30 dezembro 2021

Crônica da quinta-feira

Minha máquina do tempo

Luciano Siqueira

 

Todos nós, conscientemente ou não, conservamos na alma uma máquina do tempo.

Alguns a fazem tão eficiente que escrevem memórias. Outros se dedicam a um futurismo pretensamente científico.

Nós outros simples mortais pomos a própria máquina em funcionamento toda vez que, de caso pensado ou não, sentimos a necessidade de raciocinar e agir considerando referências do passado.

Em tempo longínquo ou recente.

Um artifício que nos possibilita um critério de referência para a tomada de novas decisões.

Quando o ano está prestes a se encerrar, infernal é o barulho de máquinas de tempo aos bilhões espalhadas pela face da Terra. É a compulsão coletiva por prever o que o futuro nos reserva – mesmo ao presidiário alojado no corredor da morte de algum presídio norte-americano ou asiático.

Uma situação dramática e tensa, como vemos nos filmes.

Minha máquina pessoal tem um departamento público – que me leva a compartilhar com minha audiência particular, que nem é tão grande assim, análises conjunturais e outras tantas, acerca dos destinos da sociedade em que nos achamos entrincheirados.

O outro departamento, estritamente privado, se faz num misto de experiência real, passada ou presente, e desejos e expectativas pessoais.

Esse segundo departamento, digamos assim, o mantenho como território livre para o sonho, o desejo ou a simples e inconsequente especulação.

Território do desconhecido, via de regra da surpresa.

Gosto de ser surpreendido. Produz uma agradável sensação de vida livre, pronta para o que der e vier.

Desde meados do século 19 e, sobretudo nos últimos trinta anos, tanto já se explorou em tendências e possibilidades acerca do mundo mineral e da sociedade humana, que há quem afirme (ilusoriamente, creio) que nos tempos que correm tudo é previsível.

(Nem tanto. O imprevisível acaso muitas vezes muda o curso da História.)

Questão de dados razoavelmente confiáveis e de projeções matemáticas. Ou dialéticas?

Tudo isso devidamente anotado e tido como próprio da condição humana, permito-me algumas horas de puro devaneio, bem acomodado numa rede na varanda da casa onde nos reunimos para o réveillon, antecipado por alguns dias de democrática irresponsabilidade.

Ou seja, longe dos problemas o quanto possível e livre para sonhar.

Afinal, o sonho nos impulsiona à luta e imprime à existência cotidiana uma aura de vida renovada.

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Fotografia: cena urbana

 

Alexandre Ramos*

* Arquiteto, ambientalista, fotógrafo amador
 Veja: imagens da vida como ela é – ou como desejamos que seja  https://bit.ly/3E95Juz







Rentismo dominante

Para superar a estagnação

É bastante preocupante quando agora apontam para uma Selic a 11,50% no ano que vem, ou seja, os 2,25% somados aos atuais 9,25% aprofundariam ainda mais o quadro recessivo para 2022
Paulo Kliass, portal Vermelho www.vermelho.org.br

 

Como ocorre a cada segunda-feira, o Banco Central (BC) divulgou também entre Natal e Ano Novo os resultados de sua tradicional pesquisa Focus no dia 27 de dezembro. Trata-se de um levantamento realizado pelo órgão responsável pela política monetária e pela regulação do sistema financeiro junto à nata das instituições do mundo do financismo. O chamado “Sistema de Expectativas de Mercado” assume claramente a disposição de oferecer aos responsáveis por esse importante ramo da política econômica no setor público a visão e o diagnóstico de quem está do outro lado do balcão – a banca privada.

Assim, todas as orientações acerca da taxa oficial de juros e outros instrumentos da política monetária ficam completamente capturados pelos desejos e pelos interesses do sistema financeiro. O modelo adotado é a confissão mais evidente do desmonte das instituições públicas de planejamento econômico. Os dirigentes de tais instituições privadas passam a balizar ação do governo ao definirem suas expectativas em elementos fundamentais da economia, tais como o crescimento do PIB, os níveis de inflação, a taxa Selic, a taxa de câmbio, a balança comercial, o resultado fiscal e outras variáveis.  O detalhe é que fazem projeções para o ano em curso e ainda para mais três exercícios à frente. Ou seja, não contentes em chutar e errar descaradamente em seus desejos para o crescimento das atividades ao longo dos próximos meses, arriscam-se a dizer qual será, por exemplo, a taxa de câmbio em 2024. Uma loucura!

Governo do financismo

Na verdade, a pesquisa é algo parecido a um chá virtual organizado entre comadres que se juntam para discutir algum assunto e para definir o que deveriam fazer de forma coletiva a esse respeito. O próprio BC escolhe quem será convidado a oferecer sua preciosa contribuição para criar as bases que deem fundamentação às deliberações do Comitê de Política Monetária (Copom) e outras instâncias governamentais.  O modelo está em vigor desde 2001, quando o BC preferiu se ancorar em tais pesquisas e não mais em estudos e modelos preparados por suas equipes próprias de economia. Vejamos o que diz a página da instituição a esse respeito:

(…) “Atualmente, estão habilitadas cerca de 140 instituições, majoritariamente bancos, gestores de recursos, distribuidoras e corretoras, além de consultorias e outras empresas não-financeiras.” (…)

Ora, ao excluir de forma deliberada os representantes de opiniões que não concordam com aquelas consensuadas no interior do financismo, a agência reguladora faz uma opção que torna os resultados da pesquisa semanal ainda mais frágeis e viesados. Não há nenhuma instituição de pesquisa ou universitária convidada a fornecer suas avaliações, nem entidades que operem fora do universo dos negócios das finanças. Os economistas que pensam de forma diversa da caixinha da ortodoxia estão fora da consulta.

