Niemeyer que o Recife desrespeitou
Sérgio Augusto Silveira*
Ninguém pode esconder. As elites donas do poder em Pernambuco sempre viram o arquiteto Oscar Niemeyer como um sujeito envolvido com o comunismo internacional. Mantiveram-se em eterna atitude de suspeita quanto aos gestos daquele arquiteto carioca filiado ao Partido Comunista. Inaginavam que ele também trabalhava e produzia sob as ordens de Moscou, mesmo quando começou a reunir-se com o presidente eleito em 1955, Juscelino Kubitschek, para traçar as linhas da nova capital brasileira no planalto central.
Os observadores mais atilados, criativos e sem preconceitos viam os traços e as obras de Niemeyer serem erguidas, antes da grande obra brasiliense, como uma expressão da inquietude do arquiteto, que não admitia ter que se alinhar, disciplinado, com as linhas e formas ditas modernistas, surgidas no mundo nas décadas de 1920 e 1930. Linhas que Nemeyer via inexplicavelmente secas, retas demais e empobrecedoras da estética nos traços das edificações.
Ser moderno, na prancheta, devia necessariamente ser seco e destruidor da graça e beleza? (já ia escrevendo leveza, lembrando das palavras do poeta Ferreira Gullar). Sua resposta era e é não. Essa foi e é uma postura que nos faz lembrar também do poeta pernambucano Joaquim Cardozo, que absorveu o tal modernismo. No entanto, mesmo usando à miude expressões técnicas em seus versos, não fez de sua poesia um pedaço de pau, de pedra, de toco sozinho.
As linhas do arquiteto – que se espalham em obras pelo mundo e que fez Ferreira Gullar definí-las como a descoberta de que a arquitetura é leve, parecendo flutuar – fez aquele Oscar cinquëntão, antes de Brasília, a desenhar e erguer, em 1956, uma arrojada casa com traços leves e funcionais no Recife, situada à avenida Boa Viagem, na altura do nº 1850. Era a residência do cidadão Vicente de Paula. Só que essa cidade não tinha, na ocasião, a mínima noção da importância de tal obra, pois o que interessava era mostrar poder e grana para contratar alguém de fora para construir.
Pois bem, cerca de 23 anos depois, a construção assinada por Oscar Niemeyer – autor de obras magníficas que não precisamos ficar aqui enumerando – foi destruída em nome da cega e poderosa exploração imobiliária para que, no lugar, fosse erguido um prédio desses que se vê por aí, acinzentando o horizonte do Recife. Dentre as conversas e esboços que autoridades locais tiveram com o arquiteto, até hoje nenhuma foi erguida. Só conversa. Vai permanecer assim? A única obra de Niemeyer erguida aqui, foi destruída.
No entanto, ao ser entrevistado na semana passada pelo Jornal do Commercio, do Recife, em nenhum momento foi perguntado a ele o que pensa daquela destruição. Ficou-se na amenidade, como querendo poupar de polêmicas o centenário cidadão do mundo...e a memória desta cidade. Não se deve, de forma alguma, sair dizendo que aquela casa de Boa Viagem era uma obrinha secundária, sem importância para o autor. Nada disso. O que prevalece é o fato de a obra ter sido traçada e assinada pelo arquiteto que já tinha no País erguido Brasília. Acham pouco? Os constru-destruidores da cidade, em 1989 acharam pouco.
Talvez porque, para eles, obra de comunista tem que ir abaixo, principalmente se estiver impedindo a passagem dos grandes lucros das imobiliárias. Como não é de guardar rancor ou raiva de ninguém, Niemeyer não falou desse crime contra a história da cidade. Inclusive porque quem teria que provocá-lo era a reportagem, que não o fez.
* jornalista
Um comentário:
Olá Luciano.
Meu nome é Rolando Figueiredo e estudo a obra pré-Brasília de Oscar Niemeyer. Apenas recentemente me deparei com a existência desta residência Vicente de Paula, que de fato lembra muito o projeto do mesmo arquiteto para a escola Júlia Kubitschek em Diamantina.
Gostaria de obter mais informações sobre a casa. Você sabe onde posso encontrar mais sobre ela? Ou alguém que saiba?
Agradeço desde já!
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