15 abril 2021

Crônica urbana

Ônibus na pandemia

Melka*

 

Desde o início da pandemia em 2020, parei de usar o transporte público, o ônibus era quem me levava ao trabalho todos os dias. Mas devido a questão de segurança, comecei a usar o carro, que preferia não usar, por várias questões. 

Só que vez ou outra, preciso usar ônibus e eu sinto tanta coisa, é como eu costumo dizer, se quiser conhecer o povo, tem que andar de ônibus (ou metrô). É lá que nosso povo se encontra e a vida acontece, já pensei até em escrever um livro de crônicas com histórias ouvidas nos ônibus, se tem contato mais próximo, desconheço. 

Só que estamos na pandemia e esse é o problema, o contato que os transportes públicos promove. Tá errado. Nessa semana, soube que um irmão de um colega de trabalho morreu com covid, foi três dias entre internar e evoluir pra morte, ele era motorista de ônibus, e foi quando me perguntei "quantos motoristas de ônibus morreram nessa pandemia?" Eu não sei. Mas o fato é que se eu que sou enfermeira estou exposta na enfermaria de covid do hospital, nos ônibus eles estão tão expostos quanto eu, na verdade estão mais.

Os motoristas de ônibus deveriam estar na primeira fase de vacinação e eu me atrevo a defender, antes mesmo que professores e professoras, porque se as aulas pararam e é verdade que existe grande pressão para o retorno, os motoristas nunca pararam, estão na linha de frente, transportando quem sabe pelo menos algumas pessoas contaminadas, todos os dias. É muito triste.

No outro dia, fui de ônibus pra o trabalho e o que eu senti foi: revolta pelo preço da passagem, indignação pela dupla função do motorista e pela falta de disponibilidade de sequer um burrifador de álcool, vontade de levantar que nem uma doida e começar a falar com as pessoas sobre a pandemia e o governo Bolsonaro. Eu me senti muito impotente.

A passagem, meus amigos e amigas, meus camaradas, está muito cara, nosso povo está sem trabalho e renda, e quem tem alguma renda ainda sofre com o alto custo da mobilidade, os motoristas dirigem passando troco e liberando catraca, as pessoas estão em contato em cada e qualquer viagem de maior ou menor duração, o vírus está circulando nos transportes públicos. É o genocídio do nosso povo. Estamos nos matando. E eu não isento aqui nenhum governante sobre sua responsabilidade. 

É de sentir vontade, antes de qualquer um dos sentimentos que tive, de chorar desesperadamente.

*Melka Pinto, ex-presidente da União dois Estudantes de Pernambuco-UEP, é enfermeira na rede pública.

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