Ao confundir seus desejos com as perspectivas futuras da economia, os que respondem à pesquisa terminam por comprometer a própria eficácia da política econômica. Assim, por exemplo, em sua torcida cega pela condução da economia sob a batuta de Paulo Guedes, apontavam há 6 meses atrás que a economia iria, finalmente, se acertar e que em 2022 o PIB iria crescer 2,4%. Maravilha, não acham? Como não havia a menor fundamentação objetiva para tal previsão carregada de otimismo, o passar do tempo se encarregou de trazer um pouco mais de realidade aos resultados. E a pesquisa mais recente traz essa projeção para tímidos e modestos 0,40% de crescimento do Produto no ano que vem. E ninguém termina sendo responsabilizado por essa diferença de 500% nas expectativas em menos de um semestre.

Por outro lado, a única expectativa em que eles não erram jamais é aquela do patamar da Selic. É que nesse caso trata-se de uma espécie de profecia auto realizada. Como são obedecidos pelos membros da diretoria do BC em suas exigências, o Copom termina por sempre referendar as pressões e os lobbies para que a taxa oficial de juros fique de acordo com as determinações do pessoal da Focus. Como eles têm sempre “acertado” nas previsões anteriores, é bastante preocupante quando agora apontam para uma Selic a 11,50% no ano que vem. Ou seja, os 2,25% somados aos atuais 9,25% aprofundariam ainda mais o quadro recessivo para 2022.

Estagnação acima de tudo.

Pois é esse mesmo pessoal que se encarrega, por outro lado, de alardear o catastrofismo pelos meios de comunicação a cada vez que ouvem falar em despesa pública não-financeira. No entanto, os gastos com juros da dívida pública podem crescer sem nenhum problema. Ao fazerem a defesa ensandecida de resultados fiscais comprimidos a qualquer custo, impedem que sejam adotadas as chamadas “medidas contracíclicas”, tão necessárias para superar o atual quadro de estagnação de nossa economia. Na verdade, trata-se de aplicar os ensinamentos básicos presentes em qualquer manual razoável de macroeconomia, onde se aprende que nos momentos de baixa da atividade econômica, nos períodos de pasmaceira ou recessão, a melhor alternativa é sempre recuperar os níveis de gasto público. Esse tipo de medida atua justamente contra a tendência do ciclo econômico e colabora para a recuperação das atividades de forma geral. Ou seja, se o programa governamental for bem concebido, ele não tem intrinsecamente nada de irresponsável, demagógico, bolivariano ou aventureiro. Basta consultar as medidas mais recentes adotadas pelo Tesouro norte-americano ou pela Comissão Europeia.

O problema é que a obsessão pelo tema da austeridade fiscal de forma irresponsável dominou corações e mentes do mundo empresarial, universitário, das instituições multilaterais (FMI, Banco Mundial e outros) e dos meios de comunicação durante décadas. E o financismo tupiniquim resiste como pode a fazer essa transição já em curso nesse tipo de ambiente nos países desenvolvidos. Assim, por aqui Paulo Guedes e companhia ainda se mantêm amarrados ao discurso superado pelos seus colegas no ambiente globalizado do próprio sistema financeiro. A ameaça de quebra generalizada em 2008/9 e a mais recente provocada pela pandemia contribuíram para flexibilizar a receita austericida e passou a ser aceita a ideia de que o Estado pode, sim, ser importante para atenuar os efeitos da crise. E isso implica em aumentar as despesas orçamentárias e também o grau de endividamento dos governos. Ou seja, esses temas deixaram de ser tabus interditos e passaram a ser analisados de forma mais objetiva pragmática, no debate do caso a caso.

No contexto brasileiro atual, parece não restar mais dúvidas a respeito da necessidade de revogar a matriz de todas estas limitações: a Emenda Constitucional nº 95, que impôs em 2016 o famigerado teto de gastos por vinte longos anos. O bloco do fisiologismo no Congresso nacional já percebeu isso e conseguiu se impor junto a Bolsonaro, obrigando Paulo Guedes a aceitar de forma resignada se converter no patrono de gambiarras, como essa PEC dos Precatórios. Porém, o banqueiro no comando da economia não engana mais ninguém. Seu apego desavergonhado por permanecer apenas mais alguns meses na cadeira concentradora de quatro ministérios o levou a aceitar esse tipo de malandragem institucional. Mas, na verdade, trata-se tão somente de uma artimanha de um fura-teto apenas para manter o teto. Ele não mexe no criminoso Novo Regime Fiscal inserido na Constituição e abre a exceção apenas para atender, em 2022, aos desejos apetitosos das verbas bilionárias das escandalosas Emendas do Relator e para acomodar uma jogada eleitoreira de Bolsonaro. O candidato à reeleição pretende repaginar o exitoso Bolsa Família e criar um monstrengo reduzido – o tal de Auxílio Brasil – para chamar de seu.

Romper o fiscalismo e superar a estagnação.

Não existe saída possível caso as expectativas do pessoal consultado pela pesquisa Focus se mantenham como a principal referência para definição da política econômica de qualquer governo. A superação da estagnação exige uma mudança de paradigma por parte dos responsáveis pelas políticas públicas, onde a questão da recuperação do protagonismo do Estado e o abandono do dogmatismo fiscalista sejam uma regra absoluta. Isso significa também encampar outra visão a respeito da importância das finanças públicas, que não podem mais ser tratadas como a gestão de recursos dos indivíduos, das famílias ou das empresas.

