06 outubro 2019

Coisas do nosso futebol


O acaso trocou de lado
Tostão, Folha de S. Paulo


A primavera chegou, e os ipês estão lindos pelas ruas de Belo Horizonte.
Grêmio e Flamengo foi mais que um grande jogo. Foi um palco para reflexões. Continuo o assunto, embora já tenha sido amplamente debatido e comentado.
A superioridade do Flamengo no primeiro tempo foi enorme, o que não tinha visto um time visitante fazer contra o Grêmio.
O Flamengo, compacto, com pouca distância entre o jogador mais recuado e o mais adiantado, todos articulados, próximos, pressionava quem estava com a bola e a recuperava com facilidade. O Grêmio não viu a bola.
O Flamengo, longe de ter a mesma qualidade individual, me lembrou do Liverpool e do Manchester City, times diferentes, que jogam o melhor futebol coletivo do mundo e que têm em comum a recuperação rápida da bola.
Na segunda etapa, o Flamengo diminuiu a intensidade, e o Grêmio melhorou. Faltou Maicon, que entrou na metade do segundo tempo e deu um passe preciso para Everton cruzar e Pepê empatar.
Meio-campistas, como Maicon, articuladores, que têm ótimo passe e domínio da bola, foram renegados por um longo tempo, porque não eram volantes nem meias ofensivos. Isso tem mudado lentamente. 
Nos últimos anos, surgiram ótimos meio-campistas, que continuam sendo chamados de segundos volantes, como Arthur, Matheus Henrique, Bruno Guimarães e outros. Gérson, que era um razoável ou um bom meia-atacante, habilidoso, é hoje um excelente meio-campista. Sonho com um craque do nível De Bruyne no futebol brasileiro.
Os milimétricos lances que têm decidido as partidas por meio do VAR, em vez de tornar o futebol mais digital, matemático, como parecia, aumentaram ainda mais a importância do imponderável, dos mínimos detalhes e do acaso.
Por causa de um dedo do pé mais avançado, acontecem vitórias, derrotas e criam-se novos conceitos e verdades. O VAR tornou o acaso mais exato, científico. O acaso apenas trocou de lado.
Jorge Jesus e Renato Gaúcho foram tratados como as estrelas do espetáculo.
Existe um fascínio pelos comandantes, especialmente se eles forem vaidosos, exibicionistas e ainda ótimos treinadores.
Enquanto isso, continua a troca de técnicos no Brasil. Terminei a coluna anterior com a pergunta sobre quem iniciava a fritura dos técnicos, as redes sociais ou os programas esportivos. Há exceções, como o Redação SporTV, comandado por Marcelo Barreto, que faz questão de não iniciar essa discussão.
Muitas trocas de técnicos melhoram os resultados, mas isso não é suficiente para fazer uma análise correta, já que o tempo do que entrou costuma ser muito menor que o do que saiu. Além disso, se o técnico demitido tivesse continuado, a equipe poderia melhorar ou piorar.
Entre as inúmeras razões para a troca dos treinadores, uma das principais é, paradoxalmente, a supervalorização dos técnicos. Há uma ilusão nas vitórias e nas derrotas que tudo foi por causa do treinador e que um novo técnico tem a chave e a magia para fazer o time vencer.
Os treinadores reclamam da instabilidade do cargo com razão, mas parecem gostar dessa situação. Apesar de, várias vezes, recorrerem à Justiça para receber o que têm direito e de, com frequência, morar em cidades diferentes, o que prejudica a vida familiar, eles recebem altíssimos salários e, quando desempregados, sabem que, brevemente, surgirá um novo clube para contratá-los.
Tostão - Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina.
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