O coach neofascista e sua traumaturgia
Ele teve origem na ruína do mundo do trabalho, das profissões e suas éticas. Cumpre o serviço da exploração dos dispensáveis e a venda do amor sacrificial pelo mercado. Ele tem seu próprio partido e sua indústria cultural de propaganda para quem deseja sê-lo
Tales Ab’Sáber, em A Terra é Redonda
O coach é a representação limite da financeirização do capital — a sua máxima abstração e pureza, dominando a produção e a guerra global — no âmbito da cultura. Psicólogo definido pelo incremento da produtividade de seu cliente, o coach teve origem na ruína do mundo do trabalho, das profissões e de suas éticas, no mundo da fragmentação e monadizacão do destino do trabalhador, vendedor de qualquer coisa que ninguém quer comprar.
Ele é o próprio sintoma encarnado da vida das classes médias sob o risco de não serem produtivas, por fim dispensáveis, pela presença da política permanente do desemprego. Neste mundo, o coach cumpre o serviço de exploração da insegurança universal. Ele medeia a violência normal na vida das empresas, promove falsa autoajuda como verdade humana, a única ajuda disponível, para pacificar um sujeito sem valor algum, cultural ou de troca, na cultura de sua máxima exploração, física e psíquica.
Como um dia me disse o CEO de uma gigantesca agência de publicidade, máquina que trabalhava no fundo da própria política do país: “na empresa você pode facilmente ganhar 100 mil por mês, não é difícil… basta você me produzir 300 mil por mês.” Este é o mundo dos valoresdo coach, é nele e por ele, sustentado em indivíduos, que o coach trabalha.
Mundo da pressão total da abstração do dinheiro, sem nenhum caráter ou valor para fora do retorno ao mercado, da tempestade tautológica do sistema da mercadoria se auto-referenciando, para justificar o terrorismo de sua própria vida social. Realidade dura dos vencedores, no limite da maior derrota, onde o coach pontifica.
Ele é um psicólogo clínico degradado na ideia fixa da autoajuda banal, pastor profano do elogio do trabalho e do dinheiro quando eles se tornaram impossíveis, psicanalista que negou o inconsciente e a transferência a favor do apego sugestivo ao próprio eu, confundindo subjetividade com produção de valor e sujeito com submissão ao racket psíquico pessoal.
O coach é o pastor cujo único deus é o sucesso abstrato na cultura dada, o psicólogo empresarial de Recursos Humanos pago particularmente para se suportar o risco da vida do trabalho, de quem ainda quer estar por cima, o psicanalista que vende a própria imagem, e a própria tabuada de razões ideológicas, radicalmente comprometidas com a reprodução da ordem que põe tudo em risco.
Não há dialética nem negatividade na existência do coach e sua “teoria” — instrumentalização do pior do elemento subjetivo presente em uma psicanálise. Há apenas aceitação, celebração tácita, adaptação como estratégia de vida, sob o cálculo e o projeto do truque, do golpe ou do balanço malando em meio ao dinheiro, para garantir a sobrevivência nele. Sobrevivência de vida que parte e se resolve no espetáculo, traduzida diretamente em fetichismo da mercadoria, consumo conspícuo.
Vendendo degradação de qualquer metafísica, desde que adaptada a tudo o que existe, o coach é o apoio limite do homem comum, quando ele não vai ao culto coach de uma igreja evangélica…, o amuleto transferencial mundano do filisteu cultural, normal, que, dispensável em todos os níveis da vida que não tenham a ver com mais valor, necessita de alguém que junte os seus pedaços, o pastor profano. Explodido pela própria sociedade esquizofrênica, que não pode negar, pensar em contradição, o cliente do coach o deseja como a liga de seu retorno ao próprio mundo impossível.
O duplo do coach, coach sem nenhum vínculo com o trabalho, é o promoter da vida permanente no gozo generalizado das imagens em fluxo, mas de kicks e de baques, de excitação vazia, o influencer da internet: o vendedor estridente, vulgar no último, de tudo e qualquer coisa que exista, ou seja, que excite alguém. O propagandista, da propaganda que se voltou sobre si mesma. A cultura do coach é a dasobrevivência para a sociedade do espetáculo generalizado, da mercadoria como tudo na vida; a cultura do influencer é a daafirmação imanente da sociedade do espetáculo generalizado, da mercadoria como tudo na vida.
O coachlíder fascista é o que une o seu estatuto de pastor profano com a malandragem feliz de vampirizar qualquer fetichismo, de qualquer produto, fofoca ou crime nas redes, a arte do influencer. Realiza meta-morfose de si mesmo, virando em exemplo degradado, autocelebrado em fusão com a propaganda de tudo, a ser seguido por massas. O coach líder fascista é o líder político das micro-celebridades, auto geradas aos milhares nas redes. Quanto mais ele aparece, mais poderoso ele é, porque neste mundo basta aparecer para ser poderoso.
Vendedor do sonho de si mesmo, o produto do coach fascista, novo líder no limite da degradação política total — da manutenção do capitalismo de fronteira final, de extermínio de ambiente e natureza, porque os humanos já eram faz tempo… — é a venda da própria imagem, a figura de um rico grotesco brilhando, um sádico do gozo da vida má, deliberadamente estúpido, como modelo para a vida geral degradada. O coach político de internet, influencer e mercadoria a um tempo, vende o vento da sua pura excitação, como todo influencer.
Porém, sua excitação é o puro ar de si mesmo, a constelação ideológica positiva de amor sacrificial pelo mercado, ele próprio como o seu produto. De fato, pessoas compram de Pablo Marçal apenas cursos, golpes farsescos, exatamente para serem como Pablo Marçal; e Olavo de Carvalho sabia bem ser um coach fascista. Como no jogo, como dizia Marx, a ideologia vazia e o personalismo de espetáculo fazem o produto-ele-mesmo do coach funcionar diretamente como D-D’ — dinheiro imagem que faz mais dinheiro… — sem nenhuma mercadoria no meio. O coach funcionando como líder fascista é pura identificação, função de espelho do rosto da mercadoria, formula cultural do capital financeiro.
Antes de entrar na disputa política como alternativa verdadeira, pelo sucesso degradante e pela arrogância de vencedor em mundo de derrotas totais, o coach amealhou milhões de miseráveis do destino e da cultura, da vida e da história, em suas redes sociais na internet, de fato suas redes pessoais. Milhões de compradores do ar do coach, tentando reproduzir o seu brilho e sua riqueza mágica configuram de fato a sua indústria cultural particular.
De fato, milhões de demenciados de mercado, aos quais o novo malandro industrial, que aposentou a navalha, opera por desejo como entretenimento, como fantasia de ganho pela submissão ao seu desejo. Pagando pelo ar do coach, os milhões de idiotas do mundo como ele é confirmam pela raiz o seu poder: fundamentalmente o desejam.
A política do desejo, das coisas, do dinheiro circulante, e de seu show, se confirma absolutamente no desejo do coach. Ele tem seu próprio partido político, sua indústria cultural de propaganda fascista, sua rede de milhões de seguidores o desejando, e desejando ser o coach — que não é nada se não isso mesmo. Tais militantes e ativistas pagam milhões pela indústria cultural da personalidade, para que o coach apareça para eles como milionário, pelo desejo radical que isto exista.
Porque o mundo é isso, produção de riqueza sobre a produção de massas de excluídos, que pagam pelo acesso, quando não exterminados. Dono de um partido de massas da venda de si mesmo como a política do real, das coisas da vida social arruinada, o coach político de massas é a condensação da coisa cultural do neofascismo, esta nova ordem de razões políticas que intriga a tantos.
O coach é o vendedor na rede de uma pirâmide de si mesmo, em que ele é a imagem, o modelo e a mentira de que sua riqueza ridícula estará acessível a todos. Basta todos reconhecerem isso, e seu golpe neoliberal total, de sua excitação vazia de palhaço pop grotesco, chegará ao poder, o seu verdadeiro lugar, como Javier Milei na Argentina e Pablo Marçal tentando o golpe em São Paulo.
Basta ser como o coach, diz o coach, e para isto é preciso que a massa se cale e o assista, e ele enuncie sozinho sua violência antipolítica como política. É preciso ser como ele, por isso é ele quem fala. Por um naco imaginário da riqueza, e para pertencer ao código do dinheiro, palhaços de um circo pegando fogo tendem a entregar tudo ao coach. Como já entregaram quando compravam seus cursos, que não são nada. Por não ter nada a oferecer no âmbito da história, o coach só pode causar, chamar a atenção para si mesmo como um palhaço da indústria cultural que tem nas mãos, que de fato é.
Mentir a mentira que excita, ousadia tática e sádica, que convoca a atenção exatamente porque todos sabem que é mentira. Sua mentira política é apenas uma aposta, em um jogo vazio de verdade, pleno de poder que gera poder. Sua performance, da qual depende, é sua traumaturgia.
Com este choque vazio, se convoca a massa, submetida ao desejo do coach mercadoria. Um povo que deseja o fascista brand new, o espírito vazio do capitalismo como golpe e como crime, e seu grande líder, a vida pública da política como sonho de um coach.
Tales Ab´Sáber é professor do Departamento de Filosofia da Unifesp. Autor, entre outros livros, de O soldado antropofágico (Hedra). [https://amzn.to/4ay2e2g]
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