28 março 2021

O ponto de vista de Melka

Referência militante

Melka*

Essa conversa é somente pra quem como eu, se entende militante, queria saber se assim como eu vocês também se cansam de ser assim, claro, existe militância sobre tudo, militantes do meio-ambiente, do feminismo, do SUS, ou os de igrejas e de movimentos anti-vacina, ou os veganos e veganas, eu pelo menos acho que tudo isso é uma militância porque você defende algo não só pra você, mas pra toda a sociedade, então vai pra disputa de ideias, de opiniões pra que a gente possa mudar o mundo naquilo que a gente acredita. E fazer isso cansa, consome energia, desgasta. Conheci muita gente no movimento estudantil que por não saber equilibrar as doses de envolvimento com a militância e as demandas da vida pessoal e profissional, optou por abrir mão da vida política, porque de fato ela pode ser pesada se você não sabe conviver com ela.

No movimento estudantil, como costumo dizer, pude desvendar o mundo através dos óculos da militância, é como se a gente fosse limpando ele e conforme estuda, aprende, se torna consciente da realidade de como as coisas funcionam, a gente vai enxergando melhor os fatos, e eu acredito que não seja possível que o óculos se sujem novamente, pelo menos na minha percepção é um caminho sem volta. Se assumir como militante faz com que pareça que você tenha na sua testa "SOU MILITANTE, VOU DEBATER SOBRE QUALQUER COISA, PODE PEDIR MINHA OPINIÃO" e como tudo na vida, tem os dois lados.

O lado que eu considero importante e até bom é que de algum modo, independente de concordar ou não com o que você defende, você se torna referência política para os que estão a sua volta, sua família, seu trabalho, seus amigos, as pessoas com quem você se relaciona.

Lembro de uma eleição de reitor na UPE, a única que participei ativamente, estava entrando na faculdade e uma menina me abordou: - hoje tem eleição né? É pra votar em quem? Recomendei o voto, claro. Naturalmente, através das referências criadas, naquele momento ela confiava o suficiente na minha recomendação por compartilhar das mesmas ideias e opiniões que eu, só poderia ser isso.

Então desde esse tempo entendendo isso, me preocupo bastante em ser referência sobre assuntos políticos, procuro ter responsabilidade com o que falo e defendo e ter coerência pra que possa influenciar as pessoas na boa política e juntar mais gente pra refletir sobre o que eu acredito. E tem o lado cansativo disso, primeiro que às vezes eu queria não ter consciência de toda realidade existente, tanta desigualdade, tanta miséria, tanta corrupção, tanta ganância, isso me adoece enquanto gente que se importa com gente, a ignorância protege as pessoas e nesse caso, a gente fica completamente exposta quando tem noção do que acontece.

Além disso tem a parte chata de ser militante, eu me importo com absolutamente tudo, e tenho necessidade de questionar e é chato querer "consertar" tudo, desgasta muito. E aí com o tempo você acaba tendo mais afinidade com as pessoas que pensam como você, e vai se isolando numa bolha extremamente confortável, às vezes eu mesma penso que nem sei conversar em ambientes de descontração com pessoas que não sejam militantes, porque sempre vou levar qualquer conversa pra algum contexto de debate sobre as questões sociais e políticas, meu deus, que chatice.

Mais chato ainda é quando você consegue não falar dessas coisas e as pessoas que te veem como referência te questionam: - mas e tua opinião sobre isso? Aí você respira e explica o que a pessoa te perguntou, às vezes dá pra dar uma escapadinha, mas o bom mesmo é opinar com leveza e manter a referência, a possível boa referência de militante.

*Melka Pinto, ex-presidente da União dois Estudantes de Pernambuco-UEP, é enfermeira na rede pública.

.

Veja: No Brasil de hoje tudo é instável e imprevisível https://bit.ly/3eLGZj1

Nenhum comentário: