Xadrez da última
cartada da Globo
Luis Nassif,
Jornal GGN
Cena 1 – o retrato atual das eleições
Há um
desenho nítido, com o esperado crescimento de Fernando Haddad e a consolidação
da candidatura de Jair Bolsonaro. Desenha-se um segundo turno entre ambos.
Haverá um confronto entre o anti-petismo e o anti-bolsonarismo, com boa
possibilidade de o fator Bolsonaro garantir a vitória de Fernando Haddad.
Até agora,
os personagens-chave do jogo se posicionam assim:
·
Mercado:
aproximando-se de ambos e, especialmente de Haddad. A gestão de Haddad no
Ministério da Educação e na Prefeitura são o seu principal aval. Em ambos os
casos, foi uma gestão eminentemente técnica, fiscalmente responsável, com
portas abertas para movimentos sociais e ONGs empresariais e foco claro na
defesa das minorias.
·
Classe
média: assustada com os arroubos de Bolsonaro, contra mulheres, minorias e a
favor da violência, refletindo-se no aumento de suas taxas de rejeição.
Pesquisas
recentes indicam que pelo menos 40% dos eleitores de Geraldo Alckmin poderiam
votar em Haddad. Gradativamente foi caindo a ficha que nem o horário eleitoral
seria suficiente para colocar Alckmin no segundo turno. E o crescimento das
taxas de rejeição de Bolsonaro poderiam garantir a vitória de Haddad.
É por aí que
se explica o reposicionamento dos principais atores políticos, resolvendo
apostar suas fichas em Bolsonaro. E também o vídeo de João Doria Jr com a
derradeira traição ao seu padrinho Alckmin: admitindo a ida de Bolsonaro para o
segundo turno.
Cena
2 – o pacto Bolsonaro-Globo
Pouco
antes do incidente em Juiz de Fora – no qual um alucinado enfiou a faca em
Bolsonaro – o candidato deu declarações mencionando um fato novo relevante na
eleição. Muitos imaginaram, depois, ser um anúncio do suposto atentado. Pode
ser que sim, pode ser que não. Mas de novo, mesmo, foi o pacto firmado com a
Globo. Bolsonaro teve uma reunião com os herdeiros de Roberto Marinho onde,
aparentemente, foi selado o pacto para o segundo turno.
As
três entrevistas da Globonews, com Katia Abreu, vice de Ciro Gomes, Fernando
Haddad e o general Hamilton Mourão, foram a prova definitiva do acordo.
Com
Haddad, pressão total, com os entrevistadores fazendo questão, em todos os
momentos, de enquadrá-lo no estereótipo do petista clássico, justamente para
enfraquece-lo junto ao centro, que o vê como administrador racional e inclinado
a pactos de governabilidade. É só anotar a quantidade de vezes, na sabatina da
Globonews, em que foi invocado o adjetivo “petismo”, para cravar o estereótipo
na testa de Haddad, ou a maneira como se tentava mudar de tema cada vez que
Haddad demonstrava seu estilo de gestão responsável. Como na inacreditável cena
em que ele mostra que a Prefeitura de São Paulo recebeu o grau de investimento
das agências de risco, e Mirian Leitão tenta mudar de assunto alegando que se
estava discutindo “política econômica”. Grau de investimento é o Santo Graal do
mercado.
No
caso de Katia Abreu, Mirian recorreu ao padrão tatibitate de seu colega Luis
Roberto Barroso, dividindo os agricultores entre os “do bem” – que respeitam o
meio ambiente – e os “do mal”, representados por Katia Abreu. Nos dois
episódios, levou invertida, mas revelou a nova estratégia da Globo.
Ontem,
pelo contrário, os entrevistadores implacáveis montaram um convescote,
levantando sucessivamente a bola para que o general pudesse mostrar a face
racional e humana do bolsonarismo.
Cena
3 – a reconstrução da imagem de Bolsonaro
A entrevista
e o suposto atentado a Bolsonaro deixaram evidentes a estratégia de
reconstrução da imagem do candidato, com vistas ao segundo turno. Será
apresentado como o impulsivo boa-gente, cujas declarações mais chocantes são
apenas um reflexo da informalidade. E, por trás dele, haverá duas forças
racionalizadoras: na parte econômica, Paulo Guedes, na parte institucional as
Forças Armadas, tendo como representante oficial o general Mourão que, no final
da entrevista à Globonews, se declarou um telespectador e seguidor fiel das
lições diárias da emissora.
A facada em
Bolsonaro caiu como uma luva nessa estratégia. As próprias declarações do
candidato – “nunca fiz mal a ninguém” – demonstram essa estratégia de
vitimização, apresentando-o apenas como um boquirroto do bem.
Alguns fatos
chamam atenção:
·
Quatro
advogados imediatamente assumiram a defesa do agressor. É evidente a intenção
de criar uma blindagem. Quem os banca?
·
A
investigação ficará a cargo da Polícia Federal de Minas Gerais, a mais
partidarizada, depois do Paraná. É a mesma PF que alimentou durante um ano a
imprensa com denúncias contra o governador Fernando Pimentel, tomando por base
apenas uma delação permanentemente requentada. Como dois e dois são quatro, nos
próximos dias serão levantadas supostas ligações do acusado com organizações de
esquerda.
·
O Facebook
do agressor, com postagens recentes contra Bolsonaro. E sua insistência em
explicar a agressão pelo seu perfil no Facebook. É como se as postagens
tivessem sido colocadas apenas como álibi para o ataque.
·
As
declarações iniciais do filho de Bolsonaro, de que os ferimentos foram
superficiais, porque o pai estava protegido por coletes.
Por
enquanto, são apenas indícios, mas que merecem ser aprofundados.
Cena 4 – o que seria um governo Bolsonaro
Não é
preciso nenhum talento especial para imaginar o que seria um futuro governo
Bolsonaro.
Nele,
haveria a reconstrução do pacto de 1964 – Forças Armadas, sistema Globo,
arrastando consigo o Partido do Judiciário e Partido do Ministério Público-Lava
Jato. O fator de união será o combate ao inimigo-comum. O país será cada mais
dividido entre o Tico “do bem” e o Teco “do mal”, como Luis Roberto “só faço o
bem” Barroso, e a Globonews “só defendo o bem contra o mal”.
Ao primeiro
sinal de impasse com o Congresso, a estratégia óbvia já está montada. A Globo
criará midiaticamente o clima de caos, como fez em vários momentos com Brizola
– superestimando arrastões de praia – ou na própria campanha do impeachment. E
esse clima servirá de álibi para a presidência invocar a Lei de Segurança
Nacional e convocar as Forças Armadas. Quem os enfrentaria? O Supremo Tribunal
Federal? A Procuradora Geral da República? O Congresso?
Chegou-se a
esse estágio de barbárie justamente devido à falta de coragem dos poderes em
relação a um movimento ainda com face indeterminada. São esses valentes que
enfrentarão o poder armado?
É
sintomático a descrição do G1 sobre o momento mais tenso da entrevista, quando
Mourão trata o coronel Brilhante Ustra como herói militar:
"Meus heróis não morreram de overdose, e Carlos Alberto Brilhante
Ustra foi meu comandante quando era tenente em São Leopoldo. Um homem de
coragem, um homem de determinação e que me ensinou muita coisa. Tem gente que
gosta de Carlos Marighella, um assassino, terrorista. Houve uma guerra [no
regime militar]. Excessos foram cometidos? Excessos foram cometidos. Heróis
matam". Diante da resposta, houve silêncio dos jornalistas”.
A partir
dali, submissão total ao entrevistado, mesmo estando na banca um
ex-guerrilheiro, Fernando Gabeira, e uma ex-torturada, Mirian Leitão. Nem a
menção a Ustra alterou os olhares apaixonados de Gabeira às declarações de
Mourão, e as declarações amistosas de Mourão em direção a Gabeira.
Dentro da
“legalidade”, haverá liberdade total de retaliação dos procuradores ligados ao
MBL e da Polícia Federal contra os recalcitrantes, incluindo até colegas –
fenômeno que já ocorre hoje em dia, em todos os níveis, ante o silêncio dos
grupos de mídia.
Se terá o
ápice da ditadura legalizada, com os jovens turcos tendo o respaldo oficial das
Forças Armadas. Fora da “legalidade”, a participação ativa de grupos
paramilitares, estimulados pela caça aos inimigos.
Cena 5 – civilização x barbárie
Para
combater a radicalização, a estratégia de Haddad deverá ser em duas frentes.
Externamente, a de continuar propondo o diálogo, de se mostrar a alternativa
civilizatória contra a barbárie e, cada vez mais, disputar o centro racional.
Internamente, isolar os provocadores.
É tradição
dos grupos de direita recorrer aos agentes infiltrados - utilizado não apenas
em 1964, mas nas manifestações contra a globalização em Seattle. Os Cabos
Anselmos visam não apenas construir álibis para a repressão, mas, ao mesmo
tempo, atrapalhar as tentativas de criação de consenso contra a radicalização.
Será uma
batalha épica em que estará em jogo o futuro do país. Esse será o maior
estímulo à resistência democrática até 7 de outubro, quando ocorrem as eleições
do primeiro turno, e 28 de outubro, quando se vota no segundo turno.
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