Por que o
Universo está se expandindo mais rápido do que o esperado?
Ruth Lazkoz, The Conversation/BBC
Café ou chá? Beatles ou Rolling Stones? Estamos
condenados a discordar, até mesmo em algo tão sério quanto a cosmologia.
No
momento, estamos testemunhando uma forte disputa entre as previsões de duas
grandes escolas sobre a taxa de expansão do universo.
Novas
medições indicam que ele está se expandindo muito mais rápido do que o
esperado. Mas o que está acontecendo?
O cosmos está pregando uma peça na gente? Se não bastasse
nos assustar com o fato de estar se expandindo, alguns dados que ele nos
oferece sugerem uma taxa de expansão diferente de outras.
Para piorar, as estatísticas endossam uma divergência
acentuada e a transformam em um problema sério. Para adiantar, esclareço que
esses valores discrepantes são os fornecidos pelos observatórios Planck e
Hubble.
Para
início de conversa, o que o Telescópio Espacial Hubble mede?
Podemos
lembrar o que sentimos ao acender uma fogueira. Muito perto, quase queima, mas
ao nos afastar sentimos um alívio. Isso oferece uma vaga ideia de como medir as
distâncias das estrelas.
Basicamente,
teríamos que identificar duas estrelas com as mesmas características físicas e
comparar a luz que chega delas até nós. E como isso se relaciona com a expansão
do Universo?
A
expansão do Universo e a massa de panetone
Vamos
imaginar a massa crua de um panetone, que contém passas separadas entre si
(pelo menos na minha versão favorita).
O
calor do forno faz a massa crescer, forçando as passas a se separarem umas das
outras (e todas de todas).
Mas,
atenção, o tamanho delas não muda. Agora só falta pensar que o panetone é
espaço-tempo, e as passas são as galáxias.
À
medida que nosso "panetoneverso" (ou universo representado por um
panetone) se expande, as passas não se movem de sua posição inicial na massa. O
que muda são as distâncias relativas entre umas passas e outras.
Dividindo
a dilatação pelo tempo de cozimento, obtemos a velocidade de nossas passas,
perdão, quero dizer galáxias (piscadela).
Agora,
como medimos em cosmologia o quão rápido uma estrela está se afastando de nós?
Vamos
recorrer a uma versão sofisticada do efeito Doppler: assim como uma sirene de
polícia que soa mais grave à medida que se afasta, a luz das estrelas fica um
pouco mais vermelha à medida que se distancia.
Quase
cem anos atrás, Edwin Hubble surpreendeu o mundo ao mostrar que quanto mais
longe uma estrela está, mais rápido ela se afasta.
Disto
se conclui, nada mais, nada menos, que o Universo se encontra em expansão.
A
distância está ligada à velocidade de afastamento por meio da chamada (como
não) constante de Hubble.
De
acordo com a estimativa recente de seu valor pela equipe liderada pelo ganhador
do Prêmio Nobel Adam Riess, uma estrela que está a 1 megaparsec de distância se
afasta a 73 km/s, e uma estrela duas vezes mais distante se afasta a 146 km/s.
(um ano-luz é para um parsec o que um pé é para um metro).
Ou
seja, olhando mais profundamente no Universo, vemos a taxa de expansão aumentar
com o tempo. É por isso que a expansão é também acelerada.
Os
arco-íris que as estrelas produzem
O
Hubble baseou seu trabalho na espectroscopia: uma leitura detalhada dos
arco-íris produzidos pelas estrelas.
São
uma série de faixas de diferentes cores e larguras próprias de cada estrela
(suas impressões digitais), que em comparação indicam desvios para o vermelho,
ou seja, uma diminuição na frequência da luz do objeto ao se mover a uma
velocidade maior.
Este
pioneiro e seus sucessores deviam conhecer as distâncias das estrelas
utilizadas. Mas, em geral, medir distâncias em astronomia é um trabalho árduo.
É
muito difícil obter dados diretos, sendo habitual recorrer a modelos físicos,
geralmente construídos com base em variações de luminosidade. Assim, se obtém a
escada de distâncias cósmica.
Esta
é uma concatenação de métodos que atribui distâncias para objetos distantes com
base em objetos intermediários, apoiadas, por sua vez, nas de objetos próximos.
Planck
faz repensar as 'certezas' sobre a expansão do Universo
Em
linhas gerais, foi assim que a equipe de Riess obteve, usando o telescópio
Hubble, de maneira muito precisa, o valor atual da constante homônima, com base
especificamente em três degraus de estrelas próximas.
Mas
este valor não é compatível estatisticamente com o obtido pela colaboração do
Planck: 67 km/s/Mpc.
Este
experimento com seus dados sofisticados fala de alterações muito pequenas na
radiação cósmica de fundo em micro-ondas impressas bilhões de anos atrás.
E
por meio delas nos informa as proporções e a natureza dos distintos
ingredientes da sopa cósmica, aquela com a qual nosso Universo foi se
alimentando em diferentes etapas.
Na
verdade, neste campo, se recorre às equações de Einstein para ver como o antes
influenciou o agora. Ou seja, reconstruímos a jornada dessa radiação através de
bilhões de anos.
E
neste quebra-cabeça, um pequeno erro em um lugar se propaga para outro, como o
famoso efeito borboleta.
Por
esse motivo, é preciso tratar com cautela a estimativa do valor da expansão que
se obtém a partir desses dados.
A
nível teórico, há muitos de nós que quebram a cabeça brincando com as equações
dessa teoria a que acabei de me referir, o que nos coloca de volta em contato
com a ideia de que temos que conhecer a composição do Universo para estimar
certo o valor da constante de Hubble hoje.
O
efeito da energia e da matéria escura
Os
principais ingredientes desta sopa que descreve nosso universo são a matéria e
energia escura, ricas em substâncias que o fizeram crescer como uma menina ou
um menino.
E
qualquer nutricionista nos dirá que a escassez ou má qualidade da alimentação
prejudica esse desenvolvimento.
Pode-se
assim entender que as variações nas quantidades de energia e matéria escura no
Universo determinaram a separação entre suas galáxias em diferentes momentos.
E
isso, vale lembrar, nos permite estimar como nossa criatura foi mudando de
tamanho à medida que crescia.
É
claro que a credibilidade dos grupos de pesquisa mais distintos em cosmologia
está fora de questão. É um duelo de titãs.
Tomar
partido do Planck ou do Hubble é como escolher entre Lionel Messi e Cristiano
Ronaldo. Ambos têm muita luz e também algumas sombras.
Estrelas
gigantes vermelhas fornecem dado intermediário
Mas
se já estão surgindo novas figuras no futebol para pegar o bastão, também
encontramos outras opções com grande potencial na cosmologia. Neste caso, a
alternativa é conciliadora.
Um
estudo recente usando estrelas gigantes vermelhas fica entre os dois
concorrentes, sugerindo 69,6 km/s/Mpc. E embora a precisão da medição caia um
pouco, há espaço para melhorias, uma vez que a física dessas estrelas ainda
requer desenvolvimento.
Talvez
haja erros sistemáticos no tratamento numérico, talvez haja física inexplorada,
talvez algumas das abordagens teóricas feitas sejam um tanto grosseiras.
Há
também quem use tipos completamente diferentes de estudos astrofísicos, por exemplo,
lentes gravitacionais, para acabar oferecendo suporte para um lado ou outro.
Talvez
o telescópio James Webb ajude a encerrar este debate, mas enquanto estiver
aberto, será uma alegria acompanhá-lo ao vivo — e ainda melhor se tivermos um
balde de pipoca e um bom sofá.
.
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