A batalha das mulheres de Tejucupapo, ontem e hoje
Editora Ubu reedita romance de Marilene Felinto, vencedor do Jabuti de 1982. Obra narra o reencontro de uma retirante com suas raízes em Pernambuco e evoca história real da luta de mulheres contra invasores holandeses no século XVII. Sorteamos dois exemplares
Raíssa Araújo Pacheco/OutrasPalavras
Um pequeno distrito chamado Tejucupapo, que fica na atual cidade pernambucana de Goiana, foi palco de um histórico combate entre as mulheres da região e os invasores holandeses.
Cogita-se que esse acontecimento ocorreu por volta de 23 de abril de 1646, contornado pela Insurreição Pernambucana, um movimento que fervia os solos do nordeste em uma luta contra a segunda invasão holandesa, que se dava no calor da guerra luso-holandesa e que futuramente iria desembocar na expulsão dos neerlandeses da região Nordeste do Brasil.
O fato ficou conhecido como Batalha de Tejucupapo, ou batalha do Monte das Trincheiras, foi motivada principalmente por conta dos ataques de soldados holandeses, em busca de dinheiro e mantimentos, às cidades da região.
Sem saída e defesa, a população local se viu sem outra alternativa salvo contra atacar. A iniciativa e liderança, não só corajosa, mas bastante criativa nas táticas empregadas, foi tomada pelas mulheres de Tejucupapo, entre elas as comandantes: Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina.
É essa história que inspira Marilene Felinto em seu romance As mulheres de Tijucopapo, lançado pela primeira vez em 1982, aos 22 anos da autora. Em 2021, a Ubu Editora resolveu relançar a obra com prefácio inédito da escritora Beatriz Bracher, posfácio da pesquisadora Leila Lehnen, além de críticas, ensaios e resenhas cunhadas por escritores como Ana Cristina Cesar, João Camillo Penna, José Miguel Wisnik, Marilena Chaui e Viviana Bosi.
O livro, que rendeu à autora o Prêmio Jabuti de Autor Revelação (1982) e o prêmio de melhor romance inédito da União Brasileira de Escritores (1982), narra a viagem de retorno de Rísia, a narradora, a Tijucopapo, localidade fictícia onde sua mãe nasceu, que remonta a história real de Tejucupapo.
A história das guerreiras de Tejucupapo é contada pelas entrelinhas de um escrito tecido como um fluxo de consciência literário de forte conteúdo feminista e antirracista, que se expressa no caminho de retorno que Rísia faz à sua terra mítica, onde transbordam as contradições de uma sociedade brasileira multirracial.
Em busca de suas origens, a personagem, que parte de São Paulo para reencontrar sua cidade natal, revive experiências da infância e a dor da diferença vivida na capital paulista. “Quanto mais se aproxima de Tijucopapo, mais perto chega de se tornar, ela própria, uma mulher de Tijucopapo. A força das guerreiras pernambucanas é a imagem invertida da fraqueza de Rísia, menina pobre de muitos irmãos, que se refugia na gagueira por impossibilidade de exprimir seu ódio.”
Nas palavras da poeta Ana Cristina Cesar, a narrativa autobiográfica é “traçada em ziguezague, construída toda em desníveis, numa dicção muito oral, atravessada de balbucios, repetições, interrupções, associações súbitas”.
O mais interessante – e promissor – do texto, está antes na sua superfície, no seu falar errante, solto, desarticulado, desnivelado. Corta esta superfície a angústia da pergunta: como não sucumbir ao a-mais de loucura das mulheres?
Disruptiva, a obra inaugura um novo momento na literatura nacional que reúne a narrativa ficcional, o depoimento pessoal e o discurso poético, como afirma Caio Fernando Abreu, ao levantar que “a autora demarca um território novo na literatura brasileira”.
Tendo isso em vista, fica mais que explícito a importância do resgate da obra empreendido pela Editora. Neste mês que reaviva no mundo inteiro a luta das mulheres pelos seus direitos, nada mais que justo dar força à memória das guerreiras de Tejucupapo.
[Ilustração: Mulheres de Tejucupapo, painel de Tereza Costa Rêgo]
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