17 dezembro 2018

Conservadorismo tático


Costumes e comportamentos obsoletos demoram décadas para mudar
Muitas opiniões e ideias antigas impregnaram o inconsciente individual e coletivo do futebol
Tostão, na Folha de S. Paulo

Percebo que muitas opiniões e ideias antigas, que têm sido progressivamente mudadas e abandonadas, continuam ainda repetidas por vários treinadores e comentaristas, mesmo pelos que estão atualizados, ex-atletas ou não. São vícios que, por longo tempo, impregnaram a mente e o inconsciente individual e coletivo do futebol.

As pessoas repetem compulsivamente. O mesmo ocorre na vida social. Costumes e comportamentos obsoletos demoram décadas para serem substituídos.

Há dezenas de exemplos. Um deles é a excessiva dependência dos clássicos meias de ligação, centralizados, que atuam entre o meio-campo e o ataque e que não participam da marcação. Nesta época de contratações, são os mais desejados.

Quando um time atua mal, sempre falam que falta um camisa 10, para "assumir a responsabilidade", "colocar a bola debaixo do braço" e outros clichês.

Na difícil conquista do Athletico, nos pênaltis, da Copa Sul-Americana, o que mais escutei foi que o bom meia Raphael Veiga não fazia a transição da bola do meio-campo para o ataque, como se ele fosse o único responsável. Mesmo assim, foi dele o belo passe para o gol de Pablo.

Na maior parte do jogo, o Junior Barranquilla foi melhor, criou várias chances de gol e ainda perdeu um pênalti.

Está cada vez mais frequente os rivais sul-americanos terem mais o domínio da bola, trocarem mais passes e mostrarem mais habilidade que os brasileiros, que priorizam a marcação, as bolas longas e os contra-ataques.

Isso ocorreu recentemente nos jogos de Cruzeiro, Palmeiras e Grêmiocontra River Plate e Boca e também nos amistosos entre as seleções sub-20 do Brasil e da Colômbia. Isso é preocupante.
Enquanto os times brasileiros sonham com um clássico meia de ligação, quase todas as melhores equipes do mundo não têm esse tipo de jogador. Atuam com um trio no meio-campo, formado por um volante e um meio-campista de cada lado, que marcam como volantes e avançam como meias, em vez de ter dois volantes em linha e um meia centralizado, avançado.

Quando as grandes equipes perdem a bola, marcam com cinco no meio-campo (três armadores e um jogador de cada lado), e, quando a recuperam, atacam com cinco (dois dos três armadores, os dois pelos lados e o centroavante), além do avanço dos laterais.

Dias atrás, escutei um comentarista atualizado dizer que os volantes precisam ser rápidos para fazerem a cobertura dos laterais. Essa é uma estratégia obsoleta. Ele não disse por que não sabe, e sim por que escuta, há décadas, esse conceito. Repete, automaticamente.

Atualmente, a marcação pelo lado é feita pelo lateral e pelo ponta que recua. Quando a bola é lançada nas costas do lateral, é o zagueiro daquele lado que faz a cobertura, pois está de frente para a bola. O volante é jogador de meio-campo. Não é apenas protetor de zagueiros e de laterais.

Atualizar-se não é desprezar o passado nem ser modernoso. Muitas coisas antigas continuam presentes e atuais. Às vezes, é necessário adaptá-las à realidade de hoje. Por outro lado, há muitos conceitos e condutas antigas, ultrapassadas, que são repetidas com a justificativa de que são práticas de experientes profissionais.

A experiência é importante, ilumina, desde que acompanhada por novos conhecimentos. Em muitas ocasiões, como escreveu o memorialista Pedro Nava, "a experiência é um farol voltado para trás". Na frente, continua tudo escuro.
Tostão
Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.
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