11 março 2024

Umberto Eco

O eco da ausência de Umberto

A erudição de Umberto Eco não afastava seus leitores, muito pelo contrário, o autor mantinha uma linguagem que aproximava o público. Conheça um pouco sobre a obra e a história do autor italiano
Railson Barboza/Le Monde Diplomatique



No dia 19 de fevereiro de 2016, há quase oito anos, falecia uma das personalidades mais aclamadas academicamente, tanto por seus trabalhos literários, filosóficos e linguísticos quanto pelas contribuições na semiologia, na arte e na política. Umberto Eco, nascido em Alexandria, no ano de 1932, viveu seus primeiros anos no contexto político italiano sob rédea do fascismo. Aos 10 anos de idade, lembra o autor em seu ensaio intitulado Il fascismo eterno, venceu o concurso com livre participação obrigatória para jovens fascistas italianos – que na prática seria para todos os jovens italianos – chamado Ludi Juveniles, com o tema: “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?”. Desde cedo, o jovem Umberto demonstrou aptidão e gosto pela produção textual e literária. Neto de um editor da pequena burguesia local, contou que começou a escrever nessa idade histórias que ele mesmo editava.  

Sob orientação do filósofo italiano Luigi Pareyson, por quem foi diretamente influenciado nos campos da estética e da religião, iniciou seu percurso acadêmico dedicando-se ao estudo da estética medieval, em especial às obras do filósofo Tomás de Aquino. Até 1959, trabalhou nos programas culturais da RAI e na editora Bompiani. De 1971 até 2008, foi professor de Semiótica na Universidade de Bolonha. Ele também deu várias palestras em universidades nos Estados Unidos e no Collège de France, além de colaborar com diversos jornais e revistas, tanto italianos quanto estrangeiros. Na Itália, foi um dos primeiros a estudar os mecanismos da arte contemporânea e da cultura de massa, em obras fundamentais como Opera aperta (1962), Apocalittici e integrati (1964), Il superuomo di massa (1977).  

As crônicas de Umberto Eco, de modo geral, apresentavam um olhar plural sobre a sociedade contemporânea, como fora observado nas colunas quinzenais que manteve no semanário L’Espresso, iniciado em março de 1985. Nelas, o autor apresenta reflexões sobre os diversos problemas da contemporaneidade, repletos de ironia e sarcasmo. A erudição de Umberto Eco não afastava seus leitores, muito pelo contrário, o autor mantinha uma linguagem que aproximava o público, além das suas crônicas encarnarem impressões que uniam sua vertiginosa atividade intelectual com o equilíbrio no modo de expressar o conteúdo. Assim, o autor despertava no público a curiosidade, não a indiferença. Nas palavras de Daniel Schiffer, “esse conhecimento enciclopédico que Umberto Eco demonstra em cada página de suas obras é o espelho livresco onde aparecem e se refletem sem descanso os mistérios do mundo”. 

Em 1980 o autor alexandrino ganhou notoriedade e reconhecimento mundial na literatura ao escrever o romance Il nome della Rosa, ambientado na Idade Média, que combina uma história de detetive com questões filosóficas, políticas e religiosas. O sucesso foi enorme, ao ponto de ganhar uma adaptação cinematográfica com direção de Jean-Jacques Annaud. O título da obra faz menção a um fato curioso: na Idade Média, a expressão “o nome da rosa” era usada para definir o infinito poder das palavras. Da mesma forma, Eco propõe uma liberdade interpretativa ao leitor, possibilitando inúmeros pontos de vista e enriquecendo a própria obra literária. 

Posteriormente, Eco publica duas obras de ficção de sucesso: Il Pendolo di Foucault, em 1988, história de uma conspiração e disputa filosófica sobre a natureza da realidade e da verdade, e L’isola del giorno prima, em 1994, história ambientada em 1643 de um jovem alexandrino (como o próprio Eco), que naufraga no Oceano Pacífico.  

Um fato singular dito por Umberto, em entrevista realizada em sua casa ao DN em 19 de dezembro de 2015, expôs algumas questões pessoais no que diz respeito aos limites das informações trazidas na obra ficcional. Para o autor, há um risco evidente no excesso de informações históricas contidas no texto, que tenham como pano de fundo um enredo de suspense. Isso pode gerar, tendo como exemplo as obras do autor inglês Dan Brown, uma confusão sem precedentes, envolto em tons conspiratórios que transmutam a ficção em realidade.  

O próprio Eco, em entrevista, se atenta ao fato e critica, traçando um comparativo entre seu “Pêndulo de Foucault” e a obra mais famosa de Dan Brown, “O Código da Vinci”. “Sem dúvida, e até posso dar como exemplo o ‘Código da Vinci’, cujo autor eu sempre disse que foi inventado por mim. Dan Brown é mais uma personagem do meu romance ‘O Pêndulo de Foucault’ do que alguém com uma existência de verdade. Ele teve um sucesso extraordinário, quase cósmico, mesmo que o que conta seja evidentemente falso. Dan Brown comprou os mesmos livros que eu para as investigações de O Pêndulo, só que eu fiz uma representação grotesca enquanto ele convenceu os leitores de que tudo o que escreveu era verdadeiro”.  

A grande diferença de Dan Brown para Umberto Eco, segundo o próprio autor, se fundamenta numa ambição em vender ficções como se fossem histórias totalmente reais. Por isso ocorreu o fenômeno “O Código da Vinci”: vendeu-se um enredo conspiratório que envolvia personagens históricos e instituições reais, fundamentado em livros pouco manuseados e com escassa referência. Com isso, o tom de originalidade foi conquistado, ao passo que informações secundárias foram conhecidas mesmo que fora do contexto. “É acreditar na própria mentira que criou”, afirma Umberto Eco.  

Amante dos livros, sendo inclusive conhecido por ter uma biblioteca com mais de 30 mil exemplares, ao falar deles dizia: “Apesar de todas as visões apocalípticas, o livro é como a colher, a faca, o martelo, ou seja, algo que uma vez inventado não há barba de designer dinamarquês que possa modificá-lo para torná-lo mais eficaz”. No ano de 2010, em parceria com o bibliógrafo Jean-Claude Carriére, escreveu “um livro sobre livros”, intitulado “Não contem com o fim do livro”, que faz um itinerário desde o nascimento da imprensa e a invenção tipográfica, até os dias atuais, envoltos nas mudanças causadas pela tecnologia. Mesmo com os avanços tecnológicos e as mudanças na relação entre leitor e livro físico, este possui uma aura mística que cria intimidade e dialoga com o leitor, que numa relação de amor o eterniza, como foi provado durante o avanço dos séculos com a capacidade de resistir às adversidades do tempo.  

Sobre o avanço das tecnologias, Eco foi polêmico. Ao receber o título de doutor honoris causa em Comunicação e Cultura, na Universidade de Turim, criticou duramente o papel das tecnologias na contemporaneidade e o avanço das informações e disseminação. Dentro de sua fala, afirmou que “as redes sociais deram voz à legião de imbecis”, que anteriormente “eram imediatamente calados, mas agora têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”. Assim, “o drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade”, disse.  

O ponto positivo trazido por essa fala recai na propagação de informações falsas que naquela época não era tão massificado, motivo de duras críticas por comentaristas em 2015. Todavia, seu alerta serviu como um prenúncio do que aconteceu poucos anos depois. O que antes foi visto como uma fala “antidemocrática” e “arrogante”, foi entendido posteriormente como um aviso de inúmeros riscos que seríamos expostos, através de notícias falsas, distorções de fatos, fora a criação de milícias digitais e “especialistas” da desinformação. Muitos fizeram um mea culpa pelo ataque a Umberto Eco naquela época. 

Ao todo, foram 7 romances escritos, 6 infanto-juvenis e 43 ensaios e obras nas áreas de Filosofia, Semiótica, Linguística e Estética. Em um dos seus últimos pedidos, documentado em testamento, Umberto Eco pediu à família que não promovesse ou autorizasse, pelos dez anos seguintes à sua morte (ou seja, até 2026), qualquer seminário ou conferência sobre ele.  

Sobre o autor, uma verdadeira enciclopédia ecoa o vazio causado por sua ausência. Umberto foi considerado responsável pelo revigoramento da literatura italiana, que retornou ao centro das traduções, por todo mundo, devido ao sucesso de suas obras.  

Railson Barboza é Bacharel em Filosofia (PUC-Rio). Doutorando e Mestre em Política Social (UFF) 

Além do horizonte visível https://bit.ly/3Ye45TD 

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