Luciano Siqueira,
no portal Vermelho e no Blog do Renato
O momento crítico de agora é apenas uma amostra da dimensão
da luta que se trava no Brasil, de sentido estratégico.
Desde junho de 2003, em sua 9ª. Conferência Nacional, o
PCdoB assinala a complexidade do que se passaria no país a partir de assunção
de Luís Inácio Lula da Silva ao governo da nação.
A possibilidade, que se abria então, de um novo ciclo de
transformações econômicas, sociais e políticas, encontraria renhida resistência
das elites dominantes, sob a hegemonia do setor rentista.
A "Carta aos brasileiros", lançada pelo então
candidato Lula, no segundo turno do pleito de 2002, traduziu a um só tempo amplitude
de propósitos e limites políticos reais.
Ali, ao lado do enunciado de pretensões progressistas - em
boa parte alcançadas em pouco mais de uma década -, uma sinalização clara de compromisso
com os “contratos vigentes”, ou seja, com os interesses fundamentais do capital
rentista.
A cena econômica internacional de então em boa medida
contribuiu para uma paz relativa entre o governo Lula e as elites. Como que se
houvesse um consenso surdo de que as mudanças pretendidas não ultrapassariam
certos limites - como de fato não ultrapassaram -, a exemplo da superestrutura
jurídica estatal, que permaneceu indene.
O "novo" tentava se afirmar, sob uma correlação de
forças razoavelmente favorável, porém não consolidada; e o "velho"
que vira a alternativa neoliberal fazer água e ser rejeitada nas urnas,
alternaria momentos de aparente recuo com estocadas visando boicotar o processo
em curso.
Dois sinais marcantes: o complexo midiático oposicionista e
a oligarquia financeira jamais abriram a guarda.
Às forças então vitoriosas se impunham ingentes desafios -
políticos, teóricos, técnicos - num mundo ainda unipolar, sob o tacão do
imperialismo norte-americano e uma economia global em franca
"renovação" dos mecanismos de acumulação do capital - pondo em relevo
engrenagens que ainda carecem de maior compreensão pelos que se batem pela
revolução e pelo progresso.
Avançar no Brasil não seria nada fácil. Tanto que, a
despeito de progressos significativos promovidos, sobretudo pelos dois governos
Lula - afirmação da soberania, relações democráticas com os movimentos sociais
e melhoria efetiva das condições de existência de cerca de quarenta milhões de
pobres -, jamais se conseguiu ferir na essência os fundamentos macroeconômicos
herdados de FHC.
Na esfera política propriamente dita, o PT se mostrava capaz
de atrair e liderar um imenso "centro" composto por uma gama de legendas
partidárias de extração conservadora e segmentos sociais os mais diversos.
Concomitantemente, o PCdoB - força política influente, ainda
que de poder de fogo limitado - deu passos imensos na percepção do sentido das
mudanças e na correta compreensão da correlação de forças nos planos externo e
interno. O seu Programa alcançou um salto qualitativo em seu conteúdo,
identificando num novo projeto nacional de desenvolvimento assentado em
reformas estruturais o caminho factível para o acúmulo de forças necessário ao
ulterior salto civilizatório, no rumo do socialismo.
Mas faltou “combinar com os russos” - do nosso campo e do
campo adversário.
O fato é que, o "centro", poderoso aliado, foi
gradativamente atraído pela direita resistente e ardilosa. E a correlação de
forças antes favorável se inverteu paulatinamente, cujo ápice se deu no pleito
presidencial de 2014, em que Dilma venceu, mas não levou, pois perdeu as
eleições parlamentares.
A conjugação do agravamento da crise global com o
esgotamento das políticas econômicas anticíclicas adotadas desde 2008, a
permanência de obstáculos estruturais e sérios equívocos de condução política
levaram à preponderância do "velho", derrotado nas urnas por quatro
vezes consecutivas, sobre o "novo", agora incapaz de responder aos
novos e sucessivos desafios - em especial políticos táticos.
É assim que a porca entorta o rabo – e acentua a ausência
dominante de uma correta perspectiva estratégica.
A imaturidade - digamos assim - das forças politicamente
emergentes a partir do histórico pleito presidencial de 2002 fez-se e continua
a se fazer presente. Daí a perda de controle político, administrativo e ético. E
a simplificação suicida das opções táticas, quase que circunscritas apenas ao
protesto e ao ressentimento.
A saída da crise pela via democrática, através de um
plebiscito que antecipe as eleições presidenciais- como sugere o PCdoB -, longe
de ser um recuo puro e simples é uma tentativa de sobrevida do ciclo de transformações
iniciado em 2003.
Que se dê aos sessenta por cento ou mais dos brasileiros,
que se tem mantido perplexos diante da dramática evolução da crise e da ameaça
a conquistas alcançadas, a chance se pronunciarem pelo voto.
Uma forma de recuperar a iniciativa e de contornar a
correlação de forças hoje francamente desfavorável. E, adiante, retomar o ciclo
de transformações, quem sabe enfim articulado com propósitos estratégicos claros
e de largo alcance.
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