31 dezembro 2016

Regressão, intolerância, desafio nacional

Xadrez do Hommer Simpson e do desmonte nacional
Luis Nassif, Jornal GGN
Nos últimos dias tive dois contatos marcantes. Um deles, com um autêntico representante da ultradireita delirante. Outro, com um representante típico do Homer Simpson.
Vamos por parte.
Fomos apresentados à direita delirante por um amigo gozador, que juntou os três casais em uma feijoada. O sujeito era oftalmologista, estudara nos Estados Unidos, em uma universidade da qual não me recordo o nome, mas, segundo ele,  muito mais afamada que Harvard, tinha sido convidado a trabalhar em um órgão do governo norte-americano, muito importante, e do qual não me recordo o nome, e cometeu outros feitos expressivos, dos quais não me recordo a relevância.
Ele se informa em sites de ultra-direita, não confia em nada do que sai na imprensa e acredita em tudo o que lhe dizem seus pares.
Quando elogiou minha origem libanesa, por ser uma raça pura, percebi que a conversa ia ser marcante. 
Ele é contra todas as raças impuras, diz que Donald Trump vai colocar as coisas nos eixos (sem jogo de palavras). Garantiu, sem pestanejar, que Michele Obama é transexual; que Barack Obama não é Barack Obama, mas um sujeito que se faz passar por Barack Obama. Trata os negros como macacos. E me passou a mais retumbante das revelações que, segundo ele, tem sido sonegada por toda a imprensa ocidental. Aliás, apostou comigo como não conseguiria publicar nem no meu blog a relevante informação de que não há mais peixes no Oceano Pacífico.E não adiantou argumentar que desastre desse tamanho não seria sonegado nem pelo Estadão, mesmo se fosse de responsabilidade do PSDB.
Pulemos para o simpático Homer Simpson, que me aborda no boteco de Poços.
Diz que os problemas no Brasil surgiram com o porto de Mariel, em Cuba. Levaram para lá todos nossos empregos e nossas divisas.
Tento explicar que a construção do porto envolve inúmeros materiais e equipamentos fabricados no Brasil, contratos com indústria mecânica, siderúrgica e muitas outras. Portanto, gerou muitos empregos no Brasil.
E ele: mas o dinheiro foi para fora.
Explico que não, que a obra será paga e os lucros reverterão para o Brasil, através da empresa construtora. 
E ele: não sei não. 
Pacientemente explico que se trata de exportação de serviço praticada por todas as nações, pela China, pelos Estados Unidos. Se não fosse bom, porque os grandes países disputariam mercado?
E ele, com a segurança de um procurador da Lava Jato: “Pode ser bom para a China e Estados Unidos, mas não para o Brasil”.
Aí desisto e, como no começo da conversa ele se apresentou como astrólogo amador, interrompo a conversa com minha saída favorita:
- Eu não ouso discutir astrologia com você.
Ele entendeu, se despediu e foi embora. Educadamente, saliento.
O fenômeno da desinformação
Nos dois casos, a conversa – embora surreal – foi em bases relativamente educadas. No caso do direitoso, um conteúdo de uma violência extrema, mas dito socialmente em uma “conversa de brancos”. No Hommer Simpson, um senhor simpático, boa gente mesmo.
Mas o novo normal é a grosseria, o sujeito tratar sua opinião como um bem de raiz, dedicando a ela o mesmo cuidado obsessivo com que cuida das suas posses, seja o carro velho ou a casa a beira-mar. E reagindo agressivamente contra qualquer tentativa de tirá-lo da comodidade das suas verdades estabelecidas.
Na convivência social, um dos primeiros fatores de contenção é o conjunto de regras sociais  consolidadas que impõe um padrão de sociabilidade do restaurante granfino, ao boteco de família, da missa ao estatuto da gafieira.
Cada ambiente tem seu conjunto de regras e seus limites. O machismo e a homofobia estão restritos a ambientes machistas, onde é de mau tom defender transexuais. Mas, se saíssem fora da jaula, seriam coibidos por olhares de reprovação. Nos botecos, as mesas separavam os grupos por afinidade de opinião. Mas não havia interferência nas conversas, mesmo por parte de quem ouvisse e reprovasse.
Nos ambientes públicos, não era de bom tom o preconceito, a intolerância. Uma pitada de esquerda social dava até status intelectual. E havia um respeito (muitas vezes excessivo) pelo conhecimento técnico.
Todas essas barreiras caíram. Hoje em dia, a norma é a grosseria, a opinião fechada, intransponível como a muralha chinesa, em torno do senso comum mais primário ou da piração mais louca, como comprovaram meus dois interlocutores.
Quais os fatores que levaram o mundo a essa balbúrdia?
Os fatores de confusão
Há um conjunto de fatores muito similar ao que conduziu o Ocidente de fins do século 19 até a 2a Guerra:
• Uma fase de grandes avanços científicos e tecnológicos que não resultaram em melhoria da condição de vida das populações, levando à descrença em relação ao pensamento científico, especialmente dos economistas.
• Um financismo desvairado impedindo a consolidação das economias periféricas.
• Dissolução de estados nacionais, guerras internas, promovendo gigantescos movimentos migratórios.
• Os imigrantes promovendo terremotos nas estruturas sociais estratificadas das nações hospedeiras, com novos valores, novas informações, novas maneiras de encarar a vida.
• O aparecimento de novos meios de comunicação, implodindo a ordem que repousava nos sistemas tradicionais de mídia.
• A falência dos sistemas tradicionais arcaicos de política.
A crise atual decorre de uma soma similar de fatores:
Fator 1 – a falência do conhecimento científico
A crise de 2008 não apenas matou a ilusão do neoliberalismo como fator de promoção de desenvolvimento e bem estar. Levou junto a respeitabilidade do conhecimento científico junto ao público leigo, da mesma maneira que o atual estado de exceção está desmoralizando o conhecimento jurídico.
A expansão do neoliberalismo, da ampla desregulação financeira, foi fundada na adesão acrítica e interessada de vastos setores da academia, especialmente dos economistas – conforme atestam documentários produzidos depois da crise nos Estados Unidos. Literalmente, o mercado comprou a opinião da Academia.
O padrão de atuação do mercado, de braços dados com a mídia, sempre foi a de construir reputações de seus vendedores. Alçados à condição de celebridades, ajudavam na venda de produtos ou de ideias de seus empregadores.
Nas discussões sobre a desregulação da economia, por exemplo, economistas medíocres, repetidores de slogans, eram alçados pela mídia à condição de grandes gurus da economia. Para o universo dos Hommers Simpsons, um Mailson valia mais que um Paul Krugman.
Do mesmo modo, no apogeu da Nasdaq (a bolsa das empresas de tecnologia) os bancos de investimento fabricavam gurus a torto e a direito, fornecendo palpites para a manada.
O auge foi quando a Goldman Sachs recomendou a compra de ações da Microsoft logo após a União Europeia tê-la condenado por práticas monopolistas. O ganho do investidor não está em investir no tamanho da empresa, mas em sua expectativa de crescimento. Aquele episódio, mais a estabilização do mercado de desktops, decretava o fim do crescimento exponencial histórico da empresa, registrado em um período de amplo domínio do Windows. 
Para manter o mesmo ritmo de crescimento, teria que competir com os japoneses em games, com a Oracle em bancos de dados, com as novíssimas redes sociais que surgiam.
Era apenas uma jogada do banco. Ao perceber que as ações da empresa não tinham mais atração, preparou o mercado para poder desovar seus estoques de ações a um bom preço. E os gurus fabricados pela mídia norte-americana ajudaram no jogo.
Para tudo isso serviam os gurus. E toda  essa catedral de papelão veio abaixo com a crise de 2008. Menos em países intelectualmente subdesenvolvidos, onde um economista pode virar gênio sem publicar um trabalho acadêmico que preste..
Fator 2 – a implosão das regras sociais
No início das redes sociais, perdi uma aposta para o neurologista Danielle de Riva. Eu acreditava que a Internet e as redes sociais permitiriam a construção coletiva do conhecimento, com a informação libertando. Cético, De Riva apostava que liberaria todas as taras, com a formação de grupos de doenças sociais variadas, de pedófilos a terroristas.
Ganhou.
As redes sociais aboliram as barreiras naturais dos ambientes sociais presenciais. Agora, o sujeito pode entrar em qualquer ambiente virtual sem ser apresentado, sem os constrangimentos naturais, as regras sociais consolidadas  nos contatos presenciais, dando vazão aos seus instintos mais primários. Liberou geral.
Mais que isso, o espírito animalesco passou a encontrar assemelhados e a se organizar em alcateias, compartilhando as piores intenções e os piores sentimentos. Saíram do armário, nus e peludos como os homens da caverna, despidos de todo o verniz social e todos os princípios civilizatórios acumulados em séculos de civilização.
Do virtual para a contaminação do presencial foi um pulo.
Fator 3 – a opinião leiga
Essas hordas partiram para a guerra armados de slogans primários, mas de alta eficiência.
No trabalho seminal de 1962, em que previu todos os passos do golpe, Wanderley Guilherme dos Santos analisou o discurso da direita, na época praticado por Carlos Lacerda. Apesar do primarismo da análise, ironizada pelos acadêmicos, Wanderley anotava sua enorme eficácia junto às massas leigas. As massas – à esquerda ou à direita – são sensibilizadas por frases simples, slogans falsos como são as verdades definitivas que cabem em uma frase.
Lembro, com 13 anos de idade, influenciado pelo meu avô udenista, enfrentando frei Josaphat, do jornal Brasil Urgente, em um debate em Poços de Caldas:
- Que governo é esse que impede a greve dos bagrinhos em Santos, em defesa da sua sindicalização?, bradei, com uma frase retirada diretamente da revista Ação Democrática.
E o frei, com a mesma impaciência que eu tive com o Hommer Simpsons:
- Meu anjinho, você é muito novo para entender dessas questões.
O slogan disseminado pela revista armava de um menino de 13 anos a um adulto para participar de um debate ideológico – mesmo não tendo o menor conhecimento sobre o contexto discutido.
Dia desses, um conhecido, cientista social, contava o que se passou nos seus encontros familiares. De repente parentes que nunca se pronunciavam, por seu escasso conhecimento de temas políticos, passaram a entrar vigorosamente na discussão com argumentos similares ao do meu amigo Hommer Simpson. Construiu-se um verdadeiro manual da idiotia, conferindo a cada Hommer um tacape para utilizar em qualquer discussão.
A utilização da pós-verdade
Nesse ambiente intelectualmente rarefeito, o discurso político da direita passou a visar o órgão mais sensível do Hommer Simpson: o fígado.
É o ambiente ideal para o uso do preconceito, a disseminação da vingança, as bandeiras moralistas, o atropelo de todo o avanço jurídico, retomando os princípios da Lei de Talião e do estado de exceção – sob a aprovação dos humanistas de butique, como o Ministro Luís Roberto Barroso e o jurista Oscar Vilhena, agora convertidos em arautos do direito penal do inimigo.
Quando esse desastre recai sobre nações institucionalmente pobres, em que os valores civilizatórios dependem de uma mídia venal, da erudição vazia e descompromissada de juristas, de um parlamento vergonhoso, de partidos políticos não-programáticos, dá no que deu.
Não se imagine que o fundo do poço está à vista. A fragilidade institucional brasileira, a mediocridade de suas elites pensantes – à direita e à esquerda -, a ausência mínima de noção de soberania, de interesse nacional, de solidariedade nacional, sugerem que o desmonte nacional pode não ter fundo.

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Engodo

Propaganda do governo esconde defeitos da reforma do ensino médio e se apóia em pesquisa cujo questionário é viciado e tendencioso. Leia mais http://twixar.me/1pC

30 dezembro 2016

Senha

A senha é a luta. É o assinala em editorial o portal Vermelho: “E que não esmoreceram nem se renderam, e apontam para 2017 um crescimento ainda maior da luta para recolocar o Brasil no rumo do desenvolvimento, geração do emprego, distribuição de renda, defesa da soberania nacional. Se o ano que finda foi marcado pela derrota, o ano que se inicia será o da intensificação da luta e da conquista da vitória do povo e da democracia.” Leia mais http://zip.net/brtBBq  

A palavra de Bomfim

Em artigo no portal Vermelho, Eduardo Bomfim situação a crise brasileira no contexto mundial. Ele afirma: “Sem uma unidade social em torno do rumo nacional, imerso em grave crise econômica interna, mergulhado em uma séria anomia institucional, o Brasil chafurda em uma das mais graves crises da sua História enquanto nação independente e soberana.” Uma leitura oportuna: http://zip.net/bjtBsG

Superação necessária

Laerte/CartaCapital
O ano que precisa terminar
Luciano Siqueira, no Blog de Jamildo/portal ne10

Esse capricho de calendário - como diz o poeta Drummond - que nos faz celebrar o advento de um Ano Novo de doze em doze meses é sempre um misto de saudade e otimismo, frustração e esperança. 

Depende das vivências e do olhar de cada um - ou da experiência coletiva do povo.

Em termos coletivos, no transcurso de nossa História, tivemos passagens de ano marcadas pela frustração e pela tristeza, somadas a um horizonte sombrio - como no período recente da ditadura militar.

Ou marcadas por um duplo sentimento de saudade do ano que passou e de novas expectativas alvissareiras, durante os doze anos de continuado crescimento econômico e de inserção social nos governos Lula e Dilma.

Depois, com a má condução da economia e repetidos erros políticos e, por fim, às incertezas e derrocada do segundo governo Dilma, uma passagem de ano matizada pela angústia.

Hoje, pós-impeachment e sob o governo ilegítimo e desvairado de Temer, o que toca ao espírito dos brasileiros e brasileiras é a exasperante vontade de que 2016 se encerre, de fato e plenamente, à meia noite de 31 de dezembro.

Um ano horroroso para os que perderam a batalha da democracia e amargaram o golpe parlamentar-judiciário-midiático. Para os que têm plena consciência disso e os que começam a ter consciência agora; e para os que foram às ruas defender o impeachment iludidos com as promessas dos golpistas, que agora percebem não estão sendo nem serão cumpridas.

O Brasil encerra 2016 num ambiente de frustração geral. E não vislumbra ainda um horizonte de superação da crise multifacetada - econômica, financeira, política, institucional e, sobretudo, de credibilidade.

Analistas de variadas tendências convergem na afirmação patética de que 2016 prosseguirá engolindo 2017, com tudo de negativo e frustrante que acumula. 

Será? Sim, se nada de novo acontecer - sobretudo uma solução política para a crise.

Ou teremos sim, para além do capricho de calendário a que se  refere o poeta, um novo tempo de superação das dificuldades e mazelas - se um amplo movimento de restauração da democracia via eleições presidenciais diretas vingar, associado à definição de novos rumos para o país.
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29 dezembro 2016

Boa noite, poeta!


Reveillon sombrio

PESSIMISMO E ESPERANÇA 
Luciano Siqueira, no Blog da Folha, Blog do Renato e portal Vermelho
É da nossa tradição, as palavras fluem automaticamente: desejamos uns aos outros um Ano Novo rico em realizações e desejos alcançados. Mas este ano há um complemento indefectível: "Se for possível, né?"
O nó está precisamente nesse complemento, que traduz insegurança e pessimismo.
A imprevisibilidade que marca o cenário político turbinado pela crise econômica e institucional se reflete no ambiente familiar e no estado de ânimo individual: ninguém se sente seguro de nada.
As promessas de retomada do crescimento econômico e da oferta de novos postos de trabalho e de "reunificação" da nação - ponto de destaque na cantilena pró-impeachment - se revelam vãs.
O "pacotinho" de fim de ano, arranjado às pressas para estimular o consumo e amainar o marasmo da economia dá mostras do que é: uma manobra inconsequente. Nada que mude a trilha recessiva.
O presidente se consolida no podium dos governantes mais rejeitados da atualidade.
A base de sustentação social e parlamentar do governo sofre fissuras crescentes.
Da parte oposta, a resistência democrática e a luta contra a perda de direitos ainda tem muito pouco a celebrar, salvo a sua ampliação paulatina, tanto no âmbito dos movimentos sociais como na esfera parlamentar e institucional. Mas ainda sem um norte claro e sem unidade.
Num país posto à beira do caos, carente de atores e mecanismos aptos à promoção de uma saída negociada para a superação do "racha" entre os chamados Três Poderes da República, todos se veem à mercê de uma casta situada no Ministério Público Federal em associação com parte do Judiciário e da Polícia Federal e o respaldo da mídia hegemônica.
Essa casta, que protagoniza o que se vdm chamando de República de Curitiba, com falsa aparência de neutralidade e do combate à corrupção, não apenas desrespeita normas constitucionais e subverte regras processuais, como se presta a um conluio com interesses externos, mediados pelo sistema financeiro.
Desenhada assim a situação, em traços breves, porém dramáticos, mais do que compreensível se faz o pessimismo reinante na sociedade.
Desculpem meus provavelmente poucos leitores dessas linhas aqui publicadas semanalmente, esse modesto escriba também deseja a todos um Ano Novo rico em êxitos, mas os sabe condicionados a muita luta - fator determinante da esperança de dias melhores

