiro; já eu, no segundo. E o problema é a disposição da massa crescente de valor, um problema realmente sério.

Se analisarmos todas as informações sobre o Produto Interno Bruto (PIB) global, veremos que estamos em uma espécie de expansão exponencial onde a massa e sua absorção estão se tornando um problema crítico. Mesmo na ausência de covid-19, é problemático despejar uma grande quantidade de mais-valia no oceano por meio de guerras e investimentos em megaprojetos que não fazem sentido em termos de bem-estar da massa da população. Só para dar um exemplo disso, o Fundo Monetário Internacional [FMI] fez um estudo muito interessante sobre o endividamento internacional, propondo que se as dívidas do mundo inteiro fossem somadas e depois divididas pela população mundial, o resultado seria que cada homem, mulher e criança no planeta teria uma dívida de 86 mil dólares. Há um grande aumento do endividamento. E não devemos esse dinheiro aos marcianos, mas a nós mesmos. Mas há certas pessoas que são credores e outras que são devedoras, que estão alimentando os primeiros. E adivinha quem são os credores? Se observarmos o que aconteceu com a distribuição de renda durante a pandemia de covid-19, o que veremos é um aumento maciço na riqueza e no poder da oligarquia. Elon Musk aumentou sua riqueza de algo como 25 bilhões para 145 bilhões de dólares em um ano. E o que diabos vai acontecer com todo esse endividamento? Porque na realidade a demanda na economia global foi alimentada por esse crescimento do endividamento, porque se não existisse a demanda teria colapsado e a economia global teria afundado.

Entramos também na produção de todos os tipos de novas mercadorias, agora que o capital não cria coisas, mas experiências. Meu modelo para apontar isso são as linhas de cruzeiro. Um navio de cruzeiro é muito dinheiro e capital fixo, onde há 2 mil pessoas empregadas para atender 3 mil hóspedes. E o produto, a experiência de velejar na água, é consumido instantaneamente. Uma das coisas que aconteceu com a covid foi que os navios de cruzeiro foram fechados e houve uma confusão terrível porque uma das grandes respostas para 2007-2008 foi construir uma economia global baseada no turismo, com a qual o volume de viagens internacionais passou de 800 milhões para algo como 1,4 bilhão em quatro ou cinco anos após 2009. Então, de repente, há esse tipo de orquestração onde podemos perguntar quem são os ricos ou os bilionários hoje e de quais setores da economia eles vêm, porque antes eles costumavam ser do setor de automóveis ou do aço, mas agora há Jeff Bezos em vez de Henry Ford. A classe capitalista mudou. Meu argumento sobre o neoliberalismo é que se trata da restauração do poder de classe, o crescimento contínuo desse poder de classe.

Quanto ao tipo de economia que seria necessário para mudar essa situação… Como vamos desalavancar ou deflacionar a dívida? Uma das maneiras, curiosamente, é a inflação. Se você é um devedor, você quer inflação e espera que ela seja uma loucura, desde que sua renda suba com ela, o que permitiria que você se livrasse de todas as suas dívidas estudantis, por exemplo. Portanto, a deflação da dívida está na agenda. Portanto, essa inflação atual pode ser um sinal de deflação excessiva da dívida. Estou muito preocupado com esta questão da massa crescente e gostaria que um economista marxista passasse mais tempo falando sobre o problema de eliminar a massa crescente.

Você poderia nos dar uma definição aproximada de massa crescente?

Bem, Marx em O capital e nos Grundrisse disse que o objetivo do capitalista é tentar dispor de cada vez mais e mais riqueza, na forma de massa, de produto, massa de dinheiro. E a taxa de exploração da força de trabalho é um dos meios pelos quais os capitalistas aumentam sua massa, construindo um poder que se torna significativo. Por exemplo, o que você prefere ser? Alguém que tem um ativo que está ganhando 20% mas sobre 100 dólares ou alguém que está ganhando 2% sobre 10 milhões de dólares? A massa cria massa, é disso que se trata. Se você controla massa suficiente, pode controlar a política. Elon Musk tem tanta massa que pode comprar o Twitter, e os irmãos Koch criaram uma organização para financiar pessoas que colonizem conselhos escolares nos Estados Unidos, já que eles desempenham um papel enorme na política eleitoral.

Então é disso que se trata a massa. E é por isso que é tão importante quem a controla. Claro que internacionalmente os EUA têm maior massa e podem impor condições ao Equador, por exemplo. Mas agora há uma competição com a China pela massa crescente, porque quanto maior a parte que se obtenha dela, mais massa pode se fazer com ela.

Todo mundo fala sobre a taxa decrescente de lucro, mas esquecem da massa crescente. E fico muito zangado com os economistas marxistas porque eles se recusam a falar sobre as implicações disso, quando a maioria dos nossos problemas atuais têm a ver com a massa crescente.

Um dos conceitos-chave em seu trabalho é o de acumulação por despossessão, que também foi desenvolvido por Rosa Luxemburgo. Em relação à América Latina, qual foi o papel da região nesses ajustes espaciais e na dinâmica do endividamento? E que papel você atribuiria à América Latina na fase atual?

A América Latina é uma área potencialmente muito rica, uma parte do mundo com recursos abundantes, organizada coletivamente, onde também existem certas formas de governança nas populações indígenas que têm grande potencial para reorganizar o funcionamento do Estado em relação à economia. Se um radical assume o comando de um Estado capitalista, como o presidente Gabriel Boric no Chile, a grande questão é: o que fazer com esse Estado capitalista? O conselho de Lenin era destruir o Estado capitalista e reconstruir alguma outra organização política. Não acho que isso seja viável ou possível agora. Então é preciso de alguma forma tentar transformar certos aspectos do Estado capitalista.

Uma das coisas que gosto de fazer em relação à teoria do Estado é sugerir que devemos desagregar o que é o Estado. Há algo que chamo de nexo financeiro do Estado, que é o Tesouro e o Banco Central, que formam a âncora do poder pró-capitalista dentro do aparelho estatal. Então, uma das coisas que temos que fazer é tentar conter o poder do nexo financeiro do Estado e do Departamento do Tesouro e aumentar o poder das agências de educação, por exemplo.

Recentemente fiz um podcast sobre as oito liberdades de Roosevelt (todo mundo fala sobre quatro liberdades, mas na verdade são oito) e três têm a ver com acesso adequado à moradia, educação gratuita e assistência médica para todos. Na década de 1960, eles tentaram fazer algo nesses campos, mas tudo isso desmoronou na revolução neoliberal dos anos 1970 e 1980. E é interessante que o presidente chinês Xi Jinping, antes do surgimento do vírus, tenha anunciado que seu grande projeto era criar um mundo de qualidade e prosperidade comum, para o qual as três montanhas a serem escaladas seria uma casa e um entorno de vida decente, acesso gratuito à educação de qualidade para todos e assistência médica universal.

Eu ficaria muito feliz se algum governo aparecesse e dissesse “foda-se o resto, vamos nos concentrar apenas nessas três coisas”, que é o que Xi Jinping e Roosevelt disseram. Por que não pegamos toda a massa de lucro e redirecionamos para essas coisas, algo que só pode ser feito por meio de políticas sociais? Aqui em Nova York temos um grande boom da construção, mas são prédios para as classes altas. E ninguém nos EUA está preparado para aceitar que metade da população estadunidense já não pode mais se dar ao luxo de viver no país do jeito que o sistema de livre mercado funciona. Nesse contexto, metade da habitação nos EUA deveria ser socialmente fornecida, porque alguma versão de habitação pública é necessária para que todos possam ter uma casa decente e um entorno de vida decente. Mas agora temos uma crise habitacional que afeta o mundo inteiro e temos que fazer algo a respeito. E a única maneira de consertar isso é através do público. E ele tem que ser socialista para fornecer, de uma forma ou de outra, um esquema de habitação pública para todos que necessitam. Por que não simplificamos e simplesmente dizemos que essas são tarefas que o Estado vai ter que fazer, que vamos assumir o controle do Estado capitalista para parar a crise atual e reorientar completamente o Estado mediante a realização desses três objetivos?

No que diz respeito à América Latina, uma das coisas que me vem à mente tem a ver com o papel particular do Estado capitalista latino-americano, que tem uma dinâmica de desenvolvimento geográfico desigual, principalmente pelo fato de a maioria dos países da região serem dependentes da extração de recursos naturais. Lembro que quando estávamos fazendo nossa pesquisa no Equador, um dos debates que tivemos durante o governo de Rafael Correa era sobre como criar políticas sociais e redistribuir riqueza. Há também algo interessante aqui em relação ao papel que a China desempenhou no Equador, ajudando a superar um pouco das pressões dos Estados Unidos.

Creio que há um conjunto de possibilidades limitadas atualmente dentro do que é chamado de globalização. E me parece que há um lado negativo nisso, que é que, se você for para a autarquia completa, provavelmente acabará na pobreza mais miserável. Portanto, a autarquia completa não é uma possibilidade viável. Mas creio que há uma chance de começar a pensar em planejamento regional, em soberania agrícola e alimentar e muitas outras questões. Porque muitas coisas não têm sentido, como o Equador importando tomates da Holanda e aipo da Califórnia. Portanto, há algumas inovações que são possíveis nessas áreas, reformulando as relações globais. Também me surpreendi, por exemplo, que o Equador estivesse importando tantos alimentos em uma área fértil e climaticamente favorável, onde o abastecimento poderia ser garantido por meio de ações locais. E assim deve ser, mas sem cair na fantasia de se dissociar totalmente do sistema global.

Leia também: Uma ordem mundial alternativa https://bit.ly/3xUwMZp

Minha pergunta se referia mais às implicações de qual papel a América Latina vai desempenhar neste novo contexto em que há diferentes potências econômicas hegemônicas. Porque no caso do Chile ou Equador, países exportadores de recursos naturais, podem aproveitar essas situações geopolíticas para exportar mais e gerar mais recursos.

Creio que a ideia do que tradicionalmente chamamos de imperialismo ou globalização ou o que quer que seja é que beneficia toda a população dos países capitalistas avançados. E creio que esse é um argumento errôneo, pois geralmente é para o grande benefício de um grupo muito pequeno da classe capitalista. Assim, a base de classe da globalização é parte do problema. Porque isso significa que se um governo de esquerda chegar ao poder em um determinado país – Equador, Bolívia ou qualquer outro lugar – será muito limitado, tanto pelas condições externas quanto pelo fato de que a economia doméstica continua sendo dominada por uma classe capitalista de determinado tipo. Então, se terá um governo de esquerda que deve negociar com as atividades práticas de produção e as atividades de distribuição que são organizadas pelo capital. E isso significa que, em um certo ponto, ou se decide que vai socializar tudo ou de alguma forma encontra uma maneira de disciplinar o que a classe capitalista faz em termos de produção, distribuição e consumo.

Agora parece estar na moda falar do fim do neoliberalismo. O que você acha disso?

Tenho uma resposta muito simples. Depende muito da sua definição de neoliberalismo, é claro. Vejo o neoliberalismo como uma tentativa de recuperar e fortalecer o poder de classe e não vejo que isso esteja ameaçado. Na verdade, o que aconteceu é que nas primeiras duas ou três décadas de neoliberalismo houve uma boa quantidade de consentimento popular. Mas acho que muito desse consentimento evaporou depois de 2000 e realmente caiu entre 2007-2008, porque, como eu já apontei em meus trabalhos, não poderia durar sem entrar em aliança com os neoconservadores e se converter em autoritário. Então agora temos um tipo de neoliberalismo autoritário, que está beirando o neofascismo em certos lugares. De fato, se observamos todos os dados sobre desigualdade de renda, fica claro que a desigualdade de renda acelerou em vez de diminuir. Então, desse ponto de vista, dada a minha definição de neoliberalismo, é algo que ainda está em marcha.

O que podemos esperar do próximo período? Quais são as previsões sobre o que poderia acontecer? Porque vimos que também há um grande aumento do puritanismo, do nacionalismo e uma escalada de conflitos que fazem o panorama futuro parecer bastante sombrio.

Sim, obviamente não sei qual será o resultado, mas há muitas forças em conflito. Eu reconheceria isso como uma aparência superficial, embora existam alguns problemas-chave que, do meu ponto de vista, terão de ser resolvidos a longo prazo. Um deles se concentra nessa questão da massa crescente: da dívida, da produção e até da população (embora agora esteja diminuindo um pouco e haja 50 ou 60 países no mundo que têm taxas negativas de crescimento populacional, inclusive a China).

Então eu creio que a maioria dos problemas que existem em termos de degradação ambiental são danos colaterais da massa crescente, ou seja, a razão pela qual há uma concentração crescente de CO2 tem tudo a ver com a massa crescente das atividades econômicas. E nós realmente não falamos sobre as questões ambientais, mas elas são cruciais e totalmente conectadas a essa questão de massa crescente. Portanto, precisamos começar a controlar o aumento da massa e encontrar maneiras de acomodá-lo para que as tensões econômicas que estamos vendo não irrompam. Para mim, é um problema subjacente ao qual não se presta atenção.

O segundo ponto que quero destacar é que devemos ter cuidado ao imaginar que tudo é em benefício da classe capitalista. A classe capitalista está dividida em facções e a facção por trás do complexo industrial militar está muito feliz neste momento, o que não quer dizer que alguém que está na produção de alimentos esteja. É claro que todos os capitalistas tirarão vantagem, se puderem, de algo como a inflação de preços. Todo mundo está subindo os preços agora porque os demais estão fazendo isso.

Isso é muito interessante, porque o neoliberalismo costuma ser pensado como um acordo político da classe capitalista internacional…

O capitalismo industrial não era a luta de longo prazo do capitalismo porque poderia derivar no socialismo. Parte disso começou a surgir no final da década de 1960, quando a classe capitalista decidiu adotar uma forma de capitalismo onde isso não era possível. Essa forma de capitalismo era, é claro, a das finanças. Os banqueiros de investimento nas décadas de 1950 e 1960 tinham muito pouco poder e estavam tão desacreditados pelo que havia acontecido na década de 1930 que ninguém queria ouvi-los. Então eles começaram a ficar muito inquietos no final da década de 1960 e planejaram um golpe contra o capitalismo internacional dizendo que o capital financeiro governaria o galinheiro. E, efetivamente, o capital financeiro é o que impera agora.

Mas foi um movimento de classe que argumentou que a classe capitalista industrial era incapaz de controlar a situação adequadamente. Havia modelos privilegiados, sindicalização, partidos social-democratas e até comunistas. Toda essa configuração não era do gosto da classe capitalista. Então eles procuraram uma forma de capital que realmente lidasse com a questão trabalhista, com a questão nacional, com a globalização e todas essas coisas.

Os representantes do capital financeiro arquitetaram a desindustrialização dos Estados Unidos. Hoje, os Estados Unidos se beneficiam do capitalismo, mas se formos às cidades industriais destruídas em Ohio, veremos o vício em opioides que afeta populações inteiras. Uma coisa muito interessante é que o cálculo da riqueza nacional não incluía finanças, seguros e imóveis até a década de 1990. A partir de então, o Goldman Sachs poderia afirmar ser a instituição mais produtiva da economia dos EUA, porque ganha muito dinheiro sem fazer nada. Assim, Londres e Nova York aparecem de repente como as cidades globais onde toda a atividade acontece e os centros mais produtivos das economias, quando na verdade não estão fazendo nada.

Leia também: "Após o colapso financeiro de 2008, os EUA e a UE adotaram uma política de socialismo para banqueiros e austeridade para as classes médias e os trabalhadores..." https://bit.ly/3CLs2Jm

Alcoolismo britânico

“Traga sua garrafa!”

Em maio, a polícia de Londres enviou 126 multas aos festeiros, em cujo escalão principal se encontram o chefe do governo e seu ministro da Economia. As revelações sobre o que os órgãos da mídia batizam de “Partygate” desenham um quadro de prepotência e grosseria que não surpreende os observadores
Lucie Elven, Le Monde Diplomatique

 

Apenas dois meses após o confinamento da população britânica, o chefe de gabinete do primeiro-ministro britânico à época, Boris Johnson, convidou mais de cem colaboradores para uma festa no jardim de Downing Street. “Traga sua garrafa”, enfatizava o e-mail de convite. Teve início então uma série de celebrações secretas que, entre 2020 e 2021, se realizaram na residência oficial de Whitehall, ainda que a população permanecesse enclausurada em casa.

O escândalo explodiu na imprensa no começo de 2022. Em maio, a polícia de Londres enviou 126 multas aos festeiros, em cujo escalão principal se encontram o chefe do governo e seu ministro da Economia. As revelações sobre o que os órgãos da mídia batizam de “Partygate” desenham um quadro de prepotência e grosseria que não surpreende os observadores: agentes de segurança sendo ridicularizados por levantar objeções aos festeiros ilegais; o pessoal da limpeza lavando manchas de vinho tinto nas paredes; colaboradores ministeriais bêbados como gambás brigando entre si e deixando o local às 4 horas da manhã – depois de terem o cuidado de esconder suas garrafas.

A função sagrada do álcool como fator de integração social apareceu precocemente na carreira de Johnson. À semelhança de seu predecessor, David Cameron, à frente do governo de 2010 a 2016, Johnson complementou seus estudos em Oxford com uma participação entusiasmada no Bullingdon Club, uma confraria de estudantes reunidos pelo mesmo gosto por jantares caros, bebedeiras e vandalismo, e cujo orçamento servia em parte para reembolsar os prejuízos cometidos por seus membros. Em um documentário de 2013, Johnson, interrogado sobre essas frivolidades, exprimiu a esperança de que “o bendito apagador da amnésia [tenha] apagado a lousa”.1

Além de tornar mais fluida a circulação de bisbilhotices no Parlamento e na mídia, o álcool serve de acessório para performances públicas. Em sua campanha pró-Brexit, o deputado Nigel Farage gostava de erguer um copo de cerveja a fim de encarnar “o homem do povo”, antes de lançar na mídia eletrônica o programa Talking Pints [Chopes conversam]. Tal imagem pode se revelar positiva em um país que há muito tempo igualou sociabilidade a bebidas alcoólicas e onde o pub desempenha o papel da praça da aldeia. No País de Gales, os donos dos locais de consumo de bebida demonstraram seu poder político em 2021, quando baniram o primeiro-ministro Mark Drakeford de mais de uma centena de seus estabelecimentos, em reação às medidas restritivas que lhes haviam sido impostas durante a pandemia.

Por toda parte, o álcool cumpre o papel de lubrificante dessa maquinaria rangente que é a sociedade. Na escala de uma aldeia britânica, as ondas de bebidas intensificam seu ritmo em torno da sexta-feira e do sábado à noite, do “esquenta” (as bebidas preliminares consumidas em local privado) até os concursos de bebedeira, com um cotovelo apoiado sobre as mesas altas dos pubs (o “consumo vertical”, conceitualizado nos anos 1990, tem a reputação de aguçar a sede), seguidos pela ressaca do dia seguinte, que necessita de um dia de repouso.

Para as testemunhas estrangeiras dessas manifestações, a cultura britânica da bebedeira funde-se com frequência com a do vômito, uma forma de exorcismo que visa extirpar a fun [diversão] do corpo. O governo espanhol decidiu recentemente limitar a seis o número de drinques que os turistas podem pedir em um só dia nas Ilhas Baleares. Ele prepara, juntamente com a embaixada britânica, uma campanha de prevenção contra os excessos do álcool.

No entanto, seria errôneo apresentar a cultura da sede britânica como uma prática uniforme e generalizada: 4% da população consome cerca de um terço do álcool colocado à venda. O escocês bebe mais que o inglês; o norte, mais que o sul. Na Inglaterra, o volume de álcool consumido pelas famílias é proporcional à sua renda.2 Nos bairros mais pobres encontra-se o maior número de não bebedores, mas também os piores malefícios causados pelo consumo excessivo. Os millenials, chegados aos 20 anos em 2000, bebem menos que os baby boomers, e os recém-chegados da geração Z tomam ainda menos. Quando o fazem, porém, estão mais inclinados a beber maciçamente, ou binger: consumir mais de seis copos-padrão (o equivalente a 30 mililitros de álcool forte, 100 ml de vinho ou 250 ml de cerveja) para uma mulher e oito copos para um homem no decorrer de uma única noite.3 O verbo binge designa em sua origem a ação de mergulhar na água uma embarcação recém-construída, para que suas pranchas inchem e impeçam as infiltrações.

Desde os anos 1970, 28 mil pubs fecharam, à medida que a unidade social de consumo se deslocava da comunidade para a família e os amigos na intimidade do lar (ou de outro espaço privado, notadamente no caso das raves nos anos 1980). Essa mudança reflete uma evolução da ideia que cada um faz de sociedade. Em 2011, segundo o Ministério da Saúde britânico, beber álcool em um local privado em vez de num estabelecimento sob licença não era mais considerado problemático.4 Menos inclinado a passar por “turbulento, doente ou violento no espaço público”, o apreciador de bebidas prefere isolar-se com seus próximos, em um abrigo utilizado para “relaxar, escolhendo ele próprio a maneira apropriada de se comportar e mostrando-se um perfeito anfitrião para deixar à vontade seus convidados”. A participação da cerveja, menos bebida em casa, caiu no consumo total de álcool, de 71% em 1970 para 49% em 2000, enquanto a do vinho passou de 10% para 26% nesse mesmo período.5 Desde 1996, o significado da palavra binge estendeu-se à visualização desmedida de séries de televisão, prática necessariamente circunscrita ao domicílio. Com o fechamento dos locais de consumo de bebida durante a pandemia, a confraria dos bebedores atomizou-se ainda mais, e o consumo dos grandes bebedores aumentou igualmente. Segundo um estudo realizado em 2020, a ingestão de álcool diminuiu por toda a Europa, exceto no Reino Unido e na Irlanda.6 Nesse mesmo ano, contaram-se 7.423 mortes associadas ao álcool na Inglaterra e no País de Gales, uma elevação de 20% em relação ao ano anterior. Consumir de maneira autônoma em um quadro “não problemático” não protege de todos os perigos…

Se o mercado de bebidas alcoólicas alimenta fortunas consideráveis, em contrapartida as campanhas de prevenção contra o alcoolismo se dirigem mais frequentemente às classes populares. No fim do século XIX, o Partido Liberal associou-se com a Federação Nacional pela Temperança, enquanto, em 1920, o Partido da Proibição [do álcool] Escocês se integrou ao Partido Comunista da Grã-Bretanha. Ainda no século XIX, a componente proibicionista do movimento operário cartista considerava que uma pessoa não proprietária de um imóvel só deveria ser autorizada a exercer seu direito de voto caso provasse seu senso de responsabilidade fazendo campanha pela sobriedade. Como a embriaguez pública servia de argumento cômodo para restringir o direito de voto, em 1841 o cartista Henry Vincent aconselhou à classe operária: “Esqueçam os bares de gim e mostrem à aristocracia que são dignos do poder que exigem”7 – uma injunção à elevação individual e ao culto do mérito que não desapareceu em nossos dias (e cuja variante atual se encontra na acusação feita constantemente de que os millenials seriam perfeitamente capazes de comprar uma casa se parassem de se arruinar se empanturrando de torradas com abacate). Como observaram Marx e Engels em 1848, os “fanáticos da temperança” estão entre aqueles que buscam “trazer remédio às anomalias sociais, com o objetivo de consolidar a sociedade burguesa”.8 No mesmo espírito, o reformador Joseph Rayner Stephens salientou em 1872 que a sobriedade beneficiava os empregadores, não os empregados. “Vão me dizer que, quando homens, mulheres e crianças trabalham na fábrica doze horas e meia por dia, eles não estão sujeitos à tentação de beber um golinho?”

“Não bebo nos barzinhos do Parlamento”, declarou Theresa May em 2016 ao anunciar sua candidatura ao cargo de primeira-ministra, o que lhe valeu o rótulo de rígida e inapta a controlar sua bancada de deputados. Quando Jeremy Corbyn, então à frente da oposição trabalhista, admitiu em 2017 que preferia suco de maçã e água de coco a bebidas alcoólicas, ele julgou necessário acrescentar que sabia que sua preferência era “um pouco desmancha-prazeres”.

Por mais enfadonhas que as preferências deles possam parecer, elas estão de acordo com a tendência geral à sobriedade, ao contrário da Downing Street de Johnson. A nova primeira-ministra, Elizabeth “Liz” Truss, causou um escândalo ao organizar uma recepção em honra de um doador do partido em um clube muito exclusivo, e parece apreciar, como seu predecessor, as reuniões secretas e bem regadas. Mas fugir da realidade no fundo de um copo tornou-se um luxo. Enquanto o país aperta o cinto diante da explosão do custo de vida, mais de um britânico em quatro declara ter reduzido o consumo de álcool desde o fim do ano passado9 – no exato momento em que a população jamais precisou tanto do “bendito apagador da amnésia”.

*Lucie Elven é escritora. Autora de The Week Spot [O ponto da semana, em tradução literal. O original brinca com a semelhança sonora entre week (semana) e weak (fraco)], Soft Skull Press, Nova York, 2021

 1 “Boris Johnson admits to ‘embarrassing’ youth” [Boris Johnson admite juventude “embaraçosa”], 15 abr. 2013. Disponível em: huffingtonpost.co.uk.

Health Survey for England 2019 [Pesquisa de Saúde para a Inglaterra, 2019], NHS, 15 dez. 2020.

3 “Adult drinking habits in Great Britain: 2005 to 2016” [Hábitos de beber dos adultos na Grã-Bretanha: 2005 a 2016], Office for National Statistics (ONS), 3 maio 2017.

4 “Home drinking in the UK: trends and causes” [Beber em casa no Reino Unido: tendências e causas], Alcohol and Alcoholism, v.47, n.3, Oxford, maio-jun. 2012.

5 Ibidem.

6 “Alcohol consumption during the COVID-19 pandemic in Europe: a large-scale cross-sectional study in 21 countries” [Consumo de álcool durante a pandemia de Covid-19 na Europa: um estudo transversal em larga escala em 21 países], Addiction, v.116, n.12, Londres, dez. 2021.

7 Brian Harrison, “Teetotal Chartism” [Cartismo de temperança], History, v.58, 1973.

Manifesto do Partido Comunista, capítulo 3.

9 Matthew Smith, “Cost of living: what have Britons had to cut back on?” [Custo de vida: o que os britânicos tiveram de cortar?], YouGov, 23 maio 2022.

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