19 fevereiro 2021

Uma crônica para descontrair

Renitente pontinho branco

Luciano Siqueira

 

Confesso minha incompetência como faxineiro – eu que, dramaticamente, entrei para essa categoria profissional desde o início do isolamento social e devo nela permanecer daqui por diante.

Não enxergo detalhes: uma plumagem aqui, um rastro de pó ali, uma mancha... E quando enxergo, frequentemente travo uma batalha difícil de vencer.

É o que aconteceu há uma semana. Decidido a uma limpeza “completa e exemplar” do banheiro, fui à luta firme e paciente.

- Hoje não ficará nenhum resquício de sujeira!

Eis que no vidro do box divisei um pontinho branco, na dimensão de uma cabeça de alfinete.

Ataquei-o de pronto com a esponja úmida, sem sucesso.

Voltei ao ataque, agora com a esponja embebida em detergente. Resistiu.

Aumentei meu arsenal: agora, a esponja embebida com água e detergente e pasta dental, que Luci orienta como apta a remover toda e qualquer sujeira em vidro.

Esfreguei implacável.

O danado resistiu.

- A essa altura da vida, não posso me deixar vencer por um minúsculo ponto branco impregnado na superfície do box!

Juro que me mirei em Santiago, o experiente e destemido pescador de “O velho e o mar”, de Ernest Hemingway.

- O peixe tinha vida, força e tarimba no enfrentamento do animal humano predador, pensei. Ora parecia se deixar fisgar, ora retomava a resistência com impressionante heroísmo.

O pontinho branco seria o quê?

Tinta, não. Não há registro de pintura no banheiro há mais de 6 anos.

Afinal, como chegou a li e se fixou impávido e resistente?

- Jamais saberei de que matéria é feito nem o porquê da sua índole renitente. Farei uma última tentativa antes de entregar os pontos, se for o caso, e me declarar vencido.

Voltei ao ataque agora com um chumaço de algodão embebido em água sanitária.

Contei 5 minutos.

Retornei com a dita esponja com água, detergente e pasta dental.

Agora, sim! Consegui afinal remover o estranho pontinho, agora diluído na esponja, invisível.

Tanto quanto o fato fortuito, detalhes – como esse pontinho branco – se interpõem às nossas intenções. Na vida, no amor, na ciência, na luta política e na limpeza doméstica.

Lutando e aprendendo.

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