Áustria: por que os neofascistas venceram
No país de imigração mais intensa da Europa, ajuste fiscal produziu recessão, crise nos serviços públicos e desencanto. Apegados aos dogmas econômicos, liberais seguem incapazes de mudar de rumo. Partidos vitoriosos não têm alternativa
Michael Roberts/Tradução Antonio Martins/Outras Palavras
No domingo, a Áustria elegeu o seu parlamento. Os 183 membros do Conselho Nacional são escolhidos por representação proporcional de lista aberta em três níveis: uma única circunscrição nacional, nove circunscrições baseadas nos estados federais e 39 circunscrições regionais. As cadeiras são distribuídos para as circunscrições regionais com base nos resultados do censo mais recente. Para que os partidos recebam alguma representação no Conselho Nacional, eles devem vencer pelo menos uma cadeira diretamente em uma circunscrição ou superar o limite eleitoral nacional de 4%. Cerca de 6,3 milhões de austríacos adultos podem votar.
Eis os resultados: o Partido da Liberdade (FPÖ), neofascista e fundado nos anos 1950 por ex-oficiais da SS, foi o mais votado, com 28,9% dos votos (57 cadeiras), pouco acima do Partido do Povo (ÖVP), que teve 26,3% (51 cadeiras), hoje o sócio maior da coalizão no poder, formada também pelos Verdes. Os social-democratas (SPO) ficram em terceiro lugar, como 21% (41 cadeiras), seguidos dos Liberais (9,11% | 18 cadeiras) e Verdes (8,19% | 16). O líder do FPÖ, Herbert Kickl quer ser o chanceler (primeiro ministro) e usa o termo “Volkskanzler,” ou chanceler do povo, como fizeram os nazistas e Adolf Hitler nos anos 1930.
Se o FPÖ obtiver o maior número de votos, poderá estar em posição de liderar um novo governo – porém até agora os líderes do ÖVP e dos Social-democratas estão se recusando a formar uma coalizão com ele (embora os conservadores tenham sugerido que poderiam, se o atual líder do FPÖ, Herbert Kickl, não fizer parte do governo). O resultado mais provável é uma coalizão ÖVP-FPÖ ou, pela primeira vez, uma aliança tripla do ÖVP com o SPO e, ou os liberais NEOS, ou os Verdes.
A ascensão do FPÖ não é novidade. Ele foi o sócio menor numa coalizão com o ÖVP, que esteve no governo da década de 2010. Mas isso desmoronou quando ambos partidos se envolveram em um escândalo de corrupção que derrubou o governo e seu chanceler do FPÖ em 2019. Agora, em toda a Europa, partidos de extrema-direita estão ganhando terreno em resposta à chamada “ameaça” da imigração e à estagnação econômica em muitas economias europeias. Em junho, o FPÖ foi pela primeira vez o maior partido nas eleições para o Parlamento Europeu, que também trouxe ganhos para outros partidos de extrema-direita na Europa.
A Áustria tem apenas 9 milhões de habitantes, mas na última década o país acolheu mais refugiados per capita do que qualquer outro da União Europeia, alimentando o ressurgimento do FPÖ. O FPÖ evoluiu para uma espécie de partido “populista” anti-imigrante e anti-Islã, repetindo o que ocorre em outras partes da Europa. O FPÖ quer acabar com a imigração e “reemigrar” imigrantes para seus países de origem. “A reemigração já demorou demais!” proclama Kickl. O FPÖ também sugere a saída da UE, ou “Öxit”, uma versão austríaca do Brexit.
Mas, como em outras partes da Europa, o crescente apoio a partidos de extrema-direita anti-imigração está muito relacionado com a estagnação nas principais economias e com a alta inflação, que corrói o padrão de vida. Pode-se dizer que quando a Alemanha está gripada, a Áustria pega uma pneumonia. E a Alemanha está sofrendo com uma gripe econômica muito forte agora. Como resultado, o impacto na Áustria é pesado.
