23 setembro 2020

O tamanho do desemprego


“Com Bolsonaro, a carestia e o desemprego explodiram”, diz economista
“Em lugar de enfrentar essa tragédia, o governo mais uma vez anda na contramão. Para agravar uma situação já dramática, ameaça com um brutal arrocho fiscal para o ano que vem, justamente quando esse drama do desemprego estará mais escancarado”, alerta Nilson de Araújo.
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O professor e economista Nilson Araújo de Souza analisa em entrevista as causas da recente elevação dos preços dos alimentos no Brasil. Para o especialista, a irresponsabilidade do governo é a causa principal do descontrole. “A raiz do problema do estouro dos preços dos alimentos está na grotesca irresponsabilidade do governo”, disse ele.

“O governo desmontou a política de estoques reguladores, que, desde os anos de 1960, vem regulando a oferta de alimentos no Brasil”, acrescentou. “Essa política começou a ser desmontada pelo governo Temer e foi simplesmente arrasada pela equipe de Guedes, chegando, inclusive, a fechar armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento [Conab]”, afirmou o economista.

Para Nilson Araújo, aliada à carestia o país vive um agravamento do desemprego. “A situação do desemprego no País é simplesmente alarmante. As estatísticas oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda não captam a gravidade do problema”, comentou.

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

A crise econômica, que já vinha castigando a população brasileira antes da pandemia, agora está sendo agravada com elevação de preços de produtos de consumo popular, particularmente, de alimentos. Por que isso está ocorrendo? O que você acha da posição do governo de dizer que não vai intervir e nem exercer qualquer controle de preços? Alguns produtos estão desaparecendo do mercado nacional em função da atratividade dos preços de exportação. Esse é o caso das carnes e aves, por exemplo. Os últimos governos vêm desmontando órgãos de controle do abastecimento como a Conab, por exemplo, e Bolsonaro diz que não haverá nenhuma intervenção do governo no mercado. Como vê esta posição do governo?

O ministro da Economia, vira e mexe, promete perspectivas alvissareiras para a economia do País. Mas a realidade nua e crua teima em caminhar na direção oposta. Destaca-se, neste momento, a carestia dos alimentos, que reaparece com força. O vilão da vez é o arroz, cujo preço, no acumulado do ano até 10 dias atrás, disparou em 19,25%, mas a cebola e o leite longa vida aumentaram mais ainda: respectivamente, 50,40% e 22,99%. Logo a seguir, vem o óleo de soja, com 18,63%, sendo 9% apenas no mês passado.

A equipe econômica apressou-se em encontrar um culpado: seria a renda de emergência de 600 reais dos trabalhadores mais vulneráveis. Recorrendo mais uma vez à cantilena de que a inflação é produto do excesso de demanda, esses arautos do ultraneoliberalismo nem sequer se dão conta de que o que caracteriza essa parcela “paupérrima” da população não é o excesso, mas a insuficiência de demanda. E já chantageiam que, para conter a demanda, além de reduzir pela metade a renda emergencial, deve-se voltar a elevar os juros. E nem se dão conta de que não podem convencer ninguém de que os juros não afetam para nada o consumo dessa parcela mais pobre da população.

As causas do estouro dos preços dos alimentos, na verdade, são outras. A raiz do problema está na grotesca irresponsabilidade do governo. O governo desmontou a política de estoques reguladores, que, desde os anos de 1960, vem regulando a oferta de alimentos no Brasil. Como funciona isso? Antes da safra, o governo garante a compra antecipada de produtos agrícolas (através do Programa de Aquisição Antecipada) a fim de manter a renda do agricultor e incentivar a produção e, no período de entressafra, como agora, “desova” os estoques entregando os produtos à rede de comercialização a fim de evitar a elevação dos preços. É, portanto, uma política que protege simultaneamente a renda do produtor e o consumidor.

Essa política começou a ser desmontada pelo governo Temer e foi simplesmente arrasada pela equipe de Guedes, chegando, inclusive, a fechar armazéns da Companhia Nacional de Abastecimento [Conab]. Só para dar o exemplo mais conspícuo: os estoques de arroz, que eram de 1 milhão de toneladas em 2010, chegaram agora em agosto a tão-somente 21 mil toneladas (representando menos de um dia do consumo total no País). Em dez anos, os estoques públicos de alimentos no Brasil já haviam desabado em 96%. Essa já era a situação no último mês de junho para vários alimentos, que, segundo o ex-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária, engenheiro agrônomo Gerson Teixeira, já estavam com estoques médios abaixo do índice mínimo de segurança alimentar indispensável para o País, ou seja, 20% do consumo anual, levantamento que fez com base em dados do IBGE. Naquele mês, ele já alertava para o risco real de ocorrer uma crise de abastecimento no País e o consequente retorno da inflação.

E, para agravar a situação, agora, durante a pandemia, quando o correto para garantir a soberania e a segurança alimentar da população seria formar estoques de alimentos (a Índia e o Vietnã, por exemplo, que são grandes exportadores de arroz, suspenderam as exportações), o governo simplesmente liberou a farra exportacionista (de janeiro a agosto, em plena pandemia, as exportações de alimentos para a China aumentaram 14%, sendo de 8% só em agosto), sob a alegação de que o produtor agrícola de gêneros de primeira necessidade, que amargara um período de baixo rendimento, deveria aproveitar-se da onda de preços altos no mercado internacional. Na verdade, não foi o produtor que se beneficiou, pois a produção já estava nas mãos das transnacionais que comercializam alimentos – estas, sim, formam seus “estoques reguladores” para estabelecer preços no mercado internacional.

E por que os preços estão altos no mercado internacional? Já registramos um motivo, no caso do arroz: a redução da oferta internacional devido à suspensão das exportações pela Índia e o Vietnã, como forma de garantir seu auto-abastecimento, ou seja, sua soberania e segurança alimentar durante a pandemia. Mas, mais que isso, o preço aumentou não apenas em dólares, mas também em reais, em decorrência da desvalorização cambial: de agosto de 2019 a agosto de 2020, o real desvalorizou-se 36% frente ao dólar. Assim, por cada dólar exportado, o exportador passou a receber 36% a mais.

E por que o Brasil, grande produtor e exportador de alimentos, tem que vender seus produtos internamente pelos preços internacionais? Não existe nada de “natural” nisso, a não ser o fato de que o mercado internacional de alimentos é controlado pelas transnacionais dos alimentos, as quais determinam o preço em todos os mercados. Mas isso, certamente, poderia ser coibido por governos soberanos que colocassem em primeiro lugar a soberania e a segurança alimentar de seu povo. E o Brasil tem experiência nessa questão com a política de estoques reguladores, mas, em lugar, de formar e guardar esses estoques para o período de entressafra, a equipe de Guedes simplesmente os pulverizou. Subjacente a isso, está a política que vem favorecendo o agronegócio e, consequentemente, destinando os recursos e as terras para os produtos de exportação, em detrimento da pequena produção, que abastece o mercado interno.

Se essa situação não for enfrentada tempestivamente, a carestia dos alimentos pode terminar contaminando os outros setores, generalizando a inflação para o conjunto da economia, reproduzindo na esfera econômica o incêndio que tomou conta do Pantanal. Mais uma vez, envenenado por seu ultraneoliberalismo, o governo diz que não vai intervir. Há medidas emergenciais, como o bloqueio da exportação dos produtos mais sensíveis, como fizeram a Índia o Vietnã, e retomar a política de estoques reguladores para a próxima safra, que já está sendo plantada e começa a ser colhida no próximo mês de fevereiro. Mas, simultaneamente, incentivar com crédito subsidiado, política de preços mínimos e aquisição antecipada dos alimentos oriundos da pequena produção voltada para o mercado interno, que está sendo esmagada pelo agronegócio.

Os índices de desemprego seguem aumentando com o desenrolar da recessão. Milhares de pequenas e médias empresas, que não tiveram acesso ao crédito durante a quarentena, nem reabriram suas portas com a retomada das atividades econômicas. Por que o governo não garantiu que estas empresas tivessem acesso a créditos? Como você vê essa situação?

Vivemos o pior dos mundos: custo de vida e desemprego em alta. A situação do desemprego no País é simplesmente alarmante. As estatísticas oficiais do IBGE ainda não captam a gravidade do problema. Pela pesquisa Pnad Contínua, a taxa de desocupação aumentou de 12,2% no trimestre janeiro-março de 2020 para 13,3% no trimestre abril-junho (último levantamento disponível). Mas vem sendo feita pela IBGE, desde o começo de maio, a pesquisa Pnad Covid, com outros critérios e resultados diferentes e mais precisos. Por essa pesquisa, a taxa aumentou de 10,5% na primeira semana de maio de 2020 para 14,3% na última semana de agosto. Em termos absolutos, o número de desempregados teria aumentado de 9,8 milhões para 13,7 milhões – ou seja, cerca de quatro milhões teriam perdido o emprego nesse período.

Mas mesmo esses dados ainda não contam toda a história. Constam aí como desempregados apenas os trabalhadores sem emprego que estão procurando emprego. Ocorre, no entanto, que, em função da pandemia da Covid-19, a maioria dos que perderam emprego não teve como ir procurar outro emprego, sustentando-se com o seguro-desemprego ou com a renda emergencial – dois fatores transitórios. Mas tem outra forma de aquilatar a real situação. O IBGE, tanto na Pnad Contínua quanto na Pnad Covid, levanta a população ocupada. Na primeira pesquisa, a população ocupada baixou de 93,7 milhões no trimestre móvel de dezembro-2019/fevereiro-2020 para 83,3 milhões no trimestre abril/junho (último desse levantamento). Pela Pnad Covid, eram 81,6 milhões na primeira semana de agosto. É possível, portanto, estimar que cerca de 12 milhões de trabalhadores perderam o emprego entre fevereiro e agosto. A Pnad Covid, além do mais, levantou que 16,8 milhões de pessoas que estavam fora da força de trabalho gostariam de trabalhar, mas a Covid as impedia de procurar emprego – portanto, não fazem parte das estatísticas oficiais de desemprego

