A
prostituição do pensamento econômico
André Araújo, Jornal GGN
Ann
Petiffor é uma economista sul africana radicada em Londres, de atuação muito
conhecida nos meios econômicos do Reino Unido como contestadora do pensamento
econômico “mainstream” ligado ao mercado financeiro. Uma sólida economista de
formação e prestígio intelectual, Ann Pettifor prega suas ideias em uma grande
quantidade de vídeos na internet onde discorre sobre os vários modos de se
olhar a economia, muito além do modelo de pensamento único que os “economistas
de mercado” tentam vender como sendo a verdade revelada, exclusiva para operar
a politica econômica de um País.
Ann
Pettifor lidera um grupo interacadêmico conhecido como POLICY RESEARCH IN
MACROECONOMICS na NEW ECONOMICS FOUNDATION. Esse grupo estuda a evolução do
pensamento econômico visando quebrar o monopólio dos economistas ligados a
bancos e fundos de investimento que são dominantes, tanto no Reino Unido como
no Brasil. E, curiosamente, são muito mais contestados nos Estados Unidos, onde
grupos como o INSTITUTE FOR THE NEW ECONOMIC THINKING, de Nova York, onde estão
os Nobel Paul Krugman e Joseph Stiglitz já há muito tempo contestam o
mainstream monetarista, hoje em franca decadência como tese operacional até na
alma mater, a Universidade de Chicago, hoje em franco processo de reciclagem de
seu famoso Departamento de Economia.
No Brasil o pensamento econômico de construção nacional, que predominou desde a
criação dos cursos de economia na década de 40 até o fim dos anos 80, foi
capturado a partir do Plano Real pelos “economistas de mercado” reunidos em
torno da PUC Rio e a partir desta escola se agregando politicamente no
Instituto Millenium e na Casa das Garças e com uma grande captura que desde o
Plano Real está solidamente em mãos dos “economistas de mercado”, o Banco
Central do Brasil, que desde a portaria até a cúpula está dominado pelos
“economistas de mercado” com seu inacreditável BOLETIM FOCUS, pelo qual o
“mercado” manda instruções ao Banco Central, a serviço exclusivo do mundo
financeiro e não do Pais.
Na
gestão Armínio Fraga, durante o governo FHC, o poder dos “economistas de
mercado” chegou ao apogeu, com a introdução do fatídico modelo de “metas de
inflação”, do boletim FOCUS e dos “papéis para discussão” em inglês no website
do Banco Central.
A
partir da Escola de Economia da PUC Rio e com o capital político do Plano Real
“filhotes” nasceram com o mesmo DNA, o IBMEC, o INSPER, o BTG, a XP.
Perguntarão, por que misturar escolas com bancos? Porque fazem parte do mesmo
ambiente social e cultural, à noite dão aula no INSPER e de manhã estão na XP,
nas “plataformas” da Rua Dias Ferreira, nas gestoras de fortunas, no BTG, são
as mesmas pessoas. Preservados na PUC os jurássicos pré-Real, Jose Marcio
Camargo e Luís Roberto Cunha, apóstolos de Miriam Leitão. TODOS rezam pelo
mesmo Evangelho que está longe de ser único no mundo, há outras escolas de
economia fora da escola “do mercado”, escolas vigorosas, modernas e
sofisticadas que continuamente contestam escolas anteriores. A ciência
econômica, ao contrário do que muitos pensam, é dinâmica e não estratificada,
há questionamentos, novos ângulos de visão sobre questões antigas. Quando
Keynes lançou sua “Teoria Geral” e depois quando revirou toda ciência econômica
com a famosa carta de 31 de maio de 1933 ao recém eleito Presidente Franklin
Roosevelt, propondo o combate à Depressão com ferramentas inovadoras de aumento
de gastos, o oposto de ajuste fiscal que hoje se prega, Keynes mostrou que
politica econômica deve ser operada “de acordo com as circunstâncias”, não há
modelo fixo e nem cartilhas antigas a guiar circunstâncias novas, como se o
mundo parasse para os mercados passarem.
