Xadrez do Alto Comando sem
espinha dorsal
Luis
Nassif, Jornal GGN
A Nota do Alto Comando das Forças Armadas,
e do Ministro da Defesa, foi tão apressada que errou até a data: trocou 7 de
julho por 7 de junho. Foi de protesto contra as declarações do senador Omar
Aziz, presidente da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do Covid.
O
senador Omar Aziz se referia a grupos corruptos infiltrados nas Forças Armadas.
Não generalizou. Como notas oficiais não podem incorrer em problemas de
interpretação de texto, é evidente que foi uma jogada política, em cima de um
motivo falso, visando impedir a CPI da Covid.
Vamos por partes.
Peça 1 – as circunstâncias
Há
dois eventos recentes que podem explicar o episódio.
O
primeiro, o notável avanço da candidatura Lula nas pesquisas de opinião.
O
segundo, a informação de que o ex-diretor de Logística da Saúde, Roberto Dias,
teria preparado um dossiê com provas da atuação do governo Bolsonaro no
Ministério, para o caso de cair sozinho. Seria a pá de cal no governo
Bolsonaro.
Com
a decretação de prisão, provavelmente Omar Aziz pretendia acelerar a decisão de
Dias de divulgar o dossiê. A solidariedade das organizações criminosas é
rompida quando um dos elos rompe com as normas de solidariedade com o comando.
Daí a necessidade de uma ação política
rápida, para desconstruir a decisão de Aziz.
Peça 2 – a montagem do pacto de silêncio
Conforme
o GGN antecipou há vários dias, caiu só agora a ficha da CPI de que o caso
Covaxin envolvia disputa entre duas organizações atuando na Saúde: uma ligada
ao deputado Ricardo Barros (e ao Centrão), outra envolvendo militares da ativa
e da reserva, alguns atuando por conta própria, mas dentro da estratégia de
golpe montado dentro do próprio Palácio do Planalto.
No
tiroteio inicial, o Palácio alvejou Ricardo Barros, valendo-se do cabo
Dominguetti para tirar o homem de Barros na Saúde. O ex-diretor de Logística,
Roberto Dias estava disposto a entregar os militares e, mais que isso, mostrar
as digitais das instâncias superiores do governo.
Depois
do estrago feito, há uma tentativa desesperada do governo de montar um pacto
com as duas organizações, partindo da obviedade que as disputas
entre elas poderão reverter contra ambas.
Por
isso, acionou todos seus comandados, de políticos a militares, em uma parceria
bizarra entre o Centrão e o Alto Comando das Forças Armadas.
Peça 3
– Forças Armadas
Há
várias hipóteses para a nota do Alto Comando, nenhuma dignificante para as
Forças Armadas:
1.
Solidariedade
com colegas acusados de corrupção.
2.
Parceria
com o governo notoriamente genocida e corrupto de Jair Bolsonaro. Nesse caso,
em parceria explícita com o Centrão. Basta conferir o discurso candente do
notório senador Fernando Bezerra de apoio à nota.
3.
Preparativos
para uma futura pressão contra a eleição de Lula – que, justamente ontem,
apareceu como favorito absoluto nas próximas eleições.
4.
Falta
de coragem política de encarar os problemas internos da corporação.
Dois
episódios recentes mostram, em dois pesos, duas medidas, a subordinação
humilhante das FFAAs a Bolsonaro.
Caso General Eugênio Pacelli Vieira Mota –
um general profissional, sério, exonerado depois que foi criticado por
Bolsonaro por editar portaria que aumentava o controle de armas pelo Exército.
Acatou-se uma decisão de Bolsonaro, visando fortalecer grupos civis armados, em
franco choque com as prerrogativas das FFAAs, de terem o monopólio da força. Ou
seja, militares jogando contra as FFAAs para satisfazer Bolsonaro. Em algum
momento do futuro, haverá militares sendo assassinados por milícias. E a conta
recairá em quem foi omisso em relação ao tema.
Caso General Eduardo
Pazuello – um general da ativa, metendo-se até o pescoço em operações
suspeitas, que resultaram na morte de centenas de milhares de brasileiros, que
atropela explicitamente os regulamentos do Exército, e não é punido.
Não
apenas isso.
Há sinais explícitos de uma atuação suspeita por
parte de militares da ativa e da reserva, e nenhuma informação sobre medidas
adotadas internamente para coibir essa atividade.
Por enquanto, é uma atuação isolada, fruto da
cooptação de Bolsonaro, abrindo milhares de cargos no setor público para
militares, e colocando-os em cargos estratégicos militares afinados com ele.
Mas a falta de reação por parte do Alto Comando é preocupante.
Abaixo, um levantamento rápido de militares, da
reserva e da ativa, envolvidos em escândalos.
Coronel George
Divério – envolvido na reforma irregular do
prédio do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro.
Tenente-coronel
Alex Lial Marinho e coronel Marcelo Bento Pires –
em seu depoimento, Luiz Miranda, ex-diretor do Departamento de Logística,
afirmou ter recebido pressões do tenente-coronel Alex Lial Marinho e do coronel
Marcelo Bento Pires, para apressar a importação de Covaxin.
Coronel da Reserva Glaucio Octaviano Guerra – coronel
reformado da Aeronáutica, com quem o cabo Luiz Paulo Dominguetti trocou
mensagens sobre o fornecimento de vacinas. Em 2 de novembro passado, quando a
guerra pelas vacinas estava em pleno curso, Guerra abriu uma empresa em
Maryland, Estados Unidos, a Guerra International Consultants. Ele é irmão de
Cláudio Guerra, torturador notório, colega de Bolsonaro nos porões da ditadura.
E também irmão de Glauco Octaviano de Guerra, ex-auditor fiscal preso em maio
passado, acusado de envolvimento na aquisição de ventiladores para pacientes
com Covid-19.
Coronel Élcio Franco – Secretário
Executivo do Ministério, na gestão Pazuello, foi acusado de ter sido o
principal negociador da Covaxin. Franco é ligado ao Instituto Força Brasil, que
reune militares de direita, defensores das bandeiras de Bolsonaro. Fontes do
IFB, ligadas a Franco, garantem que ele se surpreendeu quando, ao chegar no
Ministério, deparou-se com a enorme quantidade de e-mails da Pfizer, não
respondidos. Segundo a fonte, foi ele quem desengavetou o caso Pfizer. Mas
seria suficientemente leal a seus chefes para não delatar.
Tenente Coronel Marcelo Branco – demitido
do Ministério da Saúde, três dias antes do jantar no Shopping em Brasília – que
juntou o cabo Dominguetti com coroneis e com o diretor do Departamento de
Logística – abriu a empresa Valorem Consultoria em Gestão Empresarial para
atuar na área da saúde.
O caso dos CPFs de
militares para auxílio emergencial – quando foi aprovado o auxílio
emergencial de R $600,00, identificaram-se 189.695 CPFs de militares
solicitando indevidamente o recurso. Não houve nenhuma campanha visando
estimular militares a ingressar no programa. É óbvio que foi ação de uma
quadrilha visando conseguir os depósitos para, depois, desviá-los para uma
outra conta. O golpe foi impedido. Até agora não se sabe de uma medida das
FFAAs para apurar a tentativa de crime.
Peça 4 – os desdobramentos da Nota
Há
uma certeza e duas dúvidas em relação à Nota do Alto Comando.
A certeza é o constrangimento criado em parcelas
dos militares, por uma manobra claramente destinada a impedir a apuração da
maior corrupção da história, envolvendo centenas de milhares de vítimas da
Covid-19.
As dúvidas são sobre a motivação dos militares.
Quando voltaram atrás na punição a Pazuello, a
versão que ocorreu é que tinham evitado confronto com Bolsonaro, para se
poupara para eventos futuros – quando Bolsonaro tentou concretizar o golpe.
Agora, cedem novamente, em circunstâncias muito
mais nebulosas, porque não calçada em uma negativa – a de não punir Pazuello -,
mas de uma ação afirmativa, de uma nota de protesto por motivo tão fútil, aliás
da mesma maneira que o AI-5, em resposta a um discurso sem impacto maior do
então deputado Márcio Moreira Alves.
Houve uma atoarda de protestos na mídia, juntando
colunistas e editorialistas de todas as linhas. E muitas declarações em off de
militares, tentando colocar água na fervura.
Ao mesmo tempo, Bolsonaro continua colocando em
dúvida as eleições de 2022, atacando o Supremo e desmontando a estrutura
pública.
Nos próximos dias se saberá, melhor, se a posição
do Alto Comando foi por fraqueza ou cumplicidade. E se a condenação ampla da
Nota os sensibilizará a se tornar, novamente, servidores do Estado, não
cúmplices de um presidente sob suspeita.
Porém, a cada dia que passa, mais orgânica fica a
aliança entre militares e governo, mais a boca fica torta pelo uso do cachimbo.
A sobrevida política a Bolsonaro poderá significar a contagem regressiva para o
fim da democracia.
.
Na relação de Bolsonaro
com as Forças Armadas, separar o joio e o trigo é necessário https://bit.ly/3xOWa13
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