Guerra na Ucrânia e os riscos de uma guerra
por procuração
Trata-se de uma guerra “por procuração”, na qual as duas forças
em conflito são, na realidade, Rússia e Estados Unidos. E isso torna as coisas
muito mais complicadas
Luís Antonio Paulino, Vermelho www.vermelho.org.br
No dia 24 de agosto a Guerra na Ucrânia completou seis meses e não há
perspectiva de que esteja perto do fim. Desenhar cenários a respeito de sua
evolução futura tornou-se tarefa complicada dadas as circunstâncias
excepcionais que envolvem o desenrolar do conflito. Fosse apenas uma guerra
entre Rússia e Ucrânia, provavelmente já teria tido um desfecho, dada a
disparidade de poderio militar entre os dois países. A realidade, porém, é que
se trata de uma guerra “por procuração”, na qual as duas forças em conflito
são, na realidade, Rússia e Estados Unidos. E isso torna as coisas muito mais
complicadas.
A questão central por trás dessa guerra nunca foi, para os russos, o
alegado desejo de Putin de restaurar a “Grande Rússia”, cuja origem histórica
está no que é hoje a Ucrânia e muito menos pretensões imperialistas em relação
à Europa. Como afirma John J. Mearsheimer, professor de ciência política da
Universidade de Chicago e provavelmente o maior expoente da chamada escola
realista de relações internacionais, em artigo publicado na revista Foreign
Affairs em sua edição de agosto, “Contrariamente à sabedoria convencional do
Ocidente, Moscou não invadiu a Ucrânia para conquistá-la e torná-la parte de
uma Grande Rússia. Preocupava-se principalmente em evitar que a Ucrânia se
tornasse um baluarte ocidental na fronteira russa. Putin e seus assessores
estavam especialmente preocupados com o fato de a Ucrânia eventualmente ingressar
na Otan. O ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, falou
sucintamente em meados de janeiro, em uma entrevista coletiva que “a chave de
tudo é a garantia de que a Otan não se expandirá para o leste”. Para os líderes
russos, a perspectiva da adesão da Ucrânia à Otan é, como o próprio Putin
colocou antes da invasão, “uma ameaça direta à segurança russa” – que só
poderia ser eliminada indo à guerra e transformando a Ucrânia em um estado
neutro ou falido”.
Da parte dos Estados Unidos, a questão central também nunca foi a defesa
da integridade territorial da Ucrânia ou de seu sistema político “democrático”.
Como lembrou o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, em abril,
“Queremos ver a Rússia enfraquecida ao ponto de não poder fazer o tipo de coisa
que fez ao invadir a Ucrânia.” Ou seja, as motivações dos Estados Unidos vão
muito além da Ucrânia; sua intenção de tirar a Rússia das fileiras das grandes
potências. Pensar, portanto, em desfechos possíveis dessa guerra, exige enxergá-la,
sobretudo, como uma “guerra por procuração”, na qual as duas grandes forças em
conflito são, na realidade, Estados Unidos e Rússia.
A Ucrânia tem sido capaz de resistir à ofensiva russa graças ao
apoio militar e logístico recebido dos Estados Unidos e seus aliados da Otan.
Cessado esse apoio, provavelmente a Ucrânia não teria condições de resistir nem
um dia mais, uma vez que praticamente 100% das armas e munições que está
utilizando na fase atual da guerra está sendo fornecida pelos Estados Unidos e
seus aliados, enquanto a Rússia tem uma poderosa indústria bélica funcionando a
pleno vapor. Mesmo quando se trata do fator humano, os ucranianos dependem hoje
do treinamento oferecido pelos Estados Unidos e seus aliados para novos
recrutas que, em sua maioria, nunca pegaram em uma arma na vida. Tudo isso
torna o cenário muito mais complicado do que aparenta ser à primeira vista,
pois a política norte-americana de “resistir até o último ucraniano” pode
arrastar o conflito por meses e ter desdobramentos imprevisíveis.
No já mencionado artigo de John J. Mearsheimer, com o sugestivo título
“Brincando com fogo na Ucrânia. Os riscos subestimados de uma escalada
catastrófica”, o autor analisa alguns dos aspectos acima mencionados. Para ele,
os dois riscos principais são de o conflito evoluir para uma guerra em toda a
Europa e a possibilidade de aniquilação nuclear. Para o autor, embora toda a
estratégica por parte dos Estados Unidos e seus aliados esteja baseada nas
hipóteses da não entrada das forças norte-americanas diretamente na guerra e de
que os russos não ousariam usar armas nucleares, não há como garantir, a
priori, nenhuma dessas duas condições. E isso pelo simples motivo de que a
resultante final desse conflito não seria uma vitória ou derrota da Rússia ou
da Ucrânia e sim numa derrota ou vitória da Rússia ou dos Estados Unidos, o que
seria, a esta altura, inaceitável para qualquer um dos dois lados.
Dadas essas circunstâncias, supor que haveria limites quanto aos meios a
serem utilizados seria o mesmo que supor que alguém, em perigo de morte, se
recusasse a utilizar todos os meios disponíveis para evitar tal desfecho. Se,
em 1945, a justificativa para o uso da bomba atômica foi de “acabar a guerra’,
porque não seria hoje, quando toda a pesquisa militar na área nuclear está
voltada não para o desenvolvimento de armas nucleares para não serem usadas,
dado seu potencial de aniquilação da humanidade, mas para serem usadas sem esse
risco?
Aceitas as premissas iniciais de que a Guerra na Ucrânia é, na realidade,
um conflito entre Estados Unidos e Rússia e que a derrota é inaceitável para
qualquer um dos lados, é forçoso reconhecer que uma solução diplomática a esta
altura dos acontecimentos é praticamente impossível, o que aponta
necessariamente para uma escalada na batalha com consequências imprevisíveis.
Supor, portanto, que independentemente da sua evolução, os Estados Unidos se
recusarão a entrar diretamente no conflito ou que os russos, na iminência de
uma possível derrota, se recusem a usar armas nucleares talvez seja uma
conclusão que não encontre sustentação nos fatos.
Leia
também: Uma ordem mundial alternativa https://bit.ly/3xUwMZp
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