A
consolidação do “modelo único”, que domina o pensamento econômico brasileiro a
partir do Plano Real, nasce do casamento espúrio entre a Escola do Rio, qual
seja a PUC Rio e seus satélites Instituto Millenium, Casa das Garças e IBMEC +
INSPER com os bancos de negócios mesclados em um só grupo de pessoas com acesso
dominante à mídia econômica, especialmente GLOBO, VALOR, ESTADÃO e FOLHA,
alavancado especialmente com o poder de anunciante do mercado financeiro.
Aliado dessa politica recessiva, os “economistas de mercado” alijaram do debate
econômico outros centros concorrentes como UNICAMP e UFRJ, que não têm por esse
conjunto de forças acesso aos fóruns empresariais e à mídia.
O
MODELO BRASILEIRO DE POLITICA ECONÔMICA
O
“modelo único” parte sempre da mesma base que começa com a fórmula de “metas de
inflação” e, dessa, parte para modelagem das taxas de juro que não estão
a serviço de uma politica de crescimento e sim a serviço da PROTEÇÃO dos ativos
financeiros e deste se parte para uma politica monetária recessiva focada no
ajuste fiscal como pré-requisito para garantir o pagamento da divida pública.
Esse modelo é apresentado por 95% dos economistas com acesso à mídia, os
chamados “economistas de mercado”. Essa NUNCA foi a única politica possível e é
uma POLITICA ANTI-CRESCIMENTO, já que com ela jamais o país irá crescer por
falta de demanda que induz ao investimento e este ao crescimento, mesmo porque
o objetivo dessa politica nunca foi o crescimento e sim a proteção da riqueza
financeira.
Não
HÁ INVESTIMENTO SEM DEMANDA ANTECEDENTE e não há DEMANDA SEM PODER DE COMPRA,
este só pode ser criado pela política monetária, mas a atual politica monetária
é contrária a esse objetivo, sua única meta é a ESTABILIDADE, cujo instrumento
é a POLITICA DE METAS DE INFLAÇÃO. Então, o atual modelo IMPEDE O CRESCIMENTO,
a recessão não é um acidente, a RECESSÃO É O OBJETIVO, é a ferramenta para
proteção da riqueza financeira.
Com
a RECESSÃO os preços dos ativos reais, empresas e imóveis, ficam baratos e
remuneram os investimentos realizados pelo capital financeiro manejado pelos
bancos, gestoras e fundos mesmo com a economia deprimida, mesmo na recessão
aprofundada não faltam grande número de negócios de fusões e aquisições, a
depressão no preço dos ativos é um dos grandes objetivos de quem tem liquidez,
hoje em alta disponibilidade no mercado financeiro.
Esse
modelo não contestado é a CAUSA DA RECESSÃO e não o déficit orçamentário,
efeito e não causa da recessão. O déficit deve ser enfrentado por razões
próprias e não como causa da recessão. Na literatura econômica clássica o
déficit publico causa inflação e não recessão, esta é causada pela falta de
poder de compra que leva à queda da atividade econômica. O déficit orçamentário
deveria causar o oposto, aumento do poder de compra e até inflação.
A
recessão brasileira atual é causada pela contração monetária induzida pelo
Banco Central e não pelo déficit orçamentário, este nunca foi a causa da recessão,
embora deva ser corrigido.
Deficit
orçamentário é um erro de gestão da finança publica, MAS não causa recessão.
A
fórmula logica é CRESCER e durante o crescimento se fazer o ajuste e NÃO fazer
o ajuste para crescer, porque esse crescimento NUNCA ACONTECERÁ EM DECORRÊNCIA
DO AJUSTE.
Ann
Pettifor é uma líder na contestação desses “mantras” que nascem nos interesses
do mercado financeiro e são vendidos como uma espécie de evangelho que não cabe
contestar.
