Demonstração de fraqueza
Essa matéria publicada hoje na Folha de S. Paulo, palmilhada por
informações algumas colhidas em reserva, como assinala o repórter, contém
elementos que nos ajudam a analisar a cena política. Enfraquecido e isolado,
Bolsonaro esperneia. E imagina contar com algum respaldo nas Forças Armadas
para suas intenções golpistas. Talvez nem tanto. (LS)
Desfile vazio de Bolsonaro aumenta pressão sobre
comandante do Exército
Sugerido pelo chefe da Marinha, evento só cristaliza
atoleiro em que militares se colocaram
Igor Gielow, Folha de S. Paulo
O desfile militar desenhado pelo governo
federal para intimidar o Congresso Nacional no dia
em que deverá ser derrubada a ideia de adoção de voto impresso aumentou a
pressão por adesão política do Exército a Jair Bolsonaro.
Com o apoio mais explícito dado pelo comandante da
Marinha, almirante Almir Garnier Santos, autor da ideia do desfile, e o já
conhecido bolsonarismo do chefe da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida
Baptista Jr., a posição do general Paulo Sérgio Oliveira ficou mais delicada.
Diferentemente de seus
pares, ele tem resistido até aqui a demonstrações públicas de identificação com
Bolsonaro. Assim como seu antecessor, Edson Leal Pujol, é visto pelos
subordinados como alguém refratário às
intenções golpistas do chefe.
Cabe lembrar que a crise
militar de abril, que levou à
destituição do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e dos três chefes
de Força começou pela resistência de Pujol em aderir à visão de
"meu Exército" de Bolsonaro na crítica às medidas de distanciamento
social na pandemia adotadas por estados.
O desconforto
vinha desde 2020, quando o então comandante adotou uma posição
antagônica em relação a Bolsonaro. Quase foi substituído por Luiz Eduardo Ramos
(Secretaria-Geral), defendeu publicamente um cordão sanitário entre o serviço
ativo e a política e acabou caindo no ano seguinte.
Paulo Sérgio assumiu por critérios de antiguidade e
tem tentado se manter mais distante do Planalto. Nesta manhã de terça (10),
estava na rampa do palácio ao lado de Bolsonaro e do chefe direto, o ministro
da Defesa que sucedeu a Azevedo, general Walter Braga Netto.
Segundo dois generais da
cúpula militar, ele esteve a contragosto, mas sem opção de dizer não aos
superiores. Seria uma situação análoga ao vexame que teve de engolir ao ter de perdoar o
general Eduardo Pazuello por ter ido a um ato político de
Bolsonaro.
A ser verdadeira essa
leitura, sua cabeça está tão a prêmio quanto a de Pujol, que em março se
recusara a posicionar blindados do Exército a pedido de Bolsonaro na praça dos
Três Poderes, numa demonstração semelhante para pressionar o Supremo Tribunal
Federal que tanto desagrada ao presidente.
Seja como for, houve
queixas pela realização do desfile na reunião ordinária do Alto-Comando do
Exército, que ocorre ao longo de toda esta semana com o colegiado de 15
generais de quatro estrelas da ativa e o comandante da Força.
Elas foram expressas já na
segunda, primeiro dia do encontro administrativo deste mês, quando surgiu a
confirmação do desfile. Generais ponderaram que Paulo Sérgio não deveria ir ao
evento, o que na prática corresponderia a um pedido para ser demitido.
Se o incômodo de Paulo
Sérgio relatado não for fiel à realidade, ressalta um outro oficial, a situação
é ainda mais complexa institucionalmente e demonstra que Braga Netto dobrou os
comandantes a seu bolsonarismo, alvo de
crescentes críticas entre oficiais.
Se Baptista Jr. já havia
concedido uma polêmica entrevista apoiando a nota de Braga Netto ameaçando a
CPI da Covid, Garnier foi o autor da sugestão de que os equipamentos da
Operação Formosa fossem exibidos em Brasília.
A ideia foi comprada por
Braga Netto e apresentada a Bolsonaro. Segundo relato de oficiais da Marinha, o
"timing" da apresentação foi decidido pela dupla, o que naturalmente
o ministro nega.
Seja como for, na hipótese
remota de tudo ser uma "coincidência trágica", para usar as
palavras do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), bastaria
cancelar a fanfarra para encerrar a pantomima golpista. Bolsonaro não o fez,
evidentemente.
É um padrão.
Neste ano, além de sonhar
com tanques e blindados estacionados no coração do poder, também partiu do
presidente a ideia de fazer um rasante "acidental", aspas
obrigatórias, com o novo caça
da Força Aérea, o sueco Saab Gripen.
O intuito era quebrar
vidraças do Supremo, "acidentalmente". Noves fora o fato de que as
janelas do próprio Planalto acabariam afetadas, a ideia foi arquivada por
absurda. O relato, feito à Folha por um
integrante do governo, também foi publicado pelos jornais O Estado de S. Paulo
e O Globo.
Ao tentar encerrar de vez a
tensa clivagem entre a ala militar do governo, composta principalmente, mas não
só, por oficiais-generais da reserva, do serviço ativo, Bolsonaro e Braga Netto
procuram colocar de pé um espantalho de reação militar à crise do Planalto.
Assim como na condução do centrão para o centro da
administração, contudo, a ideia de mostrar força acaba substituída
automaticamente pela de exibir desespero ante uma situação
de governabilidade agônica.
Do ponto de vista militar,
há nuances neste baile
promovido por Bolsonaro. Na semana passada, como a Folha revelou,
o mesmo Baptista Jr. procurou o decano do Supremo, Gilmar Mendes, para negar
qualquer intenção golpista por parte dos fardados.
Por outro lado, a pauta do voto
impresso sempre teve apoio majoritário entre oficiais
superiores e generais, o que facilitou a atração exercida por Bolsonaro. A
ideia de intervir contra medidas de contenção do coronavírus, por exemplo,
nunca pegou entre esses militares.
Ao longo das últimas
semanas, a reportagem tem ouvido de diversos integrantes da cúpula das três
Forças a mesma narrativa, acrescida de críticas ao presidente e ao ministro,
feitas sempre sob reserva.
Lembrados de que em 1964 o
empurrão final do golpe foi dado por um general de três, e não quatro estrelas,
eles descartam o paralelo histórico: não há hoje o
contexto da Guerra Fria ou o apoio de parte expressiva da sociedade civil a
qualquer intuito autoritário.
Se isso é fato, a imagem
vazia de blindados de uma Marinha a serviço do presidente brasileiro em pleno
2021, que ao fim só garantirão a derrota política de Bolsonaro na Câmara, apenas ajuda a
consolidar a situação na qual os militares se colocaram ao
apoiar um indisciplinado capitão reformado do Exército.
Com ou sem Bolsonaro no
Planalto, e a dificuldade de comunicação com um eventual
novo governo de Lula já insinua isso, o estrago institucional
está feito.
.
Veja: Na
relação de Bolsonaro com as Forças Armadas, separar o joio e o trigo é
necessário https://bit.ly/3xOWa13
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