Segurança Pública: apenas mais homens e armas não resolveu
Cláudio Carraly*
A segurança pública tem sido uma das principais preocupações dos brasileiros, o aumento da criminalidade, a sensação de insegurança e a violência nas ruas têm afetado a qualidade de vida de milhões de pessoas em todo o país, para entender a complexidade da segurança pública no Brasil, é essencial adotar não apenas uma perspectiva repressiva, mas uma abordagem multifocal, segurança não pode ser vista apenas como questão policial, muito menos apenas como punição, mas sim como um fenômeno social que envolve fatores econômicos, políticos e culturais.
Todo esse amálgama de desigualdade social, exclusão, educação precária e impunidade são raízes da violência e da criminalidade em nosso país. Não podemos falar em segurança publica, sem falar da urgência de uma reforma prisional profunda e imediata, os números alarmantes de superlotação, somados à presença crescente de organizações criminosas dentro das prisões, evidenciam a falência do sistema atual. O Brasil possui uma população carcerária que ultrapassa 800 mil detentos, em uma capacidade que suporta apenas cerca de 400 mil, isso não apenas viola os direitos humanos dos detentos, mas também cria um ambiente propício para a proliferação do crime organizado, com facções criminosas exercendo controle dentro e fora das prisões, uma reforma efetiva não só aliviará a pressão sobre o sistema carcerário, mas também interromperá a influência dessas organizações.
A implementação de políticas destinadas a resgatar a dignidade humana, promover a educação, aprimorar a qualificação profissional e desenvolver programas de reinserção social emergem como medidas cruciais e urgentes para reverter o panorama atual e estabelecer um sistema de segurança mais equitativo e eficiente, a necessidade é premente, considerando o contexto marcado por desafios significativos no que diz respeito à criminalidade e ao sistema prisional. No entanto, é animador observar que há diversos exemplos de sucesso ao redor do mundo, inclusive no Brasil, onde abordagens inovadoras têm sido implementadas com êxito, esses modelos demonstram a viabilidade de desafogar o sistema carcerário enquanto simultaneamente se assegura a sensação de segurança tão necessária à população, a adaptação e o aprimoramento dessas abordagens para a realidade específica de cada estado da federação tornam-se, portanto, uma possibilidade concreta e promissora, por meio da aprendizagem com experiências bem-sucedidas e da customização de estratégias para atender às necessidades locais, é possível avançar na construção de um sistema de segurança mais justo, eficaz e humano.
Iniciamos nossa viagem pelo Pronasci – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania, que foi idealizado pelo governo federal brasileiro e implementado em 2007 com o objetivo de promover a integração e a coordenação das ações de segurança pública entre união, estados e municípios, além disso, o programa buscava promover a inclusão social e prevenir a criminalidade, principalmente entre jovens em situação de vulnerabilidade. O Pronasci teve como principais pilares o fortalecimento das polícias, a prevenção social do crime, a reestruturação do sistema penitenciário e a valorização do esporte e cultura como dissuasão da violência, o programa teve resultados positivos em muitas áreas, com a redução da criminalidade em várias regiões do país. No estado do Rio de Janeiro, durante a gestão do Pronasci, houve uma redução de 20% nos homicídios dolosos entre 2009 e 2013, segundo dados do Instituto de Segurança Pública – ISP. No entanto, o programa enfrentou desafios relacionados à falta de continuidade política e sustentabilidade das ações após mudanças de governo e cortes orçamentários até sua extinção, a atual administração federal recriou o programa, porém no momento, ainda está aquém dos seus melhores dias, mas já é um avanço e esperamos as etapas posteriores.
Outro bom exemplo é o Pacto pela Vida, que foi criado em 2007 pelo governo de Pernambuco e se tornou uma referência nacional em políticas de segurança pública, o programa adotou uma abordagem integrada, que combinava ações de policiamento ostensivo, investigação criminal, prevenção social e fortalecimento do sistema penitenciário. Além disso, o Pacto pela Vida estabeleceu metas claras de redução da criminalidade e avaliação periódica dos resultados, como isso, Pernambuco conseguiu reduzir significativamente os índices de homicídios e outros crimes violentos e patrimoniais, por exemplo, entre os anos de 2007 e 2017, o estado registrou uma redução de 43% na taxa de homicídios, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM, o sucesso do Pacto pela Vida se deveu à liderança política, mas também foi fundamental o envolvimento da sociedade civil, integração das instituições de segurança pública e a participação ativa dos municípios.
Equipamentos de prevenção a violência e criminalidade podem e devem ser trabalhados pelos municípios, como o COMPAZ - Centro Comunitário da Paz, que é um proposição de iniciativa da Prefeitura do Recife, que busca promover a cultura de paz e prevenir a violência, esse reúne representantes do poder público, da sociedade civil e de instituições religiosas para desenvolver e implementar políticas de segurança cidadã, baseadas no diálogo, na mediação de conflitos e na promoção da cidadania. Vários equipamentos públicos foram criados pela administração municipal nos bairros com maior índice de violência e elevada densidade populacional, obtendo resultados excelentes, o COMPAZ realiza em suas dependências ações de sensibilização, formação e mobilização comunitária, além de promover atividades culturais, esportivas, lazer e educativas voltadas para a comunidade, atuando também na articulação de redes de apoio e na promoção de parcerias entre diferentes atores sociais, e tem contribuído para a redução da violência e para o fortalecimento do tecido social em Recife, demonstrando que a prevenção é fundamental para enfrentar o problema da segurança pública.
Durante o período de 2009 a 2012, a Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã de Jaboatão dos Guararapes desenvolveu uma série de ações voltadas para a promoção da segurança pública e a garantia dos direitos humanos, o órgão que se inspirou na secretaria de mesmo nome que fora criada na Cidade do Recife, foi além, comportando dentro de sua estrutura além dos aspectos de direitos humanos presentes na primeira à presença funcional da guarda civil municipal unificando as ações de enfrentamento a violência e garantindo a qualidade da chamada policia de proximidade com viés cidadão. Ainda implementou programas de prevenção, como a criação de núcleos de mediação de conflitos, documentação civil básica e promoção da igualdade racial, liberdade de práticas religiosas e direitos das comunidades LGBTQIA+. Além disso, a Secretaria promoveu a integração entre as forças de segurança, órgãos públicos estaduais e federais que se reuniam mensalmente com várias secretarias da prefeitura para avaliar estratégias de atuar no município com vistas a diminuir os índices de violência. Como resultado dessas ações, houve uma redução elevada nos índices de criminalidade. Ressalte-se ainda, o projeto de proteção à crianças e adolescentes ameaçados de morte pelo tráfico de drogas, iniciativa reconhecida internacionalmente, contribuindo para reduzir a vulnerabilidade desse extrato da população, diminuindo fortemente o número de homicídios dos jovens do município.
Diversas cidades brasileiros têm implementado políticas inovadoras de segurança pública, um exemplo é o programa "Guardiã Maria da Penha" em São Paulo, que consiste na capacitação de guardas municipais para atuarem na prevenção e no enfrentamento da violência contra as mulheres, em consonância com a Lei Maria da Penha, o programa tem como objetivo proteger as mulheres vítimas de violência familiar e garantir o cumprimento das medidas protetivas. Outro exemplo é o "Territórios da Paz" implementado em várias cidades do país, que promove a integração de ações sociais, culturais e de segurança pública em áreas de alta vulnerabilidade social, visando reduzir a violência e promover a inclusão social, essas iniciativas evidenciam a importância do papel dos municípios na formulação e implementação de políticas de segurança pública que considerem as especificidades locais e promovam a participação da cidadania.
Além das experiências estaduais e municipais, a cooperação internacional desempenha um papel crucial no fortalecimento das políticas de segurança pública no Brasil, a troca de conhecimentos, experiências e melhores práticas com outros países pode enriquecer as estratégias adotadas no combate à criminalidade e na promoção da paz, organizações internacionais, como as Nações Unidas e a Organização dos Estados Americanos, União Europeia e mais recentemente os BRICS, têm desenvolvido iniciativas de cooperação técnica e capacitação para auxiliar os países na formulação e implementação de políticas de segurança pública, o Brasil pode se beneficiar dessa cooperação, aproveitando as lições aprendidas em outros contextos e adaptando-as à sua realidade.
O envolvimento da comunidade é fundamental para o sucesso das políticas de segurança pública, as iniciativas de empoderamento comunitário, como os conselhos de segurança, grupos de voluntariado e programas de educação para a cidadania, fortalecem os laços sociais e promovem a cultura de paz nos bairros e nas cidades. Ao dar voz e poder de decisão aos cidadãos, é possível construir uma segurança pública mais democrática e inclusiva, que atenda às necessidades e aos interesses da população. Os governos municipais podem incentivar e apoiar essas iniciativas, promovendo a participação ativa dos moradores na elaboração e implementação de novas ações. A prevenção da violência passa necessariamente pelo investimento em políticas sociais e educacionais que promovam a inclusão social, o acesso a direitos básicos e o desenvolvimento humano. A oferta de educação de qualidade, oportunidades de emprego, moradia digna e acesso à saúde contribui para diminuir as desigualdades sociais reduzindo assim a criminalidade. Além disso, programas de educação para a paz, resolução de conflitos e mediação comunitária podem ser implementados nas escolas e nas comunidades, promovendo valores de respeito, tolerância e convivência pacífica. O investimento em políticas sociais e educacionais é um componente essencial de uma estratégia abrangente de segurança pública.
A eficácia das políticas de segurança pública também depende da fiscalização e do controle social sobre as ações das instituições responsáveis pela aplicação da lei. Mecanismos de transparência, como a divulgação de dados e indicadores de segurança, a realização de auditorias e a participação de órgãos de controle e da sociedade civil, são fundamentais para garantir a integridade e a accountability das instituições, a população deve ser informada sobre as atividades e resultados das forças de segurança, podendo cobrar responsabilidades e contribuir para a melhoria contínua dos serviços. A transparência e a prestação de contas são pilares essenciais de uma gestão pública democrática e eficiente. Também o avanço da tecnologia oferece novas oportunidades para aprimorar as ações de segurança, a utilização de sistemas de videomonitoramento, inteligência artificial, análise de dados e georreferenciamento pode contribuir para a identificação de padrões criminais, a previsão de ocorrências e a otimização do policiamento, além disso, aplicativos móveis e plataformas online podem ser utilizados para facilitar a comunicação entre a população e as autoridades, permitindo o registro de ocorrências, denúncias de crimes e solicitação de apoio em tempo real, investir em tecnologia e inovação é essencial para tornar as ações de segurança pública mais eficientes, transparentes e acessíveis à população.
Em suma, diante dos desafios enfrentados na área de segurança pública, é fundamental investir em abordagens integradas e participativas, que envolvam diferentes atores sociais e considerem as particularidades de cada contexto, além disso, é importante fortalecer o sistema de justiça criminal, garantindo acesso de qualidade a este. A reformulação da abordagem da segurança pública no Brasil requer uma combinação de políticas integradas, participativas e inovadoras, que abordem as causas estruturais da violência e promovam uma cultura de paz, os casos de sucesso apresentados, oferecem importantes lições e inspirações para a construção de um modelo mais eficaz e humano de segurança pública, investinso em políticas de prevenção, tecnologia, participação comunitária e políticas sociais, podendo ajudar na construção de uma sociedade mais segura, justa e inclusiva. O velho e ineficiente mote de, mais homens e mais armas, não resolveu nem resolverá essas questões que não são nada simples, o desafio é enorme, mas com o comprometimento e a colaboração de todos setores da sociedade, é possível superá-lo e alcançar resultados positivos no combate à violência e na promoção de um país melhor em um futuro breve.
*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
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