23 agosto 2021

Crônica da segunda-feira

Um tal de “Real”

Jéssica Barbosa*

 

Seu Manoel Luís dos Santos tinha 86 anos, e apesar de ser analfabeto, analisava e debatia com muita clareza assuntos de questões sociais. Certa vez, voltando da faculdade, parei para conversar com ele e o bate papo durou uns dez minutos. Nesse dia, não me recordo exatamente o ano, Seu Manoel estava revoltado com um tal de “Real”. 

“Boa tarde, Seu Manoel, que cara feia é essa?” Perguntei com um sorriso no canto da boca tentando amenizar o clima tenso. 

Ele, sem titubear, respondeu antes mesmo que eu terminasse a frase, como se estivesse esperando ansioso por alguém para desabafar. 

“Minha filha, estava aqui pensando em como o dinheiro muda as coisas e principalmente as pessoas. Esse tal de “Real" compra opiniões, caráter, amores e faz até com que famílias se vendam. Sem falar que a saúde pública às vezes fica até com uma aparência de primeiro mundo.”  

“Eu concordo com o Senhor, mas porque essa reflexão agora, aconteceu algo?”

“Tava assistindo uma reportagem e cheguei à conclusão que fica muito complicado quando o Senhor "Real" entra em cena e consegue calar a voz ou até mesmo mudar, em questão de segundos, a opinião de uma pessoa. Um ser humano que se vende por migalhas não tem o direito de cobrar ou argumentar o caráter do outro.”

Quando acabou de falar isso, ele foi logo se levantando e dizendo que estava na hora de tomar o seu cafezinho. Me agradeceu pela atenção e saiu. 

Eu, além de voltar pra casa refletindo sobre caráter e princípios, sai de lá com uma lição dada por Seu Manoel que foi: por mais que as condições (financeiras) não estejam favoráveis, lembre-se que, as coisas podem piorar ainda mais se você se entregar por migalhas ao Senhor "Real". 

É claro que eu não poderia terminar essa crônica sem citar o querido Paulinho da Viola que sabiamente diz: 

“Mas é preciso viver

E viver não é brincadeira não

Quando o jeito é se virar

Cada um trata de si

Irmão desconhece irmão

E aí dinheiro na mão é vendaval

Dinheiro na mão é solução

E solidão

Dinheiro na mão é vendaval

Dinheiro na mão é solução

E solidão”

*Jornalista

.Veja: Poeta cantador se faz romancista https://bit.ly/3wJylaT

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