06 julho 2025

Uma crônica de Ruy Castro

O massacre ao escrever ou falar
Você sabia que na bandeira brasileira está escrito 'Independência ou morte'? Bem, eu não sabia
Ruy Castro/Folha de S. Paulo 

Não somente os seres humanos são vítimas de torturas. As línguas também, e a nossa passa por uma dura fase de espancamentos impressos ou ao microfone. Aqui vai um apanhado de erros de grafia, prosódia ou simples lógica perpetrados nos últimos tempos por profissionais que vivem de escrever ou falar, recolhidos pelo severo escritor e poeta Alexei Bueno. Tirando pelo meu, posso imaginar o suplício aos olhos e ouvidos de Alexei. Exemplos.

Um articulista se referiu a "acidentes com morte grave". Outro, ao "Monumento das Pracinhas", no Rio. Um comandante russo "acordou morto na Ucrânia". Petrópolis fica "no litoral do Rio de Janeiro". E o rio Sena, "no interior da França" —de fato, onde mais? O ministro do Supremo tomou uma decisão "monocromática". O país tal tem uma "cultura cosmopolitana". Certo "navio misterioso" era "um submarino nazista". Famosa escritora gaúcha é "filha de descendentes alemães". E Manaus, ultimamente, "não tem registrado quedas de chuva".

Já no rádio e na TV, o pessoal não consegue se entender com os acentos. Pilotis torna-se "pilótis". A "Ilíada" é a "Iliada". O relógio é da marca "Patek Phíllipe". Obus é "óbus". Timor é "Tímor". O Arroio Chuí é o "Arroio Chui". Medellín é "Médellin". Cartago é "Cártago" (e seus habitantes, cartaguineses). Qualquer nome estrangeiro de qualquer língua, mesmo a alemã, é pronunciado à inglesa: Wernher Von Braun transfigura-se em "Uérner". A Luftwaffe, em "Luftuáffe". E bunker, não tem jeito, virou "bânquer". Escreve-se também à inglesa: "eventually" (por fim) virou "eventualmente"; "troops" (soldados) agora são "tropas".

Não é só na língua —a turma tropeça também na história. "Após fugir da escravidão no Rio de Janeiro, Luís Gama foi para São Paulo tentar uma vaga na USP". Tiradentes "foi enforcado na praça Tiradentes, em Ouro Preto". Cristo "foi crucificado na montanha do Gólgota". E, claro, "todos sabemos que na bandeira brasileira está escrito ‘Independência ou morte’".

Bem, eu não sabia. Vivendo e aprendendo.

[Se comentar, identifique-se]

Graciliano Ramos e o texto no tempo das redes https://lucianosiqueira.blogspot.com/2025/06/expoente-da-literatura-brasileira.html 

Nenhum comentário: