30 maio 2022

Crônica da segunda-feira

¿Porque no te callas?

Cícero Belmar*

 

 

A causa, talvez, seja o ano eleitoral. Mas, também, pode ser por conta do mês de maio, que está acabando. O fato é que “eles” começaram a botar as manguinhas de fora. Foi assim: o primeiro ocupou generosos espaços nas mídias sociais fazendo críticas machistas a Anitta; depois, abriu a boca para malhar as leis de incentivo à cultura. Só que o autor das críticas era, ele mesmo, um dos artistas que mais se beneficiam com essas legislações.

Sociólogos e cientistas políticos, tremei! Os cantores sertanejos agora estão opinando. Mais recentemente, um parou o show para alertar os fãs contra a ameaça do fantasma do comunismo. Sabe quando a pessoa fala sem saber o que está dizendo? Igual ao colega, também centrou fogo nas leis de incentivo. A música sertaneja hoje ocupa status de potência no Brasil, mas os seus cantores deveriam fechar a boca.

Deixo bem entendido: não estou sugerindo que eles fechem a boca e parem de cantar. Mas, de certa forma, repito o conselho que o rei João Carlos I, da Espanha, deu ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em 2007: “¿Por qué no te callas?”. Com todo respeito aos fãs dos sertanejos, esses cantores, calados, são ótimos. Bem entendido número 2: quando digo fechar a boca é em termos políticos e de elaboração de crítica social.

Maturidade é se calar quando não se tem o que dizer. No começo dessa reflexão, falei que talvez o mês de maio tenha a ver com tudo isso. Força de expressão, apenas porque este é o mês que tem, entre os seus dias, um em que se homenageia o gênero musical. Para ser mais exato, dia 3, do Sertanejo. Por causa da data, o site do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) publicou um texto em que diz que o “sertanejo urbano” é a preferência nacional. Bacana. Gosto não se discute.

Só porque é homenageado, o representante pode tudo? Não. Mas há quem ouça o que os cantores dizem? Sim. Essa estética musical já atinge todas as classes sociais deste país. O site do Ecad assegura que 48% dos brasileiros gostam da melodia; 27% gostam das letras; 47% se identificam com o ritmo sertanejo (se acham “a cara”); e 40% amam os artistas do gênero. O que os caras falam, influencia.

O texto do Ecad diz ainda que o gênero é quase unânime: “Se em 2011 o sertanejo era uma estrela em ascensão, o top 20 das músicas mais tocadas em rádios em 2020 mostra a sua consolidação”: são 14 entre as 20 mais tocadas em todo o País. Do brega ao romântico, do forró ao arrocha.

Por aí se tire a capacidade de influência dos cantores sertanejos. Na minha singela opinião, eles não vendem somente música. Com suas roupas grifadas, calças coladíssimas às pernas, passam o estereótipo do corpo perfeito e da beleza. O heterossexual, branco, viril, antenado com a moda, cheio de energia, sedutor, como padrão, é quase uma busca política.

Eles fazem a linha “sertanejos urbanos e chiquérrimos”. São personagens para o consumo artístico, como a maioria dos fãs jamais conseguirá ser. Mas, o simples fato de imitá-los já garante o sentido da estética. Eles influenciam no gosto musical, mas também repassam filosofia de vida através de um padrão de beleza e de um modelo de comportamento.

Por isso o agronegócio investe pesado e a televisão diz que agro é pop. Os “influencers musicais”, agora, avançaram o estágio. Em ano eleitoral, resolveram se expressar com palavras faladas, expondo a estética política que representam. Cá para nós, cantando, já estariam em bom tamanho.

*Jornalista, escritor; membro da Academia Pernambucana de Letras

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