Luciano Siqueira
O comentário ouvi em recente viagem a São Paulo, num voo da Gol. O vizinho do lado, ao me ver folhear os três jornais locais, arriscou: “Desculpe minha franqueza, deputado, mas acho que muitas coisas são ditas sem necessidade, palavras são desperdiçadas...”.
Ele se referia ao disse-me-disse em torno da política local. E pode até está exagerando, mas uma boa dose de razão certamente tem, reconheço. É que nem sempre se diz e se discute o essencial, há muito verbo gasto com perfumaria no pressuposto de que certas querelas entre personalidades e grupos sejam do interesse público. Podem até ser, mas seguramente de um público muito restrito.
O fato é que ainda temos uma democracia claudicante, onde o debate frequentemente se dá em torno de questões secundárias. Na atual quadra em que o mundo se consome numa crise econômica, financeira e política de enorme dimensão, com repercussões inclusive sobre países considerados emergentes, como o Brasil, e, por conseguinte, sobre a vida em nossos municípios, nada mais lícito do que imaginar que as opiniões se dirijam a um mesmo leito. Ou seja: que se debatam propostas concretas que permitam, nas circunstâncias atuais, promover o progresso econômico e social, arrostar os desafios do tempo presente numa perspectiva de futuro.
Em meados do ano passado estive em Portugal e pude verificar a natureza do debate eleitoral que antecedeu as últimas eleições gerais. Noticiário, programas de entrevistas e debates na TV e nas demais mídias – com espaços destinados aos partidos equânimes, diga-se – focavam precisamente o que cada corrente política propunha como solução à crise da Zona do Euro e suas drásticas repercussões sobre a economia portuguesa. A população teve, desse modo, a oportunidade de fazer suas escolhas – e as fez – com razoável nível de consciência e de discernimento.
Seria muito pedir que cá na província todos se dedicassem ao exame de questões substantivas, até porque na recente tradição brasileira firmou-se a falsa compreensão de que numa contenda vale muito mais o lance de efeito do que propriamente a exposição de ideias. Muito frequentemente a pirotecnia toma o lugar da substância. O fenômeno perderá força na medida em que amadureça a consciência social e om o advento – é difícil prever quando – de uma reforma política que estabeleça regras através das quais as disputas se tornem menos personalizadas e mais programáticas.
Por enquanto, que cada um faça a sua parte levando em consideração o alerta do passageiro ao meu lado, que reclama mais concretude e menos fuxico.
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