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Novo romance de Urariano Mota

Sonhos do passado e do presente 
Portal Vermelho
A luta dos adolescentes e jovens adultos por um mundo melhor e mais justo - e os traumas que podem ocorrer a partir dessa ousadia - são o pano de fundo abordado pelo jornalista e escritor Urariano Mota em seu novo livro, A longa duração da juventude.  
A obra, à venda no site Amazon, é um retorno a memórias do pós-ditadura, mas, ao mesmo tempo, traz uma ponte para o futuro ao relacionar a militância de esquerda dos anos 1960 ao protesto dos estudantes brasileiros na atualidade. “Tenho que contar essa história, senão isso vai ficar perdido. Certas coisas não vão ser ditas se você não falar”, afirma Urariano, colaborador frequente da seção de Opinião do Diario.
O autor dos romances Os corações futuristas, Soledad no Recife e O filho renegado de Deus, além de Dicionário amoroso do Recife, pontua que o romance, segundo ele o mais ambicioso de sua trajetória, foi detonado a partir da morte de um amigo querido, o jornalista e ex-militante comunista Marco Albertim. “A primeira coisa a destacar é a seguinte: eu não procurei escrever somente sobre a ditadura. Quando eu estava indo visitar pensões onde morei, vi uma passeata de adolescentes protestando com bandeiras por uma educação melhor. Foi quando me ocorreu o fato de que havia uma duração mais longa da juventude. Quem esteve na clandestinidade e foi ao limite da entrega da propria vida está nesses jovens das ocupações de escolas e universidades”.
A partir desta sensação de eterno retorno, Urariano traz uma apropriação e reflexão muito pessoal sobre passagens vividas por quem ainda começava a vida na época da ditadura, assim como ele. “A trama do romance, escrito em primeira pessoa, começa a partir de um personagem que encontra o narrador, de posse de um LP de Ella Fitzgerald, em frente ao Cinema São Luiz. A militância desses jovens do pós-1964, assim como a vida sexual e afetiva deles, são abordadas no livro. Ao longo da obra, ele procura retomar essas vidas, vai de novo aos abrigos onde morou e percebe uma relação com os jovens de hoje”. Personagens presentes em outros títulos, como a paraguaia Soledad Barrett, voltam a ser citados com novos fatos de sua vida. A filha única dela, Ñaisandy Barrett, também entra no romance como personagem”.
A intensidade dessas experiências que borram e transbordam os limites entre ficção e memória são, segundo Urariano, motor para sua criação. O impacto da história de Soledad Barrett, por exemplo, morta enquanto estava grávida pelo próprio marido, o Cabo Anselmo, é um dos exemplos. “Achava necessário tirar um trauma de juventude. Quando se escreve um romance, ele é um fruto de sua experiência de vida. No momento da narração, descubro verdades desconhecidas para mim. O escritor irlandês Bernard Shaw dizia assim: ‘a melhor forma de mentir é contar a verdade’. Não percebemos o quanto a vida é curta, mas ela é uma coisa muito séria. Não podemos apenas brincar de viver”. 
Trecho 
I wonder why. Eu não sei por quê, não entendo qualquer motivo ou razão, inclusive a mais absurda, eu não sei por que acabo de comprar um disco de Ella Fitzgerald, o long-play Ella, de 1969. Eu não tenho nem mesmo um toca-discos para ouvi-la. Mas que felicidade dá nos lábios, feito um menino com um chocolate que não poderá comer, mas ainda assim feliz pelo cheiro e textura do chocolate. É inexplicável que eu esteja feliz quando encontro Luiz do Carmo em frente ao Cine São Luiz, que ao me ver exibindo a capa de Ella, pergunta:
- Você tem vitrola para ouvir o disco?
- Eu não tenho, mas quando tiver uma, já tenho Ella Fitzgerald.
Na hora, estamos com 19 anos, não temos ainda a maturidade da expressão verbal para o sentimento, apenas possuímos uma timidez que atrapalha até o pensamento em silêncio. O que não disse ali é isto: quero ter Ella comigo, acariciar a sua capa (que pobreza, meu Deus, dói até a lembrança neste instante). Quero antegozar a sua voz, a doçura que apenas ouvi por segundos e me derrubou num encanto, lá na Aky Discos. Quero prelibar a sua canção, encontrando-a junto a meu peito. Por quê, I wonder why? Porque, uma simplificação diria, quando o detalhe material do toca-discos chegar, eu já estarei com o disco ideal para o suporte da mercadoria. Ou num paradoxo, se o toca-discos é inacessível, eu tenho o disco de Ella, que não posso ouvir. Mas imaginá-lo, posso. Então acaricio feliz o potencial do que virá, ou viria, ou nunca, que importa, tenho Ella com a mesma certeza do apostador que vai à loja de roupas antes comprar um bilhete na loteria.
Fonte: Diário de Pernambuco 

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25 dezembro 2016

Um nó da geopolítica mundial

O conflito na Síria e a Segunda Guerra Fria
O desfecho do conflito sírio, que envolve EUA, China e Rússia, será importante para definir o que virá pela frente no século 21.
Ricardo Abreu Alemão, no portal Vermelho
Com o recente avanço das forças militares sírias e seus aliados na batalha contra o Estado Islâmico e outros grupos fundamentalistas e mercenários em Alepo, surge uma forte tendência de vitória do atual governo sírio e de seus aliados nesse prolongado conflito que envolve interesses dos EUA e das potências europeias, de um lado, e mais diretamente interesses da Rússia e do Irã, mas também da China, de outro.

Depois do início das revoltas árabes, em 2011, segundo Luiz Alberto Moniz Bandeira, em seu livro A Segunda Guerra Fria: Geopolítica e Dimensão Estratégica dos Estados Unidos – das rebeliões da Eurásia à África do Norte e ao Oriente Médio, o motivo principal da intervenção dos Estados Unidos da América (EUA) e das potências europeias no Oriente Médio e na região do Magreb seria o controle do Mar Mediterrâneo e a contenção e isolamento do Irã, além de evitar a presença da Rússia, e ainda da China, nessa região.

Diferente do caso da agressão militar à Líbia, quando a Rússia e a China se abstiveram e não utilizaram o seu direito de veto no Conselho de Segurança da ONU, e assim não tensionaram o equilíbrio de poder, desta feita no caso da Síria, os dois países tiveram outra posição.

Moniz Bandeira, o maior analista de relações internacionais brasileiro da atualidade, descreve e analisa o que se passou na preparação da agressão multinacional à Síria, que se deu paralelamente ao incitamento de conflitos internos no país árabe.

Os EUA e potências ocidentais como a França e a Inglaterra, aliados a outros países da região, se empenham, desde os preparativos feitos para o conflito, para derrubar o governo do presidente Bashar al-Assad.

O papel específico do Catar e da Arábia Saudita consiste no financiamento e na mobilização de mercenários, além do abastecimento de armas para que esses grupos, como o Estado Islâmico, lutem contra as forças armadas e contra o regime sírio.

Uma intensa campanha de mídia e de guerra psicológica, como a realizada contra o governo de Kadafi na Líbia, foi feita para influenciar a opinião pública, na Síria e no mundo, contra o governo de Bashar al-Assad, e para criar um ambiente para a aprovação, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, de uma resolução que permitisse aos Estados Unidos, à Grã-Bretanha e à França usarem a Otan para bombardear a Síria, como fizeram na Líbia.

No entanto, o plano esbarrou na posição da Rússia e da China. Moniz Bandeira relata que as propostas de resolução contra a Síria, apresentadas pelas potências ocidentais em 4 de outubro de 2011, e em 4 de fevereiro de 2012 no Conselho de Segurança da ONU, foram vetadas pela Rússia e pela China, que, com esses vetos deixaram claro que não abririam mão de sua presença na região, nem facilitariam os planos dos EUA e das potências europeias de alterar o equilíbrio regional de forças e de dominar completamente o Mar Mediterrâneo.

Meses depois, durante o ano de 2013, a Rússia foi além, realizou movimentos diplomáticos e militares, e não permitiu que a Otan bombardeasse a Síria com mísseis Tomahawk, a partir de navios localizados no Mediterrâneo, e o chanceler russo Sergey Lavrov liderou uma saída diplomática.

O conflito na Síria, porém, continuou.

A tentativa de contenção da Rússia, que vem recuperando parte da autonomia nacional e regional que tinha no período da União Soviética, fica muito evidente no conflito que envolve a Síria.

A Rússia, desde o período soviético, tem duas bases navais na Síria, em Tartus e Latakia. Moniz Bandeira sustenta que os EUA nunca aceitaram a presença militar da União Soviética, e depois da Rússia, no Mediterrâneo, por isso seu intento de derrubar o governo de Bashar al-Asssad, e depois pressionar o eventual novo governo para que as bases navais russas na Síria desapareçam.

A China tinha investimentos em petróleo na Líbia, e ampliava a cooperação econômica com o país de posição privilegiada no Mediterrâneo. Com as agressões à Líbia e à Síria, também são objetivos dos EUA e seus aliados da Otan a contenção da China e do Irã nas regiões do Oriente Médio e norte da África. O Irã, desde o início se aliou ao governo sírio e se envolveu militarmente no conflito.

Por isso tudo, para Moniz Bandeira, o conflito na Síria é na verdade uma guerra pelo controle do Mar Mediterrâneo, que é uma região de grande relevância geopolítica e geoestratégica, e essa guerra faz parte de um conflito maior, mas não declarado, que ele denomina a Segunda Guerra Fria.

Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, em discurso na ONU, dia 27 de setembro de 2014, criticou duramente os EUA ressaltando que “Washington declarou abertamente seu direito ao uso unilateral de força militar onde bem entenda, para fazer avançar seus próprios interesses”, citando as agressões militares no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria, entre outras.

No conflito da Síria os interesses da Rússia, da China do Irã convergiram, e ao mesmo tempo conflitaram com os dos EUA. Não parece que China, Rússia e Irã, com esses movimentos conjuntos e alianças entre eles, deliberadamente querem confrontar-se com os EUA ou desafiar a supremacia do chamado Ocidente.

Pelo contrário, evitam isso ao máximo, mas não deixam de defender seus interesses nacionais e estratégicos, dentro dos princípios da Carta da ONU. Isso já é demais e inaceitável para os EUA e as potências ocidentais.

A aliança, que se verifica no caso do conflito na Síria, entre Rússia, China e Irã, para defender os interesses comuns desses países frente aos EUA e as potências europeias, é de fato estratégica e duradoura?

Segundo Joseph Nye, em seu livro Compreender os Conflitos Internacionais: uma introdução à Teoria e à História, em sistemas internacionais “multipolares ou de poder disperso”, as alianças entre os estados são mais flexíveis, e as chances de guerra são menores que em sistemas internacionais bipolares e mais rígidos.

Em sistemas de bipolaridade, são maiores as chances de um conflito mais alargado ou mesmo em escala global. As futuras relações entre os EUA, China, Rússia e Irã – o seu grau de flexibilidade ou de enrijecimento, e se prevalecerá a cooperação ou o conflito entre esses países –, dirão muito sobre a ordem mundial futura.

Na verdade, são os EUA que retomam, para buscar defender a sua hegemonia mundial e tentar relançar o seu status de única superpotência global, elementos de sua estratégia imperialista utilizada durante a Guerra Fria contra a União Soviética e seus aliados de então.

Resta saber como se comportarão agora os EUA em sua política externa a partir de janeiro de 2017, com a posse do novo governo de Donald Trump.
 

O desfecho do conflito na Síria será importante para definir o que virá pela frente neste século 21.

*Ricardo Alemão Abreu é Mestre pelo PROLAM/USP, diretor do Instituto de Estudos Contemporâneos e Cooperação Internacional (IECInt) e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

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Bom dia!


Perversa desigualdade

Você idéia da injustiça tributária Brasil?

Veja 7 evidências de injustiça tributária apontadas no Estudo do INESC com dados da Receita Federal
Jornalistas livres, Cesar Locatell
A Receita Federal iniciou a publicação de dados consolidados das declarações de imposto renda dos brasileiros. Com base nesses dados o INESC – Instituto de Estudos Socioeconômicos, através do professor da Universidade de Brasília, Evilásio Salvador, acaba de lançar o estudo Perfil da Desigualdade e da Injustiça Tributária com Base nos Declarantes do Imposto de Renda no Brasil 2007 – 2013. É dele que extraímos as informações que seguem.
1 A maior alíquota para a trabalhador é 27,5%, para aplicações financeiras é 22,5%
A tributação dos salários obedece às quatro alíquotas (7,5%; 15%; 22,5% e 27,5%). A maior alíquota da renda da terra 20% e dos rendimentos de aplicações financeiras é 22,5%. Por que o teto é maior para renda do trabalho? Além disso, se a aplicação financeira tiver prazo superior a dois anos, a alíquota cai para 15%.
“Essa situação vigente no país evidencia uma maior tributação sobre as rendas derivadas do trabalho no capitalismo brasileiro do século XXI. Isso ocorre porque a legislação atual não submete à tabela progressiva do IR os rendimentos de capital e de outras rendas da economia, que são tributados com alíquotas inferiores às do Imposto de Renda incidente sobre a renda do trabalho.”
Veja se você acha justo?
Um investidor que tem um rendimento de R$ 10 mil, R$ 100 mil ou R$ 1 milhão, em uma aplicação financeira de prazo superior a dois anos, tem que pagar um imposto sobre o rendimento de 15%. Quem ganha R$ 3 mil por mês de salário tem de pagar os mesmos 15% de imposto de renda sobre os salários.
2 O Imposto sobre Grandes Fortunas, criado na Constituição de 1988, ainda não foi regulamentado
26,5 milhões de pessoas apresentaram declaração de rendimentos à Receita Federal em 2013. Dentre eles, havia 727 mil pessoas com rendas acima de 40 salários-mínimos. Em valore de hoje, isso equivale a dizer que menos de 3% das pessoas que entregaram a declaração tinham renda superior a R$ 35.200. Esse grupo, porém, é dono de mais de 40% do patrimônio dos brasileiros. Essas grandes fortunas não pagam impostos, pois até hoje não foi regulamentado o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), de competência da União e estabelecido na Constituição Federal de 1988.
Você acha justo?
Somando as fortunas dos brasileiros mais ricos, menos de 3% dos que entregaram declarações à Receita em 2013, chegamos a R$ 2,4 trilhões de reais. Desde 1988, existe a lei para cobrar impostos sobre esses mais de 2 trilhões de reais, mas a cobrança nunca foi feita. Os deputados e senadores ainda não votaram a regulamentação do Imposto sabre Grandes Fortunas.
3 De cada 100 reais, recebidos pelos mais ricos, 66 reais não pagam impostos
Se selecionarmos as pessoas com rendimento acima de 160 salários-mínimos mensais, em valores de hoje R$ 140 mil por mês, veremos que 65,8% de seus rendimentos não sofrem nenhuma tributação, são isentos de impostos.
Se escolhermos, por outro lado, aqueles na faixa de 3 a 5 salários-mínimos, entre R$ 2.640 e R$ 4.400 mensais, veremos que pagam imposto sobre 86% de suas rendas e, apenas 13,8% são isentos de impostos.
Você acha justo?
De cada 100 reais que um trabalhador ganha, ele paga impostos sobre 86 reais, se ele tiver renda entre 3 e 5 salários-mínimos. Se ele estivesse entre os mais ricos, acima de 160 salários-mínimos por mês, ele pagaria impostos sobre 34 reais e, os outros 66 reais estariam isentos.
4 Os latifúndios praticamente não pagam impostos
“O Brasil, apesar de ser um país com forte presença de latifúndios, cobra um imposto irrisório sobre as propriedades rurais. Os dados da Receita Federal revelam que o Imposto Territorial Rural (ITR) teve uma arrecadação de 0,01% do PIB em 2014.”
Você acha justo?
Em 2014, a arrecadação com a propriedade de automóveis, IPVA, foi superior a 32 bilhões de reais. A arrecadação com a propriedade territorial urbana, IPTU foi de R$ 28 bilhões. E a arrecadação sobre a propriedade rural, ITR, incluindo todos os latifúndios foi de 900 milhões de reais, no mesmo ano.
5 A tabela progressiva do imposto de renda vale para salários, mas não vale para dividendos
Com o discurso de “modernizar” o sistema tributário brasileiro, em 1995, sob Fernando Henrique Cardoso, foi aprovada a lei que concedeu isenção de tributos a lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas.
O estudo do INESC chama atenção para:
“a isenção de Imposto de Renda à distribuição de lucros a pessoas físicas, ocorrida a partir da Lei n° 9.294/95, art. 10o, que eliminou o Imposto de Renda Retido na Fonte sobre os lucros e dividendos distribuídos para os resultados apurados a partir de 1o/01/96, seja o sócio capitalista residente no país ou no exterior”.
Você acha justo?
O funcionário de uma empresa paga imposto de renda com alíquotas entre 7,5% e 27,5%, dependendo do valor da sua renda. O dono dessa mesma empresa recebe dividendos e é isento de impostos, qualquer que seja o valor recebifo, mesmo muito alto.
6 A concentração em impostos indiretos aumenta a concentração de renda
Em 2014, a receita tributária total foi de R$ 1,8 trilhão. Mais da metade, R$ 943 bilhões teve origem em impostos indiretos. Impostos indiretos não identificam se quem paga tem mais ou menos capacidade de pagar. Por exemplo, impostos sobre a conta de luz são impostos indiretos, sua cobrança não diferencia ricos ou pobres. Esses impostos são chamados regressivos, pois implicam regressão, retrocesso na justiça tributária.
“… o nosso sistema tributário está concentrado em tributos regressivos e indiretos e que oneram mais os trabalhadores e os pobres, uma vez que mais da metade da arrecadação provém de tributos que incidem sobre bens e serviços, havendo baixa tributação sobre a renda e o patrimônio. Nos países socialmente mais desenvolvidos, a tributação sobre o patrimônio e a renda corresponde a cerca de 2/3 da arrecadação dos tributos, conforme dados da OCDE.”
Você acha justo?
Mais da metade dos impostos arrecadados no Brasil vêm de bens e serviços, são impostos indiretos, que são embutidos nos preços que pagamos. Dessa forma, mais de metade da arredação não diferencia pobres e ricos. A tributação sobre o patrimônio e lucros, que traria justiça tributária por obrigar a pagar mais quem ganha mais, é baixa ou inexistente no Brasil.
7 A tributação no Brasil aumenta a escandalosa concentração de riqueza.
Os Grandes Números da Receita Federal confirmam a profunda desigualdade de renda no Brasil. Além disso, demonstram que os tributos, que deveriam atuar na direção de reduzir as desigualdades, agravam as disparidades entre os brasileiros.
“Os dados da Receita Federal são fartos para revelar uma casta de privilegiados no país, com elevados rendimentos e riquezas que não são tributados adequadamente e, muitas vezes, sequer sofrem qualquer incidência de imposto de renda. Há uma elevada concentração de renda, a partir dos rendimentos nas declarações do IR.”
Imagine que 2,74% das pessoas, que entregaram suas declarações de renda à Receita em 2013, receberam 30% de toda a renda. Dito de outro modo, 30% da renda é dívida entre cerca de 700 mil pessoas e o resto, 70% da renda, é dividida entre mais de 25 milhões de pessoas.
“É escandalosa a concentração de riqueza no Brasil. Os dados da Receita Federal revelam a gravidade da questão a ser enfrentada, pois do montante de R$ 5,8 trilhões de patrimônio informados ao Fisco (não se considera aqui a sonegação), em 2013, 41,56% eram de propriedade de apenas 726.725 pessoas, com rendimentos acima de 40 salários-mínimos. Isto é, 0,36% da população brasileira detém um patrimônio equivalente a 45,54% do PIB do Brasil e com baixíssima tributação.”
Você acha justo?
O Brasil é desigual na distribuição de renda e na concentração de patrimônio. Não seria diferente cobrança de tributos. Embora, a elite econômica do país, Fiesp à frente, tenha tentado e conseguido mudar o foco da discussão.

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23 dezembro 2016

Dias duros virão

Agenda pesada
Eduardo Bomfim, no seu blog

Muitos têm falado que 2016 continuará ainda por um bom tempo e deverá ocupar a agenda dos próximos anos.

De fato é uma possibilidade plausível tendo em conta que os fenômenos gerais que incidem hegemonicamente sobre o País têm origens, razões, objetivos determinados, partindo de interesses em escala global, gerando vários outros acontecimentos como danos colaterais.

Nunca é demais repetir que a nação sofre os impactos da mais dramática crise capitalista global desde o crash de 1929. E em consequência há graves rachaduras nas estruturas da Nova Ordem mundial, gerando desdobramentos diferenciados pelos continentes.

A interpretação desses fatos não tem sido fácil para nós simples mortais, submetidos há anos e diariamente a um inédito, na História, processo de uniformização da informação e interpretações dos fatos, o famoso “para entender” isso ou aquilo, que nos são jogados na cara diariamente, com o objetivo de sustar qualquer consciência crítica das suas origens, seus desdobramentos.

A alienação da realidade objetiva cabe à grande mídia-empresa global, associada ao Mercado financeiro mundial, instrumento imprescindível ao exercício de um processo de dominação das sociedades, dos povos, inigualável na História contemporânea, onde a mídia hegemônica já não mais informa, mesmo a informação parcial ou de grupos. Ela dita qual é a realidade conveniente ao capital rentista, à Nova Ordem mundial.

Se questionarmos a quem interessa o exercício desse inédito, em termos Históricos, processo de constituição da ditadura do pensamento único, é certa a resposta pela constatação de que hoje 99% da riqueza global encontra-se nas mãos de 1% dos habitantes do planeta, segundo a insuspeita ONG britânica Oxfam, com base em dados do banco Crédit Suisse.

Quanto ao Brasil o golpe fatiado em curso está associado a esse cenário global com vistas: à entrega do pré-sal às multinacionais, privatização das estatais, a reforma da previdência, abertura do mercado da construção civil a empresas internacionais do ramo, prioridade ao pagamento dos juros da dívida pública, desindustrialização interna, fim dos programas nuclear e espacial brasileiros, afastamento do Brasil em relação aos Brics etc.

Portanto, será renhida a luta em defesa da democracia, dos direitos sociais, da soberania nacional.
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22 dezembro 2016

Amplitude necessária

O conteúdo determinará a forma
Luciano Siqueira, no portal Vermelho e no Blog do Renato
Nem sempre a cena política se desenrola conforme planejado. Fatores objetivos determinam mudanças no rumo dos acontecimentos, à revelia da vontade subjetiva dos eventuais principais atores.
Karl Marx menciona isso no 18 Brumário de Luís Bonaparte.
Nossa presidenta do PCdoB, deputada Luciana Santos, tem se referido ao elevado grau de imprevisibilidade na conjuntura política atual do Brasil.
O fato é que o roteiro traçado pelas forças que conduziram o impeachment da presidenta Dilma encontra enorme dificuldade de se concretizar. As entregas prometidas não estão sendo feitas e provavelmente não serão.
Nem a estabilidade política, nem a retomada do crescimento econômico e muito menos a prometida "reunificação" da nação.
A votação do projeto de lei de iniciativa do Executivo que refaz a programação das dívidas dos estados para com a União, anteontem, na Câmara dos Deputados, pode ser um sinal emblemático. A derrota do governo chama a atenção. A aparentemente sólida base parlamentar de Temer — uma mescla do tucanato e seus aliados neoliberais mais próximos com o chamado “centrão” de natureza eminentemente fisiológica — tudo indica sofre fissuras.
Aqui acolá surgem desavenças esplícitas entre o PSDB e o núcleo peemedebista que governa com Temer.
O “mercado” mostra-se impaciente. Seu menino de ouro, o ministro Meirelles, a todo instante é alvo de “solidariedade”. Ontem, na Rádio Jornal do Commercio do Recife, o ex-militante de esquerda senador Cristovam Buarque manifestou apreensão quanto à possibilidade da substituição do ministro da Fazenda. Para ele, caindo Meirelles a situação se complicaria mais ainda.
Enquanto isso, a insatisfação da população em relação ao governo se amplia rapidamente. As pesquisas mais recentes revelam isso.
Os números da Datafolha são contundentes: 58% o consideram Temer desonesto; 75% o vêem comprometido com os interesses dos ricos e apenas 7% o acham preocupado com os pobres. Para 63% ele deve renunciar já.
Na última rodada Vox Populi, a aprovação de Temer despenca para 8% e o situa como o pior presidente da História.
A oposição manifesta-se em várias instâncias – no parlamento e nas ruas – ainda sem um norte comum, porém em intensidade crescente.
Nesse cenário, 2017 deve se iniciar sob temperatura elevada.
Quem se alinhará com quem? A pergunta eu a escuto com frequência, de militantes e de muita gente via redes sociais. “Não podem ser os mesmos aliados que traíram Dilma”, dizem alguns.
Depende. Para que possamos avançar, quem sabe conquistando a realização de eleições diretas antes mesmo de 2018, o conteúdo da plataforma – democracia, soberania, produção e emprego - que venhamos a construir é que ditará o desenho das alianças. E determinará a feição de uma frente ampla. A esquerda sozinha não avança. Impõe-se atrair forças ao centro. Quais?
Ora, esquerda, direita e centro – digamos assim, de modo simplificado -, refletem interesses de classe e de segmentos de classe reais existentes na sociedade. Individualmente, pode ser que muitos atores já não venham a marchar com a oposição. Mas surgirão novos representantes do sentimento de insatisfação da população.
Esta será uma variável significativa no evolver da situação após o réveillon. Preparemo-nos.
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