O crescimento real do PIB da Áustria está, no melhor dos cenários, estagnado. Ironicamente, se não fosse pela imigração (+6,3% em 2011-2020), o PIB real teria caído drasticamente, já que a população doméstica está encolhendo e envelhecendo. A Áustria terá o terceiro maior custo relacionado à velhice como porcentagem do PIB na União Europeia até 2030.
Além disso, a Áustria ainda está enfrentando alta inflação, com média de 4,2% nos últimos 12 meses, superando a média da UE. A inflação permanece alta porque a Áustria foi forçada a reduzir suas importações de gás russo barato como parte das sanções da UE contra a Rússia, por causa da Ucrânia. A Áustria está no meio do caminho entre o comércio com a Rússia e com a Europa Ocidental.
A economia estava em plena recessão em 2023. O banco central austríaco, o OeNB, agora espera que ela “se estabilize” este ano, com um crescimento real do PIB de apenas 0,3%. Mesmo isso parece otimista. O PIB da Áustria caiu 0,6% no segundo trimestre de 2024, após uma contração revisada para baixo de 1% no primeiro trimestre. A recessão continua. O capital austríaco está sofrendo. A manufatura está em profunda recessão (qualquer valor abaixo de 50 no gráfico a seguir significa contração), assim como na Alemanha.
O crescimento real do PIB per capita da Áustria estagnou nacionalmente entre 2011 e 2020 e foi inferior à média da UE (0,6%) em todas as regiões. A produtividade do trabalho está estagnada ou diminuindo na maioria das regiões. Isso ocorre porque o investimento produtivo continua encolhendo, após uma queda de 2,3% em 2023.
O capital austríaco está sendo pressionado porque, além da queda da produtividade do trabalho, os salários dos trabalhadores organizados da Áustria estão subindo, sendo o aumento salarial mais rápido da Europa este ano. Os trabalhadores tentam recuperar as perdas de renda real que sofreram devido às altas taxas de inflação após a Covid. Embora os salários devam aumentar 8,5% este ano, isso ainda não compensa os anos anteriores de alta inflação. E, embora o desemprego ainda esteja perto dos mínimos, os novos empregos são em sua maioria de meio período, sem perspectivas permanentes de carreira e mal remunerados.
Por trás da queda do investimento produtivo e da produtividade do trabalho está a queda da lucratividade do capital austríaco, refletindo o que ocorre na Alemanha. O aumento no início dos anos 2000 deu lugar a um declínio acentuado na década de 2010, acelerando desde a Covid.
Quais são as soluções oferecidas pelos partidos para essa estagnação econômica? O FPÖ tem uma mistura de políticas neoliberais, pró-mercado, com algum apoio para os austríacos mais velhos, geralmente seus eleitores, como o aumento das taxas de aposentadoria do Estado. O FPÖ quer “mais desregulamentação” e redução de impostos, incluindo a redução do imposto sobre para pequenos negócios – de 23% para 10%; e o fim das medidas “verdes”, eliminando um imposto sobre emissões de carbono introduzido em 2022. Defende o controle de preços durante períodos de inflação severa em alimentos, aluguéis e energia, bem como a redução do imposto sobre consumo de itens essenciais. E quer manter as importações de energia russa.
O conservador ÖVP quer praticamente as mesmas coisas que o FPÖ, exceto que deseja manter as sanções da UE à Rússia, promovendo a energia renovável. Os social-democratas querem alguns novos impostos sobre os ricos para financiar cortes de impostos para o restante dos austríacos, além de aumentar o imposto sobre as empresas e aplicar uma taxa única sobre as companhias de energia e os bancos; com uma empresa estatal para investir em energia renovável e reduzir a dependência do gás russo.
Nenhuma dessas políticas oferece qualquer probabilidade de aumentar as taxas de investimento ou a produtividade, muito menos de aumentar os rendimentos reais da maioria dos austríacos. Portanto, qualquer coalizão formada após esta eleição, seja liderada pelo FPÖ ou pelo ÖVP, mudará muito pouca coisa.
Leia sobre a
resistência na Finlândia https://lucianosiqueira.blogspot.com/2024/06/resistencia-finlandesa.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário