Lula tem de expor muito mais a
herança maldita de Bolsonaro
Governo precisa denunciar crime
em vacinas, educação, estatais, estradas e muito mais
Vinicius Torres Freire/Folha
de S. Paulo
O massacre dos yanomami é o exemplo mais horroroso
da herança maldita de Jair Bolsonaro. Foi exposto por jornalistas da plataforma
Sumaúma, baseada em Altamira, Pará, zona de guerra social e ambiental, de
pistolagem contra líderes de movimentos populares e de destruição da vida em
geral. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva pegou o bastão da denúncia e toma
providências para conter o genocídio e a razia de matas, terras e águas.
Governo não é polícia nem promotoria, mas tem a obrigação legal
de documentar e denunciar os responsáveis pelos crimes ao sistema de Justiça.
Se fizer uma varredura elementar, vai encontrar facilmente outros ataques
contra indígenas.
No entanto, os ataques contra a vida, a negligência criminosa e
a violência ignara contra a competência e a decência humana básicas foram muito
além nos anos de trevas. Daqui a algum tempo, há o risco de que o governo Lula, como qualquer outro, entre na rotina e
seja absorvido por dificuldades e crises ou conveniências políticas. Assim, a
denúncia bem documentada dos anos de trevas pode se tornar apenas um slogan
esquecido, "sem anistia".
Algumas barbaridades estão à vista de todos, faz tempo. A taxa
de vacinação das crianças começou a cair a partir
de 2015. Nos anos de trevas de Bolsonaro, baixaram a níveis críticos e
criminosos. É possível que a desordem causada pela epidemia tenha contribuído
em parte para o problema, que, no entanto, piorava muito logo antes da explosão da Covid.
A taxa de vacinação contra a paralisia infantil andava pela casa de 98% de
2011 a 2015. Baixou a 84% em 2016. Em 2021, dado mais recente disponível, para
69%. No caso da tríplice viral (sarampo, caxumba, rubéola), era de quase 100%.
Em 2021, de 73%. Etc.
Bolsonaro e milícias fizeram campanha contra
vacinas, óbvio. Mas quais foram os responsáveis pela negligência na
administração, dominada por tantos médicos bolsonaristas e por generais e
coronéis?
Como está a investigação da facilitação de compra de armas,
mesmo pelas normas depravadas do bolsonarismo? Como azeitou o tráfico de armas
para o crime? Quem levou dinheiro do lobby?
O governo Lula está prestes a confirmar o domínio da política negocista sobre a Codevasf, agência de
desenvolvimento do interior fantasiada de estatal, por conveniência
administrativa. É feudo de PP e União Brasil, concedido por Bolsonaro, local de
desova de emendas parlamentares e investigado por Polícia Federal e TCU. É um
vulcão de escândalos prestes a explodir. A lava escorrerá no governo petista.
Lula diz que a Advocacia-Geral da União vai entrar com uma ação
contra a privatização da Eletrobras, aliás judicializando a
política, o que prometeu não fazer. Quer ter controle sobre a ex-estatal. Nada
diz sobre o lobby que embutiu na lei da porca privatização favores a
empresários graúdos, como nada disse sobre tantas benesses que o Congresso
concede a certos lobbies do setor de energia.
O que o governo já sabe sobre o desmonte do Inep e sobre as verbas dos pastores adoradores
do ouro no ministério da Educação? Sobre o descalabro do Enem?
O que se sabe sobre a manutenção de estradas e infraestrutura de
transporte em geral, que daqui a pouco vão se esfarelar, talvez ainda sob Lula?
De mais notório, o governo petista até agora dedicou-se mais a tratar de juros
e dívida, de modo desinformado, contraproducente e politiqueiro.
Não é possível ter um programa de governo, na prática, sem saber
o tamanho do desastre (com o que vai se saber também dos responsáveis). Os criminosos do bolsonarismo ficarão impunes e
prontos para voltar, em 2024 ou 2026, se nada for feito para
responsabilizá-los.
No balanço das horas https://bit.ly/3Ye45TD
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