A vitória civilizatória na Cracolândia
Luis Nassif,
em seu blog
No
combate ao vício das drogas, há o tratamento compulsório, higienista, de
prender e segregar os viciados; e o tratamento humanizado, chamado de “redução
de danos”. Em vez de cortar imediatamente e compulsoriamente a droga,
sujeitando o viciado a crises de abstinência – que quase sempre os traz de
volta ao vício -, monta-se um tratamento gradativo, de redução gradual do
consumo enquanto se trabalham o ambiente em que ele se encontra, as relações
sociais e familiares, devolvendo-lhe a auto-estima.
No
auge da onda ultraconservadora da mídia, o portal da revista Veja criminalizou
os estudos de uma professora da USP, quase septuagenária, que orientava uma
tese de doutorado sobre redução de danos. O tema mereceu repercussão no Jornal
Nacional.
Não
fosse a defesa enfática dos estudos pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo) a carreira de ambas teria sido liquidada pelo
sensacionalismo e haveria atrasos de décadas nos programas de combate ao vício.
***
Nos
anos seguintes, consolidou-se no centro de São Paulo o território livre da
Cracolândia. Foram feitas duas tentativas coercitivas do governo do Estado,
para acabar com o gueto. Os viciados apenas trocaram de local, espalhando-se
por bairros próximos ao centro. Depois, voltaram para o lugar de origem.
***
Foi
essa sucessão de fracassos que levou o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad,
a buscar formas alternativas.
Em
relação ao tratamento de viciados, a Unifesp (Universidade Federal de São
Paulo) divide-se em duas alas: a da internação compulsória, e outra de
tratamento humanizado.
Reuniões
com especialistas, como Dartiu Silveira, e a ousadia da Secretaria de
Assistência Social, Luciana Temer, animaram Haddad a trilhar o caminho
civilizatório, lançando a Operação Braços Abertos.
***
A lógica
do novo modelo é que o ambiente modela as pessoas. Ou seja, mantidos na
Cracolândia, não haveria nenhuma possibilidade dos viciados se libertarem do
vício. Colocados em locais dignos, com parte da dignidade recuperada,
emergiriam outras pessoas
***
Em um
primeiro momento, espontaneamente os viciados saíram das ruas para hotéis,
banharam-se, vestiram roupas limpas.
Uma
ação conjunta das Secretarias de Assistência Social, da Segurança Urbana, e da
Coordenação de Subprefeituras, mais a de Trabalho e de Saúde – em parceria com
o governo do estado – criou a rede que será a base da reciclagem dos viciados.
Foram
atendidos pelos serviços de saúde, para uma primeira checagem e ganharam
empregos temporários no sistema de varrição da cidade, quatro horas de trabalho
a R$ 15,00 por dia.
***
Todos
os passos do programa foram negociados diretamente com eles, inclusive a
promessa de não mais voltarem para o local. Para tanto, Haddad abriu as portas
da Prefeitura, expôs a proposta, ouviu as ponderações. De uma viciada ouviu a
promessa: “Se eu largar o vício o senhor me garante emprego com carteira
assinada?”.
***
E o
centro da cidade amanheceu em paz. No dia seguinte, jornalistas incrédulos
testemunharam viciados ajudando a limpar a cidade. Despidos dos andrajos e da
sujeira, um deles foi reconhecido por um colega que fez doutorado com ele em
Portugal; outro foi localizado pela família, que o reconheceu em um programa de
televisão.
Que o
caminho aberto seja trilhado por outros prefeitos de boa vontade.
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