Por mais complexas que sejam as relações econômicas no mundo contemporâneo, os dirigentes políticos deveriam se manifestar de forma a esclarecer e abrir novos horizontes em suas manifestações públicas a esse respeito. O tempo do austericídio já está superado em boa parte do mundo e devemos avançar aqui em nosso país para novos modelos. Nesse sentido, declarações como essa recente do ex presidente Lula não contribuem para tanto:

Ele já esteve por oito anos à frente do Palácio do Planalto e acompanhou bem de perto os seis seguintes de Dilma Roussef. Conhece como poucos os mecanismos de funcionamento da máquina pública e as opções e possibilidades oferecidas pela política econômica. Ele sabe muito bem que precisará botar esse modelo de cabeça para baixo caso queira promover alguma transformação mais efetiva na vida da maioria da população e na capacidade produtiva do país. Mas tem também a clareza de que não contará desta vez com a ajuda do ambiente de boom das commodities para um eventual novo mandato.

Podemos até compreender o que teria levado o candidato a se manifestar nessa linha. Mas manter esse tipo de comparação das opções macroeconômicas com a economia doméstica não ajuda em nada; pelo contrário, atrapalham e muito. No sentido oposto do que afirmou Lula, o Estado brasileiro pode sim e deve gastar mais do que arrecada, em especial no momento atual. Caso contrário, a manutenção da lógica ainda vigente pode até agradar alguns setores das elites do financismo, mas não as enganará jamais. E a perpetuação do modelo rentista e fiscalista impedirá que seja alcançado o objetivo de superar o quadro estagnacionista atual da forma mais rápida e eficiente possível.

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Veja: A mentira o desgasta e enfraquece; mas o mantém conectado à sua base https://t.co/Dp8f13AzZ4

Arte é vida

 

Cícero Dias


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29 dezembro 2021

Luciana Santos: Um balanço sobre 2021

Luciana Santos: “Apesar de Bolsonaro, estamos vencendo a batalha”
Presidenta nacional do PCdoB faz, em vídeo, balanço das vivências que o Brasil e o Partido tiveram no ano de 2021.
Portal Vermelho www.vermelho.org.br

 

Em mensagem de vídeo, a presidenta nacional do PCdoB, vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos faz um balanço das vivências que o Brasil e o Partido tiveram no ano de 2021 e traça perspectivas para o próximo ano. Para ela, o “balanço é de resistência e de luta”.

“O PCdoB esteve esse 2021 aonde sempre esteve, ao lado do povo”. E percorrendo um caminho para o Brasil. “Por isso, toda nossa militância se jogou, com todo o seu peso, toda nossa inteligência para fazer a frente de resistência, nas ruas – com todas as responsabilidades sanitárias -, nas redes sociais, na luta de ideias, no parlamento, ou seja, no cotidiano do povo brasileiro estava lá um comunista fazendo a defesa dos interesses mais caros da população”.

Enumerando às resistências vivenciadas ao longo deste ano e “todas as ameaças que o governo Bolsonaro representa”, Luciana citou a luta pelo Fundeb, a qualidade das universidades públicas, contra a privatização do patrimônio brasileiro, contra a política de preços da Petrobras, a luta contra inflação, pelo emprego, “na luta para que não houvesse retrocesso democrático”, disse. “Estava lá a nossa força!”, frisou Luciana.

A dirigente nacional apontou que “apesar de Bolsonaro, estamos vencendo a batalha, garantindo medidas, impondo derrotas ao governo Bolsonaro”. Ela também destacou como balanço positivo para o PCdoB, “a atuação e influência” da bancada federal. “Pela justeza das nossas ideias e temos muito autoridade política no parlamento brasileiro”, ressaltou a presidenta.

“Temos um sonho e um caminho, e onde estivermos, estaremos defendendo o povo brasileiro”.

Federação

A presidenta comentou que “do ponto de vista da nossa plena institucionalidade, nós vivemos dilemas enormes. E nós conquistamos a Federação que era uma espécie assim de plano A que garantiria a nossa plena institucionalidade, não só a nossa, mas é uma vitória de caráter estratégico para o país. Pois ela dá um salto de qualidade nas relações políticas que o país vai viver a partir da Federação”.

A dirigente considerou que o balanço do Partido é positivo, “apesar de um contexto muito adverso”, disse ela. “Nós vivemos um período de defensiva estratégica desde o fim do campo do socialismo [desde o fim da URSS] e vivemos uma derrota de caráter estratégico e tático quando Bolsonaro ganhou as eleições no Brasil, mas nós temos a capacidade política de compreender os fenômenos, de atuar sobre eles, para transformar”.

Frente ampla para derrotar Bolsonaro

“Assim eu penso que a gente ajudou a construir a centralidade da tática não só do PCdoB, mas para o Brasil que é frente ampla para derrotar Bolsonaro, isso tem o nosso DNA, tem a nossa contribuição e nós vamos associar isso ao grande programa de reconstrução nacional”.

15º Congresso

Sobre a realização do 15º Congresso nacional do PCdoB, cuja plenária final aconteceu entre os dias 15, 16 e 17 de outubro deste ano, virtualmente, a presidenta nacional considerou bastante exitoso e ilustrou que o evento “é o ápice da nossa democracia interna. E foi vitória espetacular da nossa vivencia democrática. Fico feliz com a certeza que melhores dias virão e esses dias virão porque nós vamos estar lá procurando dar rumo ao Brasil, dando essa perspectiva que é novo projeto nacional de desenvolvimento”.

Centenário

O centenário do PCdoB será a grande festa da democracia, contou Luciana, detalhando as principais atividades da agenda comemorativa, como a festa em Niterói, o livro iconográfico que retrata a história do Partido e do País, a produção de um filme sobre a história partidária “e estamos estimulando que os estados 

a história do PCdoB que é imensa”.“A história do PCdoB é uma história de amor e de coragem pelo Brasil. Em todos os momentos difíceis da vida brasileira, nós fomos aqueles que deram a vida pelo país”.

Luciana falou das experiências exitosas do socialismo no mundo e que o PCdoB precisa escrever a sua própria história. “Nós vamos retratar todo esse período histórico. A história do PCdoB se confunde com a história do povo brasileiro, nós nascemos na semana de arte moderna e a partir da revolução russa”.

As comemorações do Centenário, salienta Luciana, “é uma síntese de toda essa diversidade, da riqueza, de ícones, de gerações que lideraram o processo de constituição dessa trajetória e da nossa capacidade de elaboração teórica”.

Fortalecimento do PCdoB e a disputa eleitoral de 2022

Um dos principais aspectos de nossos objetivos, frisou Luciana Santos, “é derrotar Bolsonaro”. “E temos também a necessidade de garantir uma bancada à altura da luta e dos desafios que o Brasil vai viver num pós-Bolsonaro, num projeto de reconstrução nacional. E a nossa perspectiva é garantir que a gente tenha uma eleição de uma bancada representativa no cenário nacional e que contribua com os embates que vão acontecer o ano que vem.

“Vamos dar um basta ao Bolsonaro e vamos garantir uma bancada à altura da história do PCdoB, influente e capaz para fazer as mudanças que o povo tanto merece”, completou a dirigente.

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Crônica da quarta-feira

Em tempo real. Será?

Luciano Siqueira

 

"Em tempo real" tornou-se uma das expressões mais usadas na atualidade. Sinal de eficiência.

Será?

Tenho cá minhas dúvidas, por experiência própria.

Explico.

Quando leio algo escrito sobre papel, sinto-me compelido a dedicar alguns segundos mais a compreender melhor a informação.

Mas quando se trata de uma "postagem" em alguma plataforma digital, quase inconscientemente me vejo desafiado a apreender o conteúdo em fração de segundos.

Como que para provar que sigo lúcido, raciocinando com a agilidade necessária.

Por isso desconfio que se perde muito em conteúdo do que se lê em mensagens transmitidas numa fusão de palavras escritas ou em áudio e imagens atraentes, seja em vídeos curtos ou cards.

Os terráqueos da terceira década do século 21 se informam, e formam a sua opinião, através de mecanismo que superestima a variável tempo em prejuízo da qualidade do raciocínio. 

Em consequência, muito se sabe (ou se pensa que sabe) e pouco se entende (ou se entende de modo atravessado).

Prato feito para a classe dominante, numa sociedade cada vez mais marcada pela discrepância entre pouquíssimos que detêm quase toda a produção, a riqueza e a renda e as grandes maiorias crescentemente empobrecidas.

Karl Marx e Friedrich Engels demonstraram em "A ideologia alemã" que todas as formas de comunicação são utilizadas em favor de um pretenso consenso no conjunto da sociedade, cujo conteúdo essencial é a acomodação ao status quo. 

Na sociedade contemporânea, a internet é a menina dos nossos olhos. 

Mas é bom saber que ela tem donos e embora pareça nos facilitar a vida — e em certos aspectos facilita mesmo —, serve fundamentalmente para nos conduzir a um modo de vida que reproduz o lucro dos que detêm o capital e à acomodação ao mundo como ele é, e não como deveria ser para o bem de todos.

Escrevi essas mal traçadas linhas em pouquíssimos minutos, literalmente “ditando” o conteúdo ao smartphone, que o reproduziu no bloco de notas.  

Isto após resolver umas tantas coisas à distância, enquanto repouso numa rede no alpendre aqui da casa onde permaneço com a família por alguns dias de lazer de fim de ano. 

Tudo fácil assim com ajuda da tecnologia digital, porém arriscoso. 

Refletir sempre sobre o que acontece e o que fazemos segue indispensável, ainda que "desperdicemos" alguns minutos mais.

Para que tenhamos uma prática consciente e transformadora.

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Veja: Respostas a várias questões resumidas em 2 pontos https://bit.ly/3ppTPqL

Palavra de poeta: Iara Maria Carvalho

Reamar

Iara Maria Carvalho

Uma espécie em extinção,
o amor? Andar sem
olhar pra trás e tirar sempre
que pode a poeira que
repousa sobre a caixa onde
guarda a coleção dos fracassos.
Não, não está extinto.
De longe, ouvem-se os risos
dos namorados diante
da praia, a doçura do vento
embaraçando os cabelos
e os dedos. Há um jeito novo
antigo de ir embora
quando o amor não tem
mais sal, quando o amor não
dá mais onda, quando o amor
bate nas pedras e se quebra.
No entanto, dos sargaços
o amor se move, fica sob a areia
só até o dia em que a maré
baixa, deixando um rastro
de desejos e espuma,
saliva e sonho,
suor entre as conchas.
Remar, reamar.
Viver.

[Ilustração: George Barbosa]

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Um notável frasista

50 anos sem Barão de Itararé: a vida trágica de um ícone do jornalismo

Apparício Torelly foi também ativista político, chegando a eleger-se vereador, na década de 1940, pelo Partido Comunista do Brasil
Portal Vermelho www.vermelho.org.br

 

Em 2021, completam-se 50 anos da morte do jornalista gaúcho Apparício Torelly (1895-1971), o Barão de Itararé. Autor de máximas consagradas que o tornaram um dos maiores frasistas da imprensa brasileira, Torelly foi também ativista político, chegando a eleger-se vereador, na década de 1940, pelo Partido Comunista do Brasil.

“O Barão é daqueles que começam uma partida do zero. É como se tivesse inventado as regras do jogo”, afirma o jornalista Cláudio Figueiredo, autor da biografia Entre Sem Bater – A Vida de Apparício Torelly – O Barão de Itararé (2012). “Foi muito mais do que ‘frasista’. Foi um humorista revolucionário, anárquico, inovador. Colocar o foco sobre um único aspecto de sua obra seria como julgar Pelé por sua atuação no Cosmos, já no seu fim de carreira.”

Fernando Apparício de Brinkerhoff Torelly nasceu no Rio Grande, município a 317 quilômetros de Porto Alegre (RS), no dia 29 de janeiro de 1895. Seu pai, João da Silva, era brasileiro, e sua mãe, Maria Amélia, uruguaia. O pequeno Apparício ainda não tinha completado dois anos quando a mãe, então com 18, tirou a própria vida, com um tiro na cabeça. Até hoje, não se sabe ao certo a razão do suicídio. Especula-se que tenha sido por causa do temperamento violento do marido.

Órfão de mãe, Apparício foi mandado para um colégio jesuíta em São Leopoldo. Apesar de sua pouca idade, já esbanjava a irreverência que o tornaria famoso. Tanto que foi lá, no Colégio Nossa Senhora da Conceição, que criou seu primeiro jornal de humor, o Capim Seco, totalmente escrito a mão. Certa vez, o professor de português pediu a Apparício que conjugasse um verbo qualquer no tempo mais que perfeito. “O burro vergara ao peso da carga”, respondeu o jovem. Nada demais, não fosse Oswaldo Vergara o nome do tal professor.

Antes de se tornar jornalista, Torelly tentou a carreira médica. Aos 17 anos, matriculou-se na Escola de Medicina e Farmácia de Porto Alegre. Ao chegar atrasado a uma aula de anatomia, o professor Sarmento Leite pegou um fêmur e lhe perguntou: “O senhor conhece este osso?”. Ainda ofegante, o estudante respondeu, estendendo a mão: “Não, muito prazer!”.

Em outra ocasião, durante uma prova oral, o professor, vendo que Apparício não sabia as respostas, pediu, irônico, a um funcionário da faculdade: “Me traga um pouco de alfafa, por favor”. “E, para mim, um cafezinho”, completou o aluno que, no entanto, não concluiu o curso – ele largou a faculdade em 1919.

“A vida do Barão de Itararé é cheia de passagens trágicas. A começar pelos seus problemas de saúde, como a hemiplegia (paralisia total ou parcial da metade lateral do corpo)”, conta Mary Stela Surdi, mestre em Letras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com a dissertação Barão de Itararé – A Linguagem do Humor (1998). “Desde muito jovem, foi preso e apanhou incontáveis vezes. Mas, sempre lidou com a perseguição político-ideológica com humor e inteligência.”

Com passagem por diversos jornais e revistas, tanto da capital gaúcha quanto do interior do Estado, Apparício Torelly tentou a sorte no Rio de Janeiro. Na bagagem, trazia seu primeiro e único livro, Pontas de Cigarro, de poesia, de 1916, e seu primeiro jornal de humor, O Chico, que teve tiragem de 8 mil exemplares, de 1918.

Aos 30 anos, foi bater à porta de O Globo. “O que quer fazer aqui?”, perguntou o então dono do jornal, Irineu Marinho (1876-1925). “Qualquer trabalho serve”, respondeu Apparício. “De varredor a diretor do jornal, até porque não vejo muita diferença”. Sua primeira coluna, intitulada “Despreso”, foi publicada na versão matutina do jornal, em 10 de agosto de 1925.

Ao longo da carreira, Apparício Torelly teve dois pseudônimos: Apporelly, uma fusão de “Apparício” e “Torelly”, e Barão de Itararé, o mais famoso deles, em homenagem à batalha que nunca aconteceu, na divisa entre São Paulo e Paraná, entre as tropas de Washington Luís e de Getúlio Vargas.

Com a morte de Irineu Marinho em 21 de agosto de 1925, vítima de infarto, Torelly migrou para as páginas do jornal A Manhã, de Mário Rodrigues (1885-1930), pai dos jornalistas Mário Filho (1908-1966) e Nelson Rodrigues (1912-1980). Batizada de “Amanhã Tem Mais…”, a coluna diária de Apporelly estreou em 2 de janeiro de 1926 e fez enorme sucesso entre os leitores.

 “Eles não perdiam aquela saraivada de frases, versinhos e trocadilhos com nomes de políticos”, afirma o jornalista e escritor Ruy Castro em O Anjo Pornográfico – A Vida de Nelson Rodrigues (1992). “Algumas das melhores frases já tinham sido inventadas por Bernard Shaw, Mark Twain ou Oscar Wilde, a quem Apporelly esquecia de citar. Outras, às vezes muito engraçadas, eram dele mesmo.”

Entre outros trocadilhos famosos, Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), líder da Revolução de 1930, virou “Getúlio Dor Neles Vargas” e Filinto Müller (1900-1973), o torturador do Estado Novo, “Filinto Mula”. Sobre Getúlio, aliás, disse, certa ocasião: “Sabe como se chama nosso caro presidente? Gravata Preta. Adapta-se a qualquer roupa e a qualquer regime”.

Além de fazer trocadilhos com nomes de políticos, Torelly se especializou em criar paródias para frases famosas. “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mortos”, do filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), por exemplo, virou “Os vivos são sempre e cada vez mais governados pelos mais vivos”. Já o lema integralista “Deus, Pátria e Família”, de Plínio Salgado (1895-1975), ganhou nova versão: “Adeus, Pátria e Família!”.

Quatro meses após começar a trabalhar no A Manhã, Torelly decidiu fundar seu próprio jornal: A Manha. “O jornal de humor que ele criou e manteve com ímpeto quixotesco sobreviveu de 1926 a 1959”, explica o jornalista Rodrigo Jacobus, mestre em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com a tese Um Nobre Bufão no Reino da Grande Imprensa (2010). “Ao longo desse período, pontuou com seu humor alguns dos maiores acontecimentos do século 20, como a Revolução de 30, o Estado Novo, a 2ª Guerra Mundial…”.

Em 10 de outubro de 1929, A Manha passou a circular como suplemento do jornal Diário da Noite, do jornalista Assis Chateaubriand (1892-1968). A sociedade, porém, durou pouco: cinco meses. Além da edição diária, Torelly publicou, ainda, três números de Almanhaque, ou seja, o almanaque do jornal A Manha. Um número saiu em 1949 e dois, em 1955. Todos traziam jogos, piadas e adivinhações. Seu principal parceiro na nova empreitada foi o chargista e ilustrador paraguaio Andrés Guevara (1904-1963).

No dia 9 de dezembro de 1935, Apparício Torelly sofreu a primeira de suas muitas prisões. O motivo da detenção nunca foi totalmente esclarecido. Uma das hipóteses é pelo fato de ele ter sido um dos fundadores da Aliança Nacional Libertadora (ANL), no Rio de Janeiro. Na manhã seguinte, Torelly foi levado para um navio-presídio ancorado na Baía de Guanabara. Nem mesmo preso perdeu sua verve cômica. A certa altura, o comandante afirmou: “O senhor está convidado a depor”. Nisso, o Barão respondeu, cínico como sempre: “Depor o governo? Me admira muito que o senhor tenha a coragem de fazer um convite desses”.

Em 21 de março de 1936, foi transferido para a Casa de Detenção, na rua Frei Caneca. Lá, dividiu cela, entre outros, com o jornalista e escritor Graciliano Ramos (1892-1953). “Aporelly contava piadas satirizando a situação política do País”, conta o escritor e biógrafo Dênis de Moraes em O Velho Graça – Uma Biografia de Graciliano Ramos (2012). “Só se referia, por exemplo, ao carrancudo general Góis Monteiro como ‘Gás Morteiro’ e adorava compor paródias para músicas famosas como Cidade Maravilhosa”.

Mas, aos poucos, a prisão começou a lhe deixar marcas. É o que relata Fábio César Alves, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), com a tese Vivência, Reflexão e Combate: Sobre Memórias do Cárcere (2013): “De dia, (o Barão) era aparentemente alegre. Mas, à noite, passava muito mal, a ponto de sofrer tremores e ranger os dentes – o que obrigava Graciliano a agarrá-lo até que se acalmasse”. Foi solto em dezembro de 1936, já ostentando sua famosa barba.

Graciliano Ramos não foi o único escritor famoso que ele conheceu. No A Manha, trabalhou ao lado de Rubem Braga (1913-1990) e José Lins do Rego (1901-1957). No caso de Jorge Amado (1912-2001), foi Torelly quem apresentou o escritor baiano à sua futura mulher, Zélia Gattai (1916-2008), em janeiro de 1945, durante o 1° Congresso Brasileiro de Escritores, em São Paulo. O encontro se deu na Boate Bambu. “Me apresente à moça, Barão”, pediu Amado. E, assim, os dois se conheceram.

“Não houve no Brasil, na década de 1940, escritor mais unanimemente lido e admirado do que o humorista cujo riso, ao mesmo tempo bonachão e ferino, fazia a crítica aguda e mordaz da sociedade brasileira e lutava pelas causas populares”, declarou Jorge Amado, em 1985. “Mais do que um pseudônimo, o Barão de Itararé foi um personagem vivo e atuante, uma espécie de Dom Quixote nacional, malandro, generoso e gozador, a lutar contra as mazelas e os malfeitos.”

Em novembro de 1946, Torelly arriscou-se na carreira política. Em tempos de falta d’água e de leite adulterado, adotou como lema de campanha: “Mais água! Mais leite! Mas menos água no leite!”. Deu certo. Com 3,6 mil votos, elegeu-se vereador pelo Partido Comunista do Brasil (que, na época, adotava a sigla PCB). Certa ocasião, ouviu de um parlamentar: “O que Vossa Excelência fala entra por um ouvido e sai pelo outro”. “Impossível, excelência”, rebateu o Barão. “O som não se propaga no vácuo”.

Em maio de 1947, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o registro do PCB. Com isso, Torelly perdeu o mandato. “Na época, emissoras de rádio transmitiam os discursos dos vereadores”, relata o jornalista Mouzar Benedito, autor de Barão de Itararé: Herói de Três Séculos (2007). “Quando discursava, lavadeiras e operários paravam de trabalhar para ouvir o Barão. Em seu discurso de despedida, disse: ‘Deixo a vida pública para entrar na privada’“.

No dia 12 de janeiro de 1965, Torelly sofreu mais um duro golpe. Sua companheira, Aída Costa, encharcou as roupas de álcool e ateou fogo ao corpo. Foi a quinta tragédia pessoal que Torelly sofreu em sua vida: em 1897, perdeu a mãe; em 1935, Zoraide, sua segunda mulher, vítima de câncer; em 1939, Juracy, sua terceira mulher, de leucemia; em 1944, Ady, sua filha, de problemas no coração e apendicite; e, em 1965, Aída, por suicídio.