A
recessão brasileira tem raízes na falta de poder de compra da população causada
pela politica monetária recessiva que produz a falta de investimentos públicos.
Este foi gatilho central para o processo de crescimento do Brasil de 1950 a
1980 pela capacidade do investimento público em criar emprego, renda e demanda
por materiais e equipamentos que movem grande parte da indústria de cimento,
ferro e aço, veículos pesados, compressores, tubos, fios e cabos.
A
demanda gerada por investimentos públicos garantiu o pleno emprego nesse longo
período onde as taxas médias de crescimento do Brasil foram as maiores do
mundo.
As
análises dos “economistas de mercado”, com raras exceções, veem erradamente a
recessão como causada por falta de investimentos privados como se esses
pudessem existir sem demanda antecedente por bens e serviços, demanda que só
existirá com poder de compra.
O
investimento privado nasce da demanda não atendida anterior e esta só pode ser
gerada por poder de compra criado por uma renda que coloca esse poder na mão
dos consumidores.
A
QUESTÃO DA DIVIDA PUBLICA
Em
recente programa GLOBONEWS PAINEL o economista Marcos Lisboa, um dos
lideres do grupo de “economistas de mercado”, diretor do INSPER, se disse
alarmado pela possibilidade de “perda do controle” da divida publica federal SE
não for realizado um ajuste fiscal radical.
Mas
o que seria a “perda de controle” da divida publica? Significa exatamente o
quê? A divida publica federal está em torno de 75% do PIB, se este crescer a
relação divida/PIB melhora mas ainda assim a divida pública pode crescer muito
mais sem nenhuma perda de controle. Divida pública EM MOEDA NACIONAL não tem
risco de perda de controle por definição, funciona como quase-moeda, o único
encaixe de liquidez do sistema bancário. Onde os bancos vão guardar a liquidez
se não em títulos da divida pública federal que é moeda corrente com juros? Na
hipótese hipotética de não haver compradores para títulos federais, o Banco
Central comprará, como faz o FED americano, dono de UM TERÇO dos títulos
federais americanos emitidos. A emissão de títulos públicos federais significa
que a liquidez foi expandida e essa moeda adicional em circulação voltará em
grande parte ao Banco Central. Liquidez não evapora nas nuvens, ela circula e
retorna ao ninho da emissão, porque a divida pública em moeda nacional não pode
crescer mais sob pena de perda de controle. Quem construiu esse mandamento? É
uma lógica artificial, a lógica do mercado financeiro.
Grande
número de países de excelente rating econômico, como Itália e Japão, tem
dívidas públicas superiores a 150% do PIB, a dos EUA há muito superou 100% do
PIB.
O
FECHAMENTO DO DEBATE ECONÔMICO NO BRASIL
Após
quatro anos de severa recessão não ocorreu às elites empresariais e politicas
do País convidar grandes economistas globais para trazerem ao Brasil sua ideias
como contribuição aos rumos do País. Algumas tentativas foram feitas para
palestras de Krugman este ano, não houve patrocinadores. Krugman se propôs
inclusive a um debate no Congresso brasileiro, mas dependia de se enquadrar na
mesma viagem alguns eventos privados. Sem chance. Krugman não tem um discurso
ajustado aos “mercados” que comandam a politica econômica brasileira, o Banco
Central, a mídia econômica, os bancos de investimento. Muito menos Joseph
Stiglitz, outro Nobel, menos ainda os pessoal do Instituto para o Novo
Pensamento Econômico de Nova York, hoje com 700 economistas, são “locus” de
fundamentais debates após a crise de 2008, que demoliu a lógica da eficiência
dos mercados, a mesma que se vende ainda hoje no Brasil como se fosse a tábua
dos Dez Mandamentos.
O
Brasil virou um deserto de ideias econômicas, o pensamento econômico brasileiro
foi comprado pelos “mercados”, é mais uma das tragédias no quadro maior da
crise brasileira.
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