Portanto, a real dimensão do desemprego é de 30,5 milhões (13,7 milhões dos que procuram emprego mais 16,8 milhões dos que gostariam de trabalhar, mas que, em função da pandemia, ainda não procuraram emprego). Essa verdadeira e dramática dimensão do desemprego tende a escancarar-se tão logo vença o seguro-desemprego e termine a renda emergencial. Não era inevitável que se chegasse a esse ponto. Na raiz dessa tragédia, está o fechamento de milhares de empresas, a maioria de pequeno porte. Segundo Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, realizada pelo IBGE, 716 mil empresas já haviam fechado as portas temporária ou definitivamente – isto é, uma em cada quatro empresas – desde o início da pandemia até a primeira quinzena de junho. E isso ocorreu porque, além de haver retardado as medidas de socorro às empresas, o governo adotou um pacote creditício que, além de insuficiente, não chegou às empresas, particularmente às menores. Os próprios presidentes dos bancos, reunidos em um congresso virtual no último mês de junho, apesar de alardearam que concederam R$ 914 bilhões em novas operações, prorrogações e renovações de operações, tiveram que reconhecer que as empresas de menor porte enfrentam dificuldades para conseguirem empréstimos. Isso ocorreu porque, em lugar de usar os bancos públicos e o próprio apoio direto do governo para apoiar financeiramente as empresas menores, o governo recorreu ao sistema convencional de crédito, em sua maioria da rede privada. E os bancos, que não querem correr risco, ou emprestaram para as grandes empresas ou “empoçaram” parte da massa de recursos que o governo colocou à sua disposição.

E para enfrentar esse drama do desemprego, o que pode ser feito agora? Que medidas podem ser tomadas no curto prazo para enfrentar essa situação dramática de desemprego que atinge boa parte da população brasileira? Analistas avaliam que a ajuda emergencial de 600 reais aprovada pelo Congresso Nacional foi importante para que a situação não fosse mais grave ainda em termos de redução das atividades econômicas. Como vê as consequências da redução desta ajuda para 300 reais por três meses e a sua extinção a partir de dezembro?

Em lugar de enfrentar essa tragédia, o governo mais uma vez anda na contramão. Para agravar uma situação já dramática, o governo ameaça com um brutal arrocho fiscal para o ano que vem, justamente quando esse drama do desemprego estará mais escancarado: sob a alegação de que tem que cumprir a lei do teto de gastos, a famigerada emenda 95, a previsão da equipe de Guedes na proposta orçamentária para 2021 é de que as despesas primárias do governo sejam de apenas 20% do PIB, contra 28% neste ano. Isso significa um brutal corte no investimento e nas demais despesas discricionárias. Com fortes efeitos recessivos e mais desemprego. Qualquer governo sério e minimamente comprometido com o País, em lugar de submeter-se a essa excrecência fiscal, aproveitaria o fato de ela haver sido suspensa pela Lei de Calamidade Pública, durante o período de pandemia, para revogá-la de vez e assim abrir espaço para o investimento na retomada do crescimento e na geração de emprego.

Conforme já demonstraram os documentos do Movimento Direitos Já (que integra representantes de 17 partidos) e do Observatório da Democracia (que reúne oito fundações partidárias), a manutenção da renda emergencial durante o período da pandemia, no mesmo valor estipulado pelo Congresso (R$ 600 por beneficiário, sendo de R$ 1.200 no caso de mães chefe de família), além de salvar as vidas de milhões de pessoas, mantém a economia funcionando. Mas o governo quer cortar pela metade essa injeção de recursos que age como um verdadeiro respiradouro da economia. Ao mesmo tempo, deve-se usar o investimento público como alavanca do desenvolvimento, começando desde já a reindustrialização fundada na ciência e na tecnologia, a implementação de infraestrutura de qualidade e o combate à desigualdade. São medidas que devem ser adotadas desde já. O combate à desigualdade, ao fortalecer o mercado interno, estimula a reindustrialização, mas, como a nossa indústria perdeu bastante dinamismo com a desindustrialização sucateadora, urge um pujante programa de ciência e tecnologia e o apoio do investimento público e das demais ações do Estado (compras governamentais, financiamento público, protecionismo).

A retomada das obras e a implementação de infraestrutura de qualidade, particularmente no meio urbano, como obras de transporte (com destaque para o metrô, criando, por exemplo, como propõe o prof. Ildo Sauer, a Metrobrás), de saneamento, nas áreas de saúde e educação, além de oferecer serviços públicos de qualidade à população, são geradoras de emprego mais imediato. (Fonte: Hora do Povo)

Veja: Desemprego no centro da batalha eleitoral https://bit.ly/2X75FJ6

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