Lula, juros e bancos públicos
O ponto essencial é o governo
assumir que banco público tem que servir, em primeiro lugar, à sua função
social e não à busca desenfreada e antiética de ganhos a qualquer custo
Paulo Kliass/Vermelho www.vermelho.org.br
Ao longo dos últimos dias, o Presidente Lula tem subido o tom contra o patamar da taxa de juros em nosso País. Ele identificou corretamente o foco principal desse fenômeno que tem provocado graves danos à sociedade e à economia brasileiras ao longo das últimas décadas. Afinal, a definição da SELIC é uma atribuição do Comitê de Política Monetária (Copom), um colegiado composto pelos mesmos 9 integrantes da diretoria do Banco Central (BC), que se reúnem em um evento especial a cada 45 dias.
É importante lembrar que nas 2 últimas vezes em que o Copom se encontrou o Brasil já conhecia seu novo Presidente da República e o programa para o qual ele havia sido eleito. Na 251ª reunião realizada em 6 e 7 de dezembro e na 252ª em 31 de janeiro e 1º de fevereiro o colegiado optou por manter a Selic em 13,75%, tal como vinha ocorrendo durante a gestão de Bolsonaro e Paulo Guedes. Na primeira delas, o processo de transição entre os governos estava em curso e os membros da diretoria do BC sabiam muito bem da contradição que esse nível de juros apresentava com a intenção de retomar o caminho do crescimento e do desenvolvimento. Já na segunda reunião, o acinte de manter a Selic na estratosfera foi ainda mais flagrante e caíram no ridículo as tentativas do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de se mostrar simpático e compreensivo ao Presidente do BC, Roberto Campos Neto.
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Com a aprovação da Lei Complementar nº 179 em 2021, o superministro da Economia atendeu ao desejo de seus parceiros do financismo. O governo de Bolsonaro fez uma enorme pressão para que o Congresso Nacional aprovasse a independência do BC. Assim, a diretoria do órgão com a qual Lula está obrigado a conviver no início de seu mandato foi toda ela indicada por Bolsonaro e Paulo Guedes. O neto de Roberto Campos, economista monetarista e conservador que serviu ao regime militar desde o início e foi um dos idealizadores da própria criação do BC em 1964, encerra a saga da família com a missão de sabotar as tentativas de Lula levar à frente seu programa de governo. A política monetária é indissociável do conjunto da política econômica e o patamar de juros atual inviabiliza, na raiz, a retomada dos investimentos necessários para superar o quadriênio da destruição que se abateu sobre o Brasil.
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BC independente sabota Lula.
Para obter alguma decisão favorável às necessidades de uma Selic compatível com um cenário de crescimento das atividades, Lula precisaria convencer a maioria do Copom daquilo que eles são contrários. Assim, ou Roberto Campos Neto e seus diretores renunciam aos seus cargos ou fica muito difícil termos uma política monetária harmonizada com os desejos do Presidente da República. Não parece sensato assumir a avaliação ingênua e irrealista de que os membros da diretoria do BC possam em algum momento incorporar um lampejo de civilidade republicana e passem a acatar a sugestão de promover uma redução significativa na Selic. Apesar disso, talvez o caminho de se criar uma frente ampla contra os juros elevados possa surtir algum efeito. Afinal, na conjuntura pós-eleitoral, talvez sentindo a pressão vinda do Palácio do Planalto, até mesmo o Presidente da Federação dos Bancos (Febraban) tem afirmado publicamente que o nível de juros deveria ser reduzido.
Mas mesmo que o núcleo duro do governo não encontre soluções a curtíssimo prazo para reduzir a Selic, Lula tem a seu dispor um importante instrumento para baixar o custo do crédito e dos investimentos. Trata-se da possibilidade de recorrer aos bancos públicos para que ofereçam recursos para indivíduos, famílias e empresas com taxas de juros sem os astronômicos spreads cobrados pela banca. Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF), por exemplo, podem passar imediatamente a operar com taxas muito mais baixas do que a concorrência privada. Não faz sentido algum prosseguir com esse processo de “bradesquização” dos bancos federais, que se inspiram na verdadeira prática de extorsão levada a cabo pelos poucos e mastodônticos integrantes do oligopólio financeiro privado. Não existe razão para que os bancos públicos continuem a registrar em seus resultados rubricas vergonhosas de lucros bilionários, obtidos às custas de diferencial abusivo entre as taxas de captação e as de empréstimo, sem mencionar as tarifas igualmente elevadas.
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Banco público: missão social a cumprir.
O ponto essencial é o governo assumir que banco público tem que servir, em primeiro lugar, à sua função social e não à busca desenfreada e antiética de ganhos a qualquer custo. Se a banca privada tanto clama pela concorrência, pois que se adaptem à nova realidade do setor, onde os bancos comandados pelo governo federal passem a se orientar pelo serviço prestado ao Brasil que produz e à maioria da população e não aos lucros insanos e exorbitantes do capital parasita. Para levar à frente esse programa de expansão de crédito a custos financeiros mais baixos, Lula não necessita de nenhuma alteração legal ou institucional. Basta discutir com a direção dos bancos públicos esta nova orientação e aguardar os efeitos imediatos que tais medidas deverão provocar na procura de recursos junto aos mesmos.
Outra linha de atuação é o BNDES. Lula foi à cerimônia de posse do novo presidente da instituição, Aloísio Mercadante e mais uma vez deixou marcada sua insatisfação com o nível dos juros e com os obstáculos impostos pela independência do BC. Mas também deixou um recado explícito ao recém empossado, no sentido de recuperar a função precípua do banco: emprestar recursos para financiar o desenvolvimento e a reindustrialização do País. O banco, que chegou a superar a capacidade de financiamento do próprio Banco Mundial durante o segundo mandato de Lula em 2011, sofreu um processo criminoso de garrote e de esvaziamento a partir do golpe contra a Presidente Dilma em 2016. Os interesses do financismo foram plenamente atendidos sob gestão Temer e Bolsonaro, de forma que o BNDES e os demais bancos públicos ficaram impedidos de cumprir com suas respectivas missões. Mais uma vez os dirigentes políticos de plantão impuseram ao Estado o lema de oferecer todo poder à banca privada.
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Baixar a Selic e os juros cobrados pelos bancos federais.
O atual presidente, em seu terceiro mandato, sabe que vai precisar dos bancos federais em sua tarefa de reconstruir a capacidade econômica brasileira. Cada um deles deverá contribuir à sua maneira, de acordo com as suas competências e sua própria história. Existe espaço para os bancos de desenvolvimento regional, como o Banco do Nordeste (BNB) e o Banco da Amazônia (BASA). Existe também espaço para o BB e a CEF, por suas experiências como bancos de varejo, mas também com a especialização na agricultura e o setor de habitação e construção civil. Finalmente, o BNDES poderá voltar a cumprir com seu papel fundamental de financiar o desenvolvimento econômico e social. Tudo isso em um ambiente de juros baixos, que permita ao Brasil reencontrar o caminho de superação de suas desigualdades estruturais.
A meta deve ser a de posicionar a Selic em níveis bem mais baixos e oferecer crédito mais barato e disponível. Esse binômio combinado a uma recuperação dos gastos sociais e dos investimentos públicos é uma estratégia segura para que a nossa para a economia possa voltar a crescer.
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