11 agosto 2021

Crônica da quarta-feira

Ela, agora, é outra
Cícero Belmar*

 

Eis uma boa novidade que este momento lamentável nos traz: a chamada grande imprensa se vê obrigada a descer do salto e a mudar linguagem e narrativa. Sobretudo quando ela aborda o noticiário político, econômico e de saúde. Até parece que havia veículos antes desta pandemia que trouxe em seu bojo diversas crises; e outros, agora, um ano e cinco meses depois das primeiras mortes pela covid-19 no Brasil.

Se até então a imprensa tradicional era alinhada com o Governo Federal, atualmente faz questão de demonizá-lo. Mas ninguém aqui é criança que se engana com doces. Os jornalões, canais de televisão e emissoras de rádio famosas deram importantes contribuições a este caos.

Sem perder tempo com exemplos comparativos do tipo antes x depois, basta dizer que a mudança tem suas razões. Primeira: o Governo é um desastre, só falta bater em repórter, xinga ao vivo veículos de comunicação e faz acusações graves a eles. Cortou verbas publicitárias de uns para beneficiar outros e ainda diz que tem canais prediletos.

Mas o principal motivo veio da comunicação em si. O isolamento social, que a pandemia trouxe a reboque, reforçou a existência de outro jornalismo, alternativo e independente, nas redes sociais. Ele impacta, sim, na audiência das televisões e emissoras de rádio, e junto aos leitores.

Há um fortalecimento dessa mídia. É ela quem está quebrando a narrativa dos grandes veículos, até então única. Esse jornalismo é feito, também, por profissionais tarimbados que correm por fora, ou por blogueiros que têm fontes privilegiadas. Estão dando show e atingindo enorme público.

Blogs e páginas do Youtube, Instagram, Facebook e outras mídias oferecem opções com informativos e colunistas que fazem comentários, opinam e interpretam fatos. Em geral, são mais transparentes, facilitam o entendimento com abordagens mais livres e linguagem acessível.

Esse jornalismo não depende de verbas de anunciantes. Alguns fazem uma espécie de vaquinha com seus ouvintes e vídeo-espectadores, para sobreviver. Não alimentam a ignorância e não querem formar uma epistemologia neoliberal. Claro que a imprensa privada também tem muita gente séria, mas cada um amarra o burro na orelha do dono.

Ao diversificar a narrativa, o jornalismo do campo independente foca a audiência no conteúdo crítico. Foi um contraponto à grande imprensa e também o motivo que a obrigou a se reposicionar. Seria assim ou perderia audiência e leitor. A mídia alternativa está mais próxima dos sentimento e olhar do povo. Ao se ver na mídia, ao ver os seus sentimentos retratados, a população entende que a imprensa é estruturante da democracia.

Os noticiários de televisão, de rádio e as manchetes dos jornalões, começam a usar uns termos que antes não usavam. Todo mundo, hoje em dia, chama o presidente de mentiroso e de genocida. E muitas vezes os apresentadores leem editoriais no ar. São exemplos que mostram como esses veículos querem se reaproximar das pessoas. Que cremoso!

Não há dúvidas de que tudo isso é desafiador, até porque a grande imprensa está mais acostumada a conviver com o poder. E ainda há muito a aprender nessa convivência com o povo. Ainda que o único objetivo seja apenas manter audiência ou leitores. Talvez essa harmonia seja algo momentâneo e utópico, pois literalmente precisa-se ir além de palavras ditas neste instante profético. Que o respeito, senso de justiça social e solidariedade venham a ser uma estratégia perene das linhas editoriais.

*Escritor e jornalista. Membro da Academia Pernambucana de Letras

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