20 junho 2022

O nome de Deus em vão

O Evangelho segundo Jair: Jesus de pistola, liberdade sem oxigênio

Bernardo Mello Franco, O Globo

 

Em desvantagem nas pesquisas, Jair Bolsonaro decidiu reforçar a apelo ao voto religioso. Na última semana, o capitão teve cinco encontros com evangélicos. Visitou templo em Orlando, participou de evento gospel no Rio, recebeu pastores em Brasília e discursou em dois cultos em Belém. Ontem repetiria a dose num congresso bíblico em Manaus.

A primeira parada foi na Lagoinha Church da Flórida, comandada pelo pastor e cantor André Valadão. De camiseta Prada e relógio Rolex, ele se arriscou como animador eleitoral. Incentivou a plateia a “fazer barulho” e dar um “grito de alegria” em homenagem ao “nosso presidente”.

Empolgado com a recepção grifada, Bolsonaro desafiou uma lei básica da ciência. “Podemos até viver sem oxigênio, mas jamais sem liberdade”, enrolou-se. A TV Brasil interrompeu a programação para transmitir o falatório. Numa tentativa de driblar a lei eleitoral, apresentou o ato de campanha como um “encontro com a comunidade brasileira”.

De Orlando, o capitão participou do evento Esperança Rio, que reuniu milhares de fiéis na Praia de Copacabana. Em vídeo exibido no telão, ele comparou a corrida ao Planalto a uma “luta do bem contra o mal”. “Venceremos! Que Deus abençoe o nosso Brasil”, discursou.

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Na sexta-feira, a emissora oficial voltaria a cobrir dois cultos eleitoreiros. Em encontro da Igreja Quadrangular, Bolsonaro descreveu o exercício da Presidência como uma “missão do Criador”. “Hoje nós temos um presidente e um governo que acreditam em Deus”, disse.

Na Assembleia de Deus, ele tentou equiparar a eleição de outubro a uma guerra santa. “Do lado de lá, tem aquele que defende a ideologia de gênero. Do lado de cá, aquele que quer preservar a inocência das crianças em sala de aula”, elogiou-se.

As palavras agradaram o pastor Samuel Câmara, irmão de deputado bolsonarista e dono de uma rede de comunicação evangélica. “É impossível a nós, brasileiros evangélicos, não lhe apoiar”, derramou-se.

O jogo até outubro será pesado. Nesta semana, o jornal da Igreja Universal publicou artigo acusando o PT de defender a liberação indiscriminada das drogas. “Não podemos confiar em um partido político que negocia com traficantes”, diz o texto, editado ao lado da coluna do bispo Edir Macedo. O Republicanos, partido ligado à Universal, apoia a reeleição do presidente e dará legenda a seu candidato ao governo de São Paulo, o ex-ministro Tarcísio de Freitas.

Apesar da aliança com as grandes igrejas, Bolsonaro ainda não conseguiu garantir a liderança entre os evangélicos. O último Datafolha mostrou que o segmento está dividido. O capitão tem 39% das intenções de voto, e Lula aparece com 36%.

O empate técnico pode explicar a afobação presidencial. Em encontro com pastores na quarta-feira, Bolsonaro tentou reescrever o Novo Testamento em causa própria. Sem corar, disse que Jesus “não comprou uma pistola porque não tinha naquela época”. No Evangelho segundo Jair, Cristo trocaria o Monte das Oliveiras por um estande de tiro. 

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