Recluso, Apparício Torelly morreu enquanto dormia, em 27 de novembro de 1971, aos 76 anos, há exato meio século. Ele morava, sozinho, num apartamento de quatro cômodos, todos abarrotados de livros, revistas e jornais, no bairro de Laranjeiras, zona sul do Rio. No atestado de óbito, “arteriosclerose cerebral, seguida de coma diabético”.

Apparício Torelly deixou três filhos: Arly, Ady e Ary, frutos do primeiro casamento, com Alzira Alves. Os sucessores são incontáveis. Os mais famosos, na opinião de Jorge Amado, foram o Stanislaw Ponte Preta, criado por Sérgio Porto (1923-1968), e o Analista de Bagé, de Luís Fernando Veríssimo. Mas, houve outros, conforme lista o jornalista e escritor Luís Pimentel em Entre Sem Bater – O Humor na Imprensa (2004): da revista Pif-Paf, de Millôr Fernandes (1923-2012), a Bundas, do cartunista Ziraldo.

“O pessoal do Pasquim assumia ser ‘neto’ do Barão e ‘filho’ do Stanislaw Ponte Preta”, observa o designer gráfico Sérgio Papi, responsável, ao lado de José Mendes André, pelo relançamento dos três volumes do Almanhaque, entre 1989 e 1995. “Não por coincidência, o jornalista Sérgio Porto foi ‘foca’ (jornalista iniciante) do Apparício no jornal Folha do Povo”. Reza a lenda que foi o Barão quem convenceu Sérgio Porto – que estreou no jornalismo como crítico de cinema – de que tinha vocação para o humor.

Dez máximas do Barão de Itararé:

1. “De onde menos se espera, daí é que não sai nada.”
2. “Quando pobre come frango, um dos dois está doente.”
3. “Tempo é dinheiro. Vamos, então, pagar as nossas dívidas com o tempo.”
4. “O fígado faz muito mal à bebida.”
5. “Negociata é todo bom negócio para o qual não fomos convidados.”
6. “Para este mundo ficar bom, é preciso fazer outro.”
7. “Quem foi mordido por cobra tem medo até de minhoca.”
8. “Sabendo levá-la, a vida é melhor do que a morte.”
9. “O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro.”
10. “Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.”

(Com informações da originalmente na BBC News Brasil)

Veja: imagens da vida como ela é – ou como desejamos que seja  https://bit.ly/3E95Juz

28 dezembro 2021

Crônica da terça-feira

Sansão e Dalila

Luciano Siqueira

 

Outro dia escrevi no Twitter que jamais assisti um filme do Homem-Aranha, não pretendo assistir e não sei se estarei perdendo algo importante.

Pelo WhatsApp, duas amigas e um amigo me criticaram por isso, mais ou menos nos mesmos termos:

— Como pode alguém atento a tudo o que acontece se eximir de ver pelo menos um filme que seja, de uma série, campeão de bilheteria!?

Eis a questão, minha gente amiga.

Nem tudo que é visto por muita gente necessariamente me interessa.

De outra parte, são tantos os temas, acontecimentos, obras literárias e de arte, científicas e que tais, e já não tenho tempo para digressões com o Homem Aranha e seus assemelhados Super-Homem e Batman.

Nunca me identifiquei com o gênero, mesmo quando criança ou adolescente.

E olhem que adoro cinema, porém sem jamais me curvar a eventuais campeões de bilheteria.

Tenho uma birra intimamente preservada.

Quando se formam filas quilométricas para assistir nos cinemas determinado filme de sucesso mundial, simplesmente não entro em fila alguma. Deixo para assistir qualquer dia desses, num futuro imprevisto.

Por isso até hoje devo a mim mesmo o "Titanic" e só recentemente vi na Netflix o (já clássico) brasileiro "Tropa de elite".

Mas recordo que por volta dos meus 11 anos de idade, na Lagoa Seca, em Natal, me deixei empolgar com anúncio em carro de som de que no Cine São João (na mesma rua onde eu morava) entrara em cartaz o "melhor filme do mundo" — precisamente "Sansão e Dalila", estrelado por Victor Mature e Hedy Lamarr, dirigido por Cecil B. DeMille.

O ingresso custou 5 cruzeiros, que pedi a minha mãe relutante, com o decisivo argumento de que um filme daquele eu jamais poderia perder.

Afinal, era um campeão mundial de bilheteria. Acho que gostei muito.

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Perdendo apoio

O que explica o declínio de Bolsonaro entre os evangélicos?

Rafael Rodrigues da Costa, Le Monde Diplomatique

 

O apoio de Bolsonaro entre os evangélicos parece, enfim, estar com os dias contados. Segundo a última pesquisa Datafolha, 29% dos evangélicos consideram o governo Bolsonaro ótimo ou bom. É o menor índice já registrado desde o início do seu mandato.

De janeiro para cá, a aprovação do presidente derreteu nada menos que onze pontos percentuais entre os religiosos desse segmento, o que indica uma vertiginosa queda de popularidade em um de seus principais bastiões eleitorais.

O que explica o declínio de Bolsonaro entre os evangélicos? Alguns aspectos precisam ser levados em conta. Em primeiro lugar, o fator econômico: os evangélicos estão entre as religiões que mais concentram trabalhadores informais e pessoas de baixa renda, populações que mais estão sofrendo os efeitos perversos da crise econômica como o desemprego, o peso da inflação nos alimentos, habitação e transportes, além da diminuição no auxílio emergencial.

O fator político também parece pesar contra o presidente. Os escândalos de corrupção envolvendo a família do presidente e alguns de seus correligionários contrasta com a figura de honestidade trabalhada pela campanha de Bolsonaro em 2018. Isso fez com que algumas lideranças religiosas – a exemplo do pastor presbiteriano Augustus Nicodemus e o teólogo reformado e youtuber Yago Martins – diminuíssem o entusiasmo com o presidente ao longo do mandato, sobretudo após a saída de Sergio Moro do governo, em abril de 2020.

Mesmo com o evidente declínio de Bolsonaro nas pesquisas, o ex-presidente Lula (PT) não parece conseguir se aproveitar dessa situação entre os evangélicos, uma vez que permanece em empate técnico com Bolsonaro pelo menos desde maio deste ano. Na última pesquisa Datafolha, enquanto Bolsonaro aparece no primeiro turno com 38% das intenções de voto dos evangélicos, Lula obtém 37% de preferência. Já no segundo turno, Lula apresenta 44% das intenções contra 43% de Bolsonaro. Dentro da margem de erro da pesquisa, de três pontos para mais ou para menos, os dois ainda competem de igual para igual.

É aqui então que as coisas complicam para o candidato petista. Destarte, é preciso lembrar que pelo menos desde 2014 os evangélicos têm incorporado paulatinamente à tese antipetista ao discurso religioso, ao eleger o “petismo” e a “esquerda” como “inimigos do povo de Deus” e uma espécie de síntese de todos os problemas sociais da nação. E aqui se misturam de tudo: desde as denúncias de corrupção do mensalão à Operação Lava Jato até as teorias conspiratórias do “marxismo cultural” e “ideologia de gênero”. Enfim, todo esse bombardeio ideológico foi (e tem sido) fartamente utilizado pelas lideranças evangélicas a fim de impossibilitar qualquer aproximação entre o público evangélico e pautas de esquerda, limitando assim a atuação do PT nesse segmento.

Para além disso, é preciso observar que a estagnação de Lula entre os evangélicos é também resultado de uma certa resistência – para não dizer arrogância e falta de sensibilidade – de alguns setores progressistas em dialogar com esse público religioso. Baseando-se no argumento da laicidade do Estado, há quem acredite que a separação entre religião e política possa ser feita com a mesma pureza química que divide a água e o óleo.

E aqui está o grande equívoco de boa parte da esquerda brasileira: ao tentar isolar o ponto de vista religioso sobre a política, o que esses setores estão fazendo, na prática, é menosprezar um aspecto muito significativo da vida cotidiana desse eleitorado. Afinal, não nos esqueçamos de que a igreja evangélica tem crescido no país principalmente entre as periferias das grandes cidades brasileiras porque ela é um local estratégico de acolhimento das populações mais pobres. Isso porque a igreja não se resume apenas a um ambiente de culto, como também se estende a uma rede de apoio mútuo entre os irmãos, oferecendo ajudas em momentos de necessidade, além de ser um espaço importante de lazer, cultura e sociabilidade nas comunidades.

Se falta sensibilidade na esquerda para dialogar com essa parte do eleitorado, não falta esforço por parte da direita em tentar manter esse grupo unido. Prova disso é a força com que a tese de “guerra espiritual” ainda apresenta vigor nos círculos religiosos, como se o governo Bolsonaro fosse uma espécie de único defensor do cristianismo, enquanto os seus críticos e opositores seriam, na verdade, enviados (ou enganados pelo) maligno para destruir os pilares da civilização judaico-cristã. Ainda que essa teoria esteja perdendo gradualmente adeptos, se o campo progressista não disputar a narrativa religiosa acerca de quem seria o verdadeiro inimigo de Deus (e do povo), é muito provável que tenhamos em 2022 uma “terceira via” mais evangélica e antiesquerdista.

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Palavra de poeta

Viagem

Mia Couto

 

No caminho 
havia um rio. 
E o rio 
tinha da navalha 
o apurado fio. 
E cortou em dois o mundo. 
Chamei o peixe. 
E o peixe bebeu o rio. 

No céu 
havia nuvens. 
Eram nuvens velhas, cansadas. 
Chamei o pássaro. 
E o pássaro comeu o céu. 

Sobejou, 
sob os pés, a terra 
e a sua imensidão. 
Chamei o tempo. 
E o tempo comeu o chão. 

Sem terra, sem rio, sem céu, 
não me restou 
senão o vislumbrar 
de um sonho. 

E o sonho 
foi ave e peixe, 
foi tempo e foi céu. 
Depois, aos poucos, 
o sonho me devorou a vida. 

E, assim, 
em mim, 
nasceram todas as vidas. 

[Ilustração: Vincent Van Gogh]

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Sem trabalho

NO BRASIL, SÃO 12,9 MILHÕES DE DESEMPREGADOS E 38,2 MILHÕES DE TRABALHADORES INFORMAIS

Jornal GGN

O IBGE divulgou hoje, 28, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua. Pela pesquisa, a taxa de desemprego no trimestre móvel de agosto a outubro de 2021 caiu de 13,7% para 12,1%. Na comparação com mesmo trimestre móvel de 2020 a taxa apresentou recuo de 14,6% para 12,1%.

A população desocupada caiu 10,4% na comparação com trimestre anterior, de 14,4 milhões para 12,9 milhões de pessoas.

A força de trabalho, que inclui ocupados e desocupados, é de 106,9 milhões de pessoas, um aumento de 1,7%, ou 1,8 milhão de pessoas, em relação ao trimestre anterior (de maio a julho) e 7% (7 milhões de pessoas) comparado ao mesmo trimestre de 2020.

O rendimento real habitual, que é de R$ 2.449, caiu 4,6% comparado com trimestre anterior, que era de R$ 2.566, e teve queda de 11,1% em relação a igual trimestre de 2020, ou R$ 2.756.

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