Notas sobre a ferrovia TransnordestinaFernando Teixeira*/Diário de Pernambuco
É indiscutível a relevância do papel das ferrovias na história das nações. Que o digam a escala e a velocidade do progresso norte-americano no transcurso dos séculos XIX e XX, notadamente a partir de 1830, quando os EEUU adotaram o transporte ferroviário como peça-chave de seu crescimento socioeconômico.
Em terras brasileiras, a presença dos trilhos e das locomotivas também inicia-se no século XIX, com a instalação, em 1854, dos 14 Km da estrada de ferro Mauá (Porto de Mauá – Fragoso), no Rio de Janeiro, um acontecimento, à época, que traduzia o prenúncio de uma trajetória exitosa do setor ferroviário, mercê de esperados reflexos positivos sobre a vida nacional.
De 1854 a 1960, ainda que em marcha nem sempre pacífica, é verdade que o Brasil alcançou o respeitável patamar de reunir cerca de 38 mil Km de trilhos implantados. Infortunadamente, um período logo sucedido por agudo declínio, no arrasto quer da escassez de investimentos, quer da deficiente gestão das redes ferroviárias, quer da desmedida ênfase atribuída ao segmento rodoviário nos anos de 1960 em diante.
Nas últimas seis décadas, aliás, a atrofia sofrida pela estrutura ferroviária, vis-à-vis ao aumento quantitativo das rodovias, exterioriza não só o improducente antagonismo criado entre dois particulares sistemas, mas, no geral, o descompromisso com a racionalidade, com a busca do equilíbrio e da relação complementar e inteligente entre os modais de transporte conhecidos, fatores esses altamente necessários em um país de dimensões continentais e de geografia tão diversificada como é a do Brasil. E todos sabemos, o Nordeste foi atingido em cheio por esse infausto movimento de atrofia, marcado, sobretudo, pelo veloz sucateamento de suas estradas de ferro e respectivos maquinários.
São aspectos de um problema que nos dias atuais reclama soluções urgentes, tal qual como suscita a lide com o caso específico da Transnordestina, projeto em que se vê possibilidades concretas de integração territorial, de fomento de fluxos comerciais, de elevação da competitividade de bens e serviços; ou por outra, um empreendimento que, uma vez bem conduzido, se constituirá em fato portador de futuro para o Nordeste, moldado a corrigir, em matéria de infraestrutura de transporte, muitas das distorções nacionais herdadas pela região.
Não cabe, portanto, encarar a Ferrovia Transnordestina de outro ângulo senão na conta de autêntica política de desenvolvimento regional, desta forma a requerer atenção e tratamento diferenciados, a mais do empenho absoluto de todas as instituições envolvidas com o projeto. E foi essa inspiração, há de se supor, a causa primeira que influenciou decisivamente a formalização do contrato de concessão datado de dezembro de 1997, cujo escopo era, deflagrar ações de recuperação, operação e manutenção da antiga malha da Rede Ferroviária Federal do Nordeste S/A. A rigor, a partir da concessão, almejavam-se intervenções capitaneadas pela iniciativa privada, munidas da capacidade tanto de ampliar e fortalecer elos econômicos entre cidades-polo, capitais e portos dos estados nordestinos, quanto de consolidar a interligação dos mesmos com a Região Sudeste, atravessando Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, conectando-os, afinal, à Região Sul.
O espírito original do projeto continua aceso, a despeito das dificuldades havidas nos anos que se seguiram a 1997, a começar pelo abandono da antiga malha da Rede Ferroviária Federal do Nordeste – S/A. Entre demais percalços, incluem-se: a proposta da Transnordestina Logística S/A – TLSA, em 2013, visando ao seccionamento da rede estabelecida no contrato de concessão; em 2017, a recomendação do Tribunal de Contas da União – TCU em defesa do bloqueio da aplicação de recursos públicos no empreendimento; em 2019, por medida da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, o pedido de caducidade do próprio contrato de concessão; recentemente, em dezembro de 2022, o controverso Primeiro aditivo firmado entre a ANTT e TLSA, restringindo as obras à malha Eliseu Martins (PI) – Salgueiro (PE) – Porto de Pecém (CE).
O aditivo pactuado em 2022 encerra uma escolha injustificável, porque sacrifica de modo cabal a ideia da integração entre estados nordestinos ao descartar o ramal Salgueiro – Porto de Suape, em Pernambuco. Registre-se, a propósito, que é precisamente este o ramal que detém melhores características no sentido de viabilizar a desejada conexão do Nordeste com os portos das regiões Sudeste e Sul, sobretudo em função das vantagens locacionais de Suape. Em resumo, ele serve aos dois grandes objetivos que sempre nortearam o projeto, isto é, a realização da coesão econômico – territorial interna e também a do intento da conexão regional com outras malhas e portos de influentes unidades federativas do país, como já ficou ventilado.
Se a hora é de afirmação da vontade política, fonte da determinação da sociedade de fazer da Transnordestina um investimento gerador de amplos e robustos aspectos socioeconômicos, outro rumo não existe a não ser o de retomar as bases e tratativas que desaguaram na concessão celebrada em 1997, reexaminando o processo, no seu todo ou em parte, se indispensável for. Nessa ordem de decisão, voltando as atenções para o Primeiro aditivo de dezembro de 2022, reintroduzir e priorizar o ramal Salgueiro – Suape no desenho da malha que, ao fim e ao cabo, poderá, inclusive, ser objeto de novo contrato de concessão ou autorização. Esse ramal, porquanto variável de peso em favor da redução do “Custo Nordeste”, é clausula incontornável para atender a outros tantos e elevados interesses do desenvolvimento regional.
No debate sobre a ferrovia que ora recomeça, que vença o bom senso; que prevaleça a solução ótima para o país e para o Nordeste. Nada mais, nada menos!
*Engenheiro, Presidente do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias de Pernambuco - FIEPE, Membro do Conselho Temático de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria - CNI e Presidente Regional do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada e Infraestrutura - SINICON/PE.
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