Ela, agora, é outra
Cícero Belmar*
Eis uma boa
novidade que este momento lamentável nos traz: a chamada grande imprensa se vê
obrigada a descer do salto e a mudar linguagem e narrativa. Sobretudo quando
ela aborda o noticiário político, econômico e de saúde. Até parece que havia
veículos antes desta pandemia que trouxe em seu bojo diversas crises; e outros,
agora, um ano e cinco meses depois das primeiras mortes pela covid-19 no
Brasil.
Se até então a imprensa
tradicional era alinhada com o Governo Federal, atualmente faz questão de
demonizá-lo. Mas ninguém aqui é criança que se engana com doces. Os jornalões,
canais de televisão e emissoras de rádio famosas deram importantes contribuições
a este caos.
Sem perder tempo com exemplos
comparativos do tipo antes x depois, basta dizer que a mudança tem suas razões.
Primeira: o Governo é um desastre, só falta bater em repórter, xinga ao vivo
veículos de comunicação e faz acusações graves a eles. Cortou verbas
publicitárias de uns para beneficiar outros e ainda diz que tem canais
prediletos.
Mas o principal motivo veio da
comunicação em si. O isolamento social, que a pandemia trouxe a reboque,
reforçou a existência de outro jornalismo, alternativo e independente, nas
redes sociais. Ele impacta, sim, na audiência das televisões e emissoras de
rádio, e junto aos leitores.
Há um fortalecimento dessa
mídia. É ela quem está quebrando a narrativa dos grandes veículos, até então
única. Esse jornalismo é feito, também, por profissionais tarimbados que correm
por fora, ou por blogueiros que têm fontes privilegiadas. Estão dando show e
atingindo enorme público.
Blogs e páginas do Youtube,
Instagram, Facebook e outras mídias oferecem opções com informativos e colunistas
que fazem comentários, opinam e interpretam fatos. Em geral, são mais
transparentes, facilitam o entendimento com abordagens mais livres e linguagem
acessível.
Esse jornalismo não depende de
verbas de anunciantes. Alguns fazem uma espécie de vaquinha com seus ouvintes e
vídeo-espectadores, para sobreviver. Não alimentam a ignorância e não querem
formar uma epistemologia neoliberal. Claro que a imprensa privada também tem
muita gente séria, mas cada um amarra o burro na orelha do dono.
Ao diversificar a narrativa, o
jornalismo do campo independente foca a audiência no conteúdo crítico. Foi um
contraponto à grande imprensa e também o motivo que a obrigou a se
reposicionar. Seria assim ou perderia audiência e leitor. A mídia alternativa
está mais próxima dos sentimento e olhar do povo. Ao se ver na mídia, ao ver os
seus sentimentos retratados, a população entende que a imprensa é estruturante
da democracia.
Os noticiários de televisão,
de rádio e as manchetes dos jornalões, começam a usar uns termos que antes não
usavam. Todo mundo, hoje em dia, chama o presidente de mentiroso e de genocida.
E muitas vezes os apresentadores leem editoriais no ar. São exemplos que
mostram como esses veículos querem se reaproximar das pessoas. Que cremoso!
Não há dúvidas de que tudo
isso é desafiador, até porque a grande imprensa está mais acostumada a conviver
com o poder. E ainda há muito a aprender nessa convivência com o povo. Ainda
que o único objetivo seja apenas manter audiência ou leitores. Talvez essa
harmonia seja algo momentâneo e utópico, pois literalmente precisa-se ir além
de palavras ditas neste instante profético. Que o respeito, senso de justiça
social e solidariedade venham a ser uma estratégia perene das linhas
editoriais.
*Escritor e jornalista. Membro da Academia Pernambucana de Letras
Veja: Na
relação de Bolsonaro com as Forças Armadas, separar o joio e o trigo é
necessário https://bit.ly/3xOWa13
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