O craque costuma antever as jogadas, saber antes
Como ele sabe? Sabendo. Existe um saber que antecede o pensamento
Tostão/Folha de S. Paulo
Continuo na dúvida se os jogadores contratados pelo Botafogo antes do Brasileirão já eram muito bons e não sabíamos, por não serem glamourizados pela mídia, ou se as suas atuações são pontuais, surpreendentes e, provavelmente, não se repetiriam se eles tivessem ido para outros clubes. O Botafogo, com 12 pontos à frente do segundo colocado após a 15ª rodada, é um fenômeno, pois a expectativa era que a equipe ficasse pelo meio da tabela.
Como o Botafogo é um time que não dá show, que geralmente não têm uma enorme superioridade sobre os adversários, que ganha muitas partidas equilibradas nos detalhes, teme-se que lhe aconteça o que ocorre atualmente com o Palmeiras.
A queda no número de bons resultados do Palmeiras não tem sido tanto por causa de diminuição do rendimento. A razão principal é a pequena diferença técnica entre as equipes. As vitórias estão muito próximas das derrotas. Todas as equipes, com exceção do Botafogo, têm alternado bons e maus períodos no Brasileirão.
Além do equilíbrio entre as equipes, os reservas do Palmeiras em várias posições são muito inferiores aos titulares. Alguns contratados não têm jogado bem quando escalados, e vários jovens corretamente prestigiados pelo treinador estão abaixo da expectativa. O garoto Endrick, uma grande promessa, ainda não mostrou o enorme talento que exibiu nas categorias de base.
No Fla-Flu, os dois times jogaram abaixo da expectativa. Sampaoli continua bastante inquieto, ousado, inventivo, promovendo mudanças na equipe de acordo com o adversário. Porém, algumas vezes, toma decisões confusas e incompreensíveis, uma das principais razões da irregularidade das equipes sob o seu comando. Sampaoli costuma tornar complexo o que é simples.
Já Dorival Júnior, que faz mais um bom trabalho, geralmente torna simples o que é complexo. Simples, não no sentido de medíocre, comum, feijão com arroz, sem criatividade. Simples, no sentido de clareza, de objetividade, de concisão, de fazer as escolhas certas.
Assim ocorre também com os jogadores. Muitos são habilidosos, capazes de executar lindas jogadas, de criar efeitos especiais, de impressionar, mas não terminam bem os lances por falta de melhor técnica, de lucidez, e por tomarem decisões erradas. Parecem craques, mas não são.
O craque não parece, é. O craque costuma antever as jogadas, saber antes dos outros. Como ele sabe? Sabendo. Existe um saber que antecede o pensamento. Ele sabe, mas não sabe que sabe. Os neurologistas dizem que é uma inteligência espacial, cinestésica, de movimento.
A grande escritora Clarice Lispector era obsessiva pelo instante, pelo que está por trás do pensamento. "O instante é um pirilampo que acende e apaga. O presente é o instante em que a roda do automóvel em alta velocidade toca minimamente no chão. E a parte da roda que ainda não tocou, tocará num imediato que absorve o instante presente e torna-o passado. Eu, viva e tremeluzente como os instantes, acendo-me e me apago, acendo e apago. Mais que um instante quero o seu fluxo."
LEMBRANÇAS
Quando era jovem e atuava no Cruzeiro, eu levava para a concentração meu toca-discos portátil para escutar no vinil as músicas de João Donato, Chico Buarque, Milton Nascimento e Fernando Brant e tantos outros craques. No meu último ano no Cruzeiro, tive a ótima e deliciosa companhia do garoto Palhinha, que se tornou um excepcional jogador. Meus sentimentos às famílias de Palhinha e João Donato.
[Ilustração: Rubens Gerschman]
No Brasil, 20% dos jovens não estuda nem trabalha, apesar de metade da população ter concluído o ensino médio https://tinyurl.com/2hv4t36g
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