15 abril 2019

Estado policial


Elogio a assassinos é um tapa na cara dos bons policiais
Sem transparência, com muita manipulação e cara de pau, mentidos e desmentidos, o que se sabe é o que interessa à engenharia psicossocial do golpe inacabado
Armando Rodrigues Coelho Neto, Jornal GGN
Era aquilo mesmo: burrice, truculência e um saquinho de fezes em substituição ao cérebro, com apoio da Polícia Federal, Ministério Público Federal, Supremo Tribunal Federal e do nacionalismo zumbaia lambe-botas das Forças Armadas. Em qualquer dos casos, sem que as exceções, que provavelmente existem, venham a público contestar e tentar por ordem na casa. Era aquilo mesmo, e eu, como disse em texto passado, até cogitei que alguma benesse, ainda que demagógica pudesse ser anunciada. Como diz um amigo, fruto da obra de uma elite quadrúpede de um país interrompido.
Em meio a um festival de absurdos tecnicamente ensaiados, no qual a todo momento surge uma fala histriônica para virar memes ou piada, que pode ser goiabeira, manga, “conge” ou “conja”. Com essas e mais outras, ninguém sabe o “Que andam suspirando pelas alcovas… sussurrando em versos e trovas”, nem mesmo o “Que andam combinando no breu das tocas”, como diria o compositor Chico Buarque. Sem transparência, com muita manipulação e cara de pau, mentidos e desmentidos, o que se sabe é o que interessa à engenharia psicossocial do golpe inacabado. A rigor, nem mesmo a elite quadrúpede o sabe.
Foi nesse contexto de lidar com superficialidades do saber permitido, que lembrei do encontro secreto do barnabé-mor do Ministério da Justiça com setores da indústria armamentista. A golpista Folha de S. Paulo chegou a noticiar, mas o aquele barnabé negou o encontro, alegando que na sua agenda oficial nada constava. Achei piada, pois encontros secretos não constam em agenda, do mesmo modo que o traidor Michel Temer se encontrava com bandidos e representantes do judiciário sem constar em agenda. Encontros secretos não têm agenda. Simples assim. Em comunicado oficial, o barnabé teria reclamado direito à privacidade. Ah, tá, privacidade lá com sua conja! Enquanto homem público, no interesse ou desinteresse do Estado, não.
Não se sabe o que aconteceu naquele encontro secreto, nem o que o Bozo foi fazer no escritório de espionagem americano (CIA). Talvez, entre outras coisas, pode ter ido agradecer por terem espionado Petrobrás, Lula, Dilma, quiçá o Judiciário, ex vi das aberrações jurídicas que escandalizam o mundo do Direito. Mas, na alcova da Cia ou do Mossad (serviço secreto de Israel) ninguém sabe o que o Bozo foi fazer.
A inquietação sobre esse não saber se intensifica pelo que o brasileiro tem acompanhado pelas redes sociais sobre violência policial. Num dos vídeos em circulação, policiais dentro de uma suposta delegacia, aplicam contra um pretenso marginal golpes de “telefone”. Para quem não sabe, “telefone”, no caso, é aplicação de socos simultâneos nos ouvidos. Entre gritos do torturado e risos dos criminosos, a cena medieval recebe aplausos de bolsopatas e comentários-slogan de campanha do presidente fascista: bandido bom é bandido morto… tem mesmo que apanha, matar…
“A maldade de um homem não pode ser entregue à maldade de outro homem… Na hora em que o justiceiro mata, ele não está mais nos protegendo nem querendo eliminar um criminoso, ele está cometendo o seu crime particular”, já o disse Clarice Lispector no conto Mineirinho.
Num outro vídeo, uma viatura policial avança sobre pessoas, atropelando-as. Ao parar, de dentro delas saem policiais truculentos, batendo, empurrando, atirando e tomando até marmita de trabalhador. Não muito diferente das recentes ações policiais dentro de escolas, com professores e alunos sendo arrastados por conta de subjetividades do autoritarismo autorizado pelo Bozo – hoje endossadas pelo barnabé-mor da Justiça. São incontáveis os vídeos sobre a polícia que mais mata no mundo. Incontáveis registros de violência exercida até durante simples manifestações de protestos.
O mais recente espetáculo de despreparo e violência policial está nos 80 tiros que resultou na morte de um músico. Como disse um amigo, erram os tiros, erram a profissão, mas não erram a cor. O Bozo, após seis dias de silêncio, se limitou a dizer que o “Exército não matou ninguém”. Realmente, para um racista, negro não é alguém. Já Mourão, o assoprador das mordidas do Bozo, disse que “sob forte pressão e sob forte emoção, ocorrem erros dessa natureza”. Não, Mourão! Com licença para matar, “ocorrem erros dessa natureza” e eles se acentuam.
“Quando um presidente demagogo elogia policiais assassinos, seu filho homenageia justiceiros milicianos, isso é um tapa na cara dos bons policiais”, me disse um policial federal. Ao elogiar uma morte violenta injustificada, o Bozo não está prestando serviço para a polícia. Sobretudo diante da desigualdade social monstruosa, cujas consequências na área da segurança são facções, de um lado, e milícias, de outro. No fogo cruzado, o cidadão comum.
O discurso do presidente Bozo está desestimulando os bons policiais e, ao mesmo tempo, alimentando o ódio ao povo que a elite quadrúpede cultua. Uma polícia que não respeita o seu povo, os seus concidadãos, jamais será uma polícia respeitada. Como, de fato, não é. Há, sim, diferença entre temer e respeitar. Medo as pessoas têm de ladrão/assassino, mas não respeito em sentido reverencial.
No pacote do barnabé-mor da Justiça já não é preciso escrever a licença para matar. Os policiais já entenderam o recado. As cenas violentas que se tem assistido, ainda que não sejam novas, é parte do que sussurram nas alcovas e encontros secretos, enquanto transformamos em memes, ironias e piadas o jogo de palavras e a sopa de letrinhas da engenharia psicossocial do golpe.
Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista e advogado, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.
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