18 janeiro 2025

Editorial do 'Vermelho'

Trump toma posse com ameaças externas, tensões internas e apoio à extrema-direita mundial
Além das políticas extremistas em âmbito interno e na relação com seus aliados, o governo Trump terá como alvo a pujança da China socialista e suas alianças.
Editorial do ‘Vermelho’

 

A posse de Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos é aguardada com apreensão. Ele terá a mesma missão dos demais presidentes que ocuparam a Casa Branca nas duas últimas décadas, democratas ou republicanos, que tentaram reverter o declínio relativo da hegemonia do imperialismo estadunidense no sistema de poder mundial, enfrentando a sua contraface, o protagonismo e a relevância crescentes da República Popular da China.

Não se deve esperar, todavia, uma espécie de mais do mesmo do primeiro mandato de Trump, por uma série de motivos. O principal é o cálculo de setores do Estado, dos monopólios financeiros e econômicos, do setor de tecnologia e inovação e da poderosa máquina de guerra de que pode estar se aproximando o ponto em que a reversibilidade do declínio dos Estados Unidos se tornará cada vez mais difícil.

Tal diagnóstico explica a conduta de Trump, que se elegeu e toma passe sob o compromisso de desencadear uma ofensiva, com mais contundência e agressividade, para impor os ditames e interesses dos Estados Unidos ao mundo. Pode-se esperar uma realidade mundial mais instável, conturbada e perigosa, pois haverá resistências ao pretenso rolo compressor trumpista, ao mesmo tempo em que crescerá as contradições em seu próprio país.

O slogan de sua campanha, Make America great again (Fazer a América grande novamente), passa recibo, declaradamente, da perda de força da economia estadunidense e de suas cada vez maiores dificuldades para impor com mão de ferro seus interesses goela abaixo a grande parte do mundo. De fato, há uma queda da participação dos Estados Unidos na economia global, pela chamada paridade de poder de compra, de 21% em 1990 para os atuais 16%.

Trump assume com larga base social interna, com maioria no Senado, na Câmara e na Suprema Corte e com uma fila de magnatas de gigantescos monopólios prestando-lhe continência. Parte deles, como Elon Musk e Mark Zuckerberg, engatam suas megas empresas ao projeto de poder da extrema-direita. Mas Trump não reinará com poderes absolutos, como se fosse um Luís XIV do século XXI.

O trumpismo, variante da extrema-direita mundial, elevará internamente as contradições de uma sociedade permeada por forte desigualdade, uma estrutura de poder com legitimidade esgarçada, com oposição de setores da mídia tradicional. Enfim, um país crivado por tensões e divisões. As medidas por ele anunciadas, como a restrição severa à imigração, com a consequente elevação do custo da força de trabalho, e taxação de produtos importados agravarão a situação interna, com impacto na pressão inflacionária.

Trump promete, já nas primeiras horas de seu governo, uma centena de decretos e ordens administrativas, demonstrando que não é apenas um cão que ladra. Adota, no tema da imigração, uma caçada, com deportações, militarização da fronteira e retomada do muro na divisa com o México. Na esfera da economia, anuncia a materialização das primeiras taxações a produtos importados. Mesmo com a Califórnia ardendo em chamas, comunica que novamente retirará os Estados Unidos do Acordo de Paris.

Também na política de guerras contra os povos há potencial de divisão interna, como se viu no recente cessar-fogo entre o Estado de Israel e o grupo palestino Hamas, com Trump e o presidente Joe Biden disputando o crédito das negociações, ambos manifestando hipocrisia, pois quando se trata de fazer guerras imperialistas democratas e republicanos se equivalem.

Aquela guerra para fazer prevalecer a hegemonia dos Estados Unidos no Oriente Médio já matou mais de sessenta mil pessoas, a maioria crianças e mulheres, e se estendeu para o Líbano. A ela se somou o uso de grupos terroristas para derrubar o governo Bashar al-Assad na Síria. Os perigos de guerra que rondam o mundo de maneira cada vez mais intensa podem ser vistos também na Ucrânia, vítima das maquinações da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), sob as rédeas do governo dos Estados Unidos.

O trumpismo também aumentará as fricções – e mesmo choques – com aliados tradicionais, em particular da Europa, a quem pretende impor uma vassalagem imperial. Ele se apresenta para ser a força-líder da extrema-direita mundial, abarcando vertentes neofacistas. Já deu provas, mesmo antes da posse, de que apoiará, escancaradamente, forças de extrema-direita pelo mundo afora para que elas assumam governos ou cresçam para enfraquecer os que a ele não se submetam.

Elon Musk, membro do governo Trump, faz campanha aberta e direta para a Alternativa para Alemanha (AfD), que abriga bolsões neonazistas e está em segundo lugar nas pesquisas na disputa das eleições marcadas para fevereiro. Na América do Sul, ele tem relações diretas com o presidente da Argentina, Javier Milei, e com o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

Além das políticas extremistas em âmbito interno e na relação com seus aliados, o governo Trump terá como alvo a pujança da China socialista e suas alianças. Marco Rubio, indicado na política externa, fez, durante sabatina no Senado, ataques violentos ao Partido Comunista Chinês, enfatizando que a China é a “maior ameaça” que já existiu, superando inclusive a União Soviética. Disse também que a América Latina terá maior destaque na política externa, demarcando, igualmente de forma agressiva, a posição de extrema-direita trumpista em relação a governos de esquerda – sobretudo de Cuba e Venezuela – e movimentos progressistas.

Na contraface, a China acaba de divulgar que atingiu, em 2024, superávit comercial de quase US$ 1 trilhão, recorde mundial no último século, superando potências exportadoras como Alemanha, Japão e Estados Unidos. Suas forças produtivas, com base na tecnologia de ponta, prosseguem avançando. Na esfera da geopolítica, o país avança com suas alianças, formando conjuntos de nações que se agregam em torno da bandeira do desenvolvimento soberano e da construção de uma nova ordem multipolar.

Pode-se citar como exemplos desse avanço chinês, com base no desenvolvimento compartilhado, a nova configuração do BRICS, com o acréscimo do “plus”, agregando uma ampla gama de países, o acordo de Cooperação trilateral na 22ª Cúpula da Organização de Cooperação de Xangai e outras iniciativas no âmbito do projeto chamado Novas Rotas da Seda, também conhecido como O Cinturão e a Rota.

A posse de Trump, portanto, inaugura uma nova fase da luta política em âmbito mundial. Ele comandará um império em crise, que se ergueu numa ordem imposta pela concentração de capital em monopólios privados, consolidou-se pelo intervencionismo político-militar e se enredou em suas próprias contradições, agravadas pela hipertrofia financeira. E enfrentará os países dispostos a contestar e a enfrentar a ofensiva que se anuncia, pactuando e fortalecendo blocos e parcerias.

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