Governo
desviou R$ 52 mi de publicidade da Covid para propaganda de suas ações
Recursos foram retirados da medida
provisória que liberou créditos extraordinários no orçamento para combate da
pandemia
Constança Rezende e Raquel Lopes, Folha de S. Paulo
O governo Jair Bolsonaro desviou
R$ 52 milhões previstos para campanhas com peças informativas sobre o combate
ao coronavírus para fazer propaganda institucional de ações do Executivo.
Os recursos
foram alocados pela medida provisória 942, de abril de 2020. A MP abriu
créditos extraordinários para enfrentamento da pandemia dentro do chamado Orçamento de
guerra, uma modalidade criada para atender despesas urgentes e
imprevisíveis. O mecanismo é permitido em três situações: guerra, comoção
interna ou calamidade, como é o caso da crise sanitária causada pela Covid.
Pela
justificativa da MP, o dinheiro reservado à Secom (Secretaria Especial de
Comunicação Social) tinha "o objetivo de informar à população e minimizar
os impactos decorrentes da proliferação da doença", mas peças
publicitárias entregues à CPI mostram que o dinheiro bancou a divulgação de feitos que
rendem dividendos políticos ao presidente, sem referências a medidas
preventivas contra a Covid.
O desvio é
constado com base em cruzamento de dados enviados pela Secom à Folha, por
meio da LAI (Lei de Acesso à Informação), e à CPI da Covid no
Senado, além de requerimentos de informação entregues à Câmara.
Vídeos de 15 a
30 segundos, áudios e informativos foram veiculados em TV aberta e fechada,
rádio, internet e mídia exterior para enaltecer a liberação de recursos para
pagamento de salários em micro e pequenas empresas e
repasses a estados e municípios.
"O
cuidado com o Brasil e com os brasileiros continua. Liberação de R$ 100 bilhões
em crédito para micro e pequenas empresas", diz uma das campanhas.
Os informes
também trataram de ações relacionadas ao Bolsa Família, ao auxílio
emergencial, à suspensão de pagamento da conta de luz e aos saques do FGTS
(Fundo de Garantia do Tempo de Serviço). As medidas são do
Ministério da Economia.
Há ainda
vídeos sobre compra de
equipamentos, medicamentos e EPIs (equipamentos de proteção
individual), usados por profissionais na linha de frentes. Trata-se, portanto,
de realizações do Ministério da Saúde.
"A
pandemia do novo coronavírus desafia governos em todo o mundo. No Brasil, nós,
do governo federal, trabalhamos para enfrentar o seu avanço e cuidar da saúde
da população. Investimos R$ 16 bilhões na compra de respiradores, ventiladores
pulmonares, equipamentos de segurança e medicação", diz uma peça.
O crédito
destinado ao órgão então vinculado à Presidência da República —hoje atrelado ao
Ministério de Comunicações— seria executado de acordo com a justificativa da
MP.
Para realizar
as campanhas, a Secom precisou do apoio dos Ministérios da Cidadania e da
Saúde, o que prejudicou ações destinadas de fato à saúde pública.
Em
requerimento de informação enviado pelo órgão ao deputado Elias Vaz (PSB-GO), a
Secom explicou que foi necessária a realização de quatro dos chamados TEDs
(termos de execução descentralizada).
Pelo
instrumento, o órgão repassou dinheiro às pastas para pagamento de campanhas de
divulgação das ações do governo. No entanto, Cidadania e Saúde perderam margem
de gastos com publicidade de seu próprio interesse.
A Secom
afirmou, em nota, que as campanhas abrangem diversas áreas impactadas pela
pandemia.
Já a Saúde,
também em nota, disse que as peças contêm orientações de saúde, medidas de
prevenção "e outros temas de balanço do governo federal". Procurado,
o Ministério da Cidadania não respondeu.
Como os dois
ministérios mantinham contratos ativos com a agência Calia, responsável pela
publicidade da Secom, os TEDs foram executados. Dois deles foram pela
Cidadania, nos valores de R$ 6 milhões e R$ 5,3 milhões, e dois pela Saúde, de
R$ 35 milhões e R$ 6,5 milhões.
"Percebendo
o cenário da pandemia de coronavírus e identificando a necessidade de informar
a sociedade sobre as ações do governo federal para minimizar os efeitos da
crise provocada pelo coronavírus, [a agência] apresentou proposta de campanha
publicitária de iniciativa própria", escreveu, no dia 13 de abril do ano
passado, o então secretário especial de Comunicação Social adjunto, Samy
Liberman, ao Ministério da Saúde, em ofício obtido pela Folha.
A Secom,
segundo ele, considerou a proposta adequada e conveniente, "no
entendimento de que cabe ao governo federal manter a população informada acerca
das ações governamentais que estão sendo implementadas em virtude das
consequências que a pandemia trouxe à realidade de todos".
À época a
Secom era comandada por Fabio Wajngarten, que foi
ouvido pela CPI da Covid no mês passado. Um ofício encaminhado à
comissão mostra que as campanhas só foram publicadas no canal do YouTube da
Saúde em 30 de abril deste ano, três dias depois da instalação da comissão.
Em resposta a
outro pedido de TED de Liberman, no dia 3 de julho de 2020, o então secretário
executivo do Ministério da Saúde, Élcio Franco, alertou que a
execução da proposta impactaria o limite contratual para outras campanhas da
pasta que seriam realizadas no segundo semestre.
Como exemplo,
ele citou ações referentes a estímulo de atividades físicas, aleitamento
materno, obesidade infantil, atualização da caderneta de vacinação, pólio, HPV
e outras doenças sexualmente transmissíveis, combate da dengue, doação de órgão
e dia mundial contra a Aids.
Questionado
pela Folha,
o ministério disse que as campanhas Brasil em Movimento, de atividade física, e
DST Sífilis Mulheres não foram realizadas no período. Em nota, porém, a pasta
disse que o tema contra sífilis para mulheres foi abordado na Campanha de
Prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis, no começo de 2020, período
anterior à manifestação de Franco.
Já sobre a
campanha Brasil em Movimento, disse que "está em fase de desenvolvimento
pela Secretaria de Atenção Primária à Saúde (SAPS) da pasta".
CAMPANHAS TRAZIAM ORIENTAÇÕES E MEDIDAS PREVENTIVAS,
DIZ SAÚDE
O Ministério
da Saúde afirmou que as campanhas publicitárias realizadas por meios dos TEDs
(termos de execução descentralizada) foram pagas com recursos da Secom
(Secretaria Especial de Comunicação Social).
"Os
vídeos das campanhas publicitárias do governo federal são disponibilizados na
plataforma YouTube, prioritariamente nos perfis do órgão responsável pelo
assunto, depois de encerrado o período regular de veiculação/divulgação
estabelecido na estratégia de cada ação", afirmou.
A pasta também
defendeu que as peças traziam orientações de saúde, medidas de prevenção
"e outros temas de balanço do governo federal". "Por oportuno,
esclarecemos que as ações publicitárias realizadas pela Secom no contexto do
enfrentamento da pandemia são complementares e se somam aos esforços do
Ministério da Saúde", disse o órgão.
"As ações
executadas abordam aspectos transversais que contemplam outras áreas impactadas
pela pandemia, a exemplo da econômica, sem prejuízo das ações publicitárias
específicas essencialmente de utilidade pública desenvolvidas pelo Ministério
da Saúde, órgão ao qual compete a gestão do assunto."
SECOM AFIRMA QUE CAMPANHAS ABRANGEM DIVERSAS ÁREAS
IMPACTADAS PELA PANDEMIA
Em nota, a
Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) afirmou que as campanhas
relativas ao enfrentamento da pandemia, prevenção e vacinação contra a Covid-19
desenvolvidas pelo órgão "são complementares aos esforços do Ministério da
Saúde, a quem compete executar campanhas exclusivamente de utilidade
pública".
O órgão também
afirmou que as campanhas desenvolvidas pela Secom "abrangem diversas áreas
impactadas pela pandemia e informam sobre as medidas adotadas no âmbito do
Executivo Federal para mitigar seus efeitos e reduzir os impactos na vida das
pessoas".
De acordo com
a Secom, as ações incluem "beneficiários de programas sociais,
trabalhadores, empresas e entre outras categorias, considerando o contexto no
qual foram realizadas".
"Nesse
sentido, as campanhas desenvolvidas pela Secom com recursos do crédito extraordinário
da MP 942 cumprem estritamente os objetivos de informar à população e minimizar
os impactos decorrentes da proliferação da doença, uma vez que dão publicidade
para as ações e serviços disponíveis para as parcelas da população mais
afetadas pela crise sanitária e reforçam as orientações aos cidadãos no combate
da pandemia", afirmou a Secom.
Segundo o
órgão, além do conteúdo específico, "as ações contemplam também
orientações à população no combate da pandemia. Não há, portanto, que se falar
em desvio de objetivos".
.
Veja: Ampliar a frente democrática para evitar o pior https://youtu.be/VKvI9Ht196U
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