Duas obviedades
Janio de Freitas, Folha de S. Paulo
Foi preciso que estrangeiros reagissem à aceleração do
fogaréu amazônico, incentivada e protegida pelo governo de Jair
Bolsonaro.
Há mais de um ano, ou desde o início da sua campanha eleitoral,
Bolsonaro ataca a preservação do ambiente, em especial a da Amazônia.
Ataca a proteção à vida indígena e suas reservas florestais. Ataca os
ambientalistas, as ONGs e todos os que defendam o patrimônio natural.
Esse Bolsonaro só foi contestado pelos que lutam sem poder. A
classe socioeconômica que condiciona a gestão do país nem desviou os olhos da
Bolsa. E só abriu os ouvidos para as promessas de privatização e de “reformas”
a seu favor.
No governo, Bolsonaro começou por entregar o meio ambiente a um
antiambientalista —Ricardo Salles,
advogado, condenado em primeira instância por crime de improbidade quando
secretário do Meio Ambiente (por um ano) de Geraldo Alckmin.
Logo foi posta em prática a essência do novo governo, definida
por Bolsonaro: “Eu não vim pra construir, eu vim pra destruir isso que taí”. O
que sempre inclui mais do que serviços e organizações: também pessoas e, claro,
patrimônios públicos.
O desmonte dos sistemas e entidades de estudo, fiscalização e
proteção do ambiente natural, sobretudo o amazônico, iniciou-se pelo corte
descriterioso de verbas. E já, em muitos setores, pela consequente paralisação
também por demissões e admissões desastrosas. A tal ponto que o Ministério
Público Federal decidiu investigar a habilitação dos nomeados para as cúpulas
desses organismos.
Os primeiros efeitos da política antiamazônica mostraram-se
quase de imediato: madeireiros, pecuaristas e garimpeiros viram-se livres de
fiscalização e agiram.
A imprensa estrangeira noticiou e criticou o descumprimento de
acordos internacionais pelo governo brasileiro. E acompanhou, no destaque e no
tom, cada registro de maior desmatamento. Bolsonaro e os seus militares
responderam como os flagrados de sempre.
General Villas
Boas, quando comandante do Exército, patrocinador da candidatura
de Bolsonaro:
“Essa campanha externa tem interesses por trás”. E, pela frente, motosserras e
um governo a incentivar os madeireiros criminosos, aos três meses de mandato,
com a proibição da queima dos seus caminhões apreendidos.
General Augusto
Heleno: “Essas publicações prejudicam muito o Brasil”. Não notou que
o desmatamento, não a publicação, é que prejudica. Trata-se, pois, de ação
mal-intencionada da imprensa, explicação que culmina em piromania de ONGs a
colorir a mente opaca de Bolsonaro.
Não há como escapar à responsabilidade de Bolsonaro pelo fogaréu
amazônico.
Confirmada na absoluta omissão de medidas de combate aos
incêndios e incendiários, mesmo depois das insultadas suspensões de ajuda alemã
e norueguesa.
Só com a atribuição de crise internacional ao horror amazônico
foi sugerido o remendo de soldados no papel de bombeiros. Medida útil para
disfarçar a concordância dos militares bolsonaristas com a política
antiambientalista e anti-indígenas na Amazônia.
A Fiesp de Paulo Skaf alerta o mundo de que “o Brasil exige
respeito” ou, do contrário —bem, do contrário, vários no mundo suspendem
compras no Brasil e suas vendas para cá, por exemplo.
Seria pouco, comparado ao que podem. E nisso se mostra o tamanho
da contradição em que os militares entraram.
A Amazônia substituiu a Argentina na guerra hipotética que, aqui
como no mundo, alimenta o pretenso sentido das forças militares.
Supostas ou reais ambições estrangeiras sobre a Amazônia têm
sido a obsessão nas últimas décadas. Estrangeiros a distância, portanto. E, no
entanto, é o governo marcado pela presença militar, numerosa e importante, que
excita e atrai inquietações externas, sejam quais forem, para a Amazônia.
É improvável que nesta altura não haja, nos Estados Unidos e na
Europa, cabeças especulando sobre controles internacionais. O Brasil não teria
força, de espécie alguma, para impedi-los por si mesmo.
Duas obviedades de dimensão amazônica em Jair Bolsonaro e seu
governo. Uma, o descumprimento de obrigações determinadas pela Constituição,
para o meio ambiente e outros fins; outra, o desrespeito a tratados
internacionais. Daí resultante, a permissividade concedida à exploração ilegal
da Amazônia, cerceada até a aferição científica do dano territorial, tem
relação íntima com crime de responsabilidade. Ou lesa-pátria.
Jair Bolsonaro pôs o mundo contra o